Viagem de elevador

Comecei a correr assim que entrei no prédio. O único elevador em funcionamento no edifício estava ali, no térreo, desafiando-me a nele embarcar. Os outros três elevadores resolveram dar pane simultaneamente. O último passageiro da fila acabara de embarcar e já se virava de frente para mim.

Era um sujeito simpático, de meia idade, muito elegante, vestindo um terno preto de finíssimo corte, coisa de gente de bom gosto e de excelente saldo bancário, além, claro, de conhecer um ótimo alfaiate.

A propósito. Será que ainda existem alfaiates? Claro que devem existir centenas de profissionais que costuram ternos na última moda, ou “fashion” como se diz hoje, para estes elegantes homens que os consomem. A questão é: eles ainda são chamados de alfaiates?

Neste mundo globalizado, tão mudado, tão diferente de há vinte anos atrás, neste mundo “high-tech”, que tem passado por tantas modificações e evoluções, por tantos “up-grades”, não acredito que estes profissionais ainda sejam chamados prosaicamente de alfaiates. Talvez, hoje, sejam chamados de “personal dressers” ou coisa assim.

Ainda bem que não visto mais ternos. Tivesse de usá-los e tivesse eu recursos para mandar fazer um, não saberia nem procurar por um destes profissionais na lista telefônica.

E será que ainda existem listas telefônicas? Sei não ! Faz muito tempo que não vejo uma. E com esta maravilha que é a internet, catálogos de telefones devem estar guardados junto com carburadores e galochas.

Pronto. Aqui estou eu usando palavras ante diluvianas. Carburador. Galocha. Quem, além de um curador de museu, sabe o que estas palavras significam? Ou o que foram, porque hoje estas coisas não são nada.

Não importa. O que importa é que o homem do terno elegante estava dentro do elevador e isto significava que eu tinha de vencer os doze metros que me separavam do elevador antes que as portas se fechassem.

Sem dúvida um esforço sobre humano para uma pessoa que, como eu, não era dada a praticar esportes, nem de freqüentar uma academia. Isto mesmo, pertenço àquela espécie em extinção dentre os humanos que não malham. Sou um ser humano que não freqüento academias. Alguém acredita?

E o que é pior. Sequer fico constrangido ou envergonhado em dizer isto. Falo como se isso fosse uma coisa normal, como se isso não agredisse o ouvido das pessoas. Sujeito estranho, devem pensar, não cultua o próprio corpo. Nem uma tatuagem, minúscula que fosse, ele tem pelo corpo.

Sendo assim, fica claro que cobrir aquela distância que faltava para que eu chegasse ao elevador, exigiria um extraordinário esforço, uma superação dos meus limites.

Acreditem. Contra todos os prognósticos e previsões que qualquer técnico em educação física faria, consegui enfiar minha mão direita entre as portas do elevador exatamente quando faltavam 5,5 centímetros para que elas se tocassem, ou seja, quando elas oficialmente estariam fechadas. Isto fez com que seu moderno sistema de sensores abrissem a porta novamente.

Apesar de meu brilhante desempenho, certamente uma conquista e enorme motivo de orgulho para mim, algumas pessoas, senão todas, que estavam no elevador não gostaram do meu sucesso porque ele acabava por significar uns trinta segundos de atraso na partida do elevador. Isto era coisa inaceitável, visto que, hoje, mais do que nunca, tempo é dinheiro.

O elevador, lotado, afinal, deu a partida. A viagem não seria rápida, percebia-se, porque todas as luzes que indicavam os dez andares do prédio, no painel, estavam acesos. Azar das pessoas que, como eu, iriam para o último andar. Com uma agravante, não havia nenhum sistema de refrigeração no veículo e o dia estava especialmente quente naquele verão.

Éramos dez pessoas lá dentro, muito próximas umas das outras. Minha respiração ainda estava ofegante, mas eu tomava todos os cuidados para não expirar nas narinas da senhora que estava colada ao meu corpo. Afinal de contas, sempre fui educado e não poderia deixar de sê-lo naquelas circunstâncias.

Interessante como as pessoas tem um comportamento comum, eu diria universal, dentro de um elevador. Algumas poucas regras são seguidas pelas pessoas quando se encontram neste tipo de espaço. Por exemplo, todo mundo fica olhando para o teto do elevador ou para a luz que indica o andar onde se está. Ninguém parece notar que existem pessoas viajando juntas.

Ninguém fala nada e, quando fala com algum amigo íntimo que está ali ao seu lado, faz isso sussurrando, como se estivesse contando um segredo horrendo, talvez o número daquela conta na Suiça, daquele ex-famoso político do passado que sempre negara a existência daquela conta.

Formávamos, ali, naquela manhã uma verdadeira arca de Noé. Num espaço tão pequeno, havia amostras de animais os mais diferentes, os mais exóticos. Havia aquela secretária do escritório do segundo andar que, apesar de já estar no seu quinto casamento, ainda fazia questão de chamar a atenção de todos os homens do elevador. Do elevador, não. Do prédio.

Lá estava aquele homem careca, que publicava anúncios no jornal de um produto infalível contra a queda de cabelos. Já ganhara dinheiro suficiente para comprar várias perucas, mas permanecia careca. Homem de opinião.

Aquele senhor de cara agradável, bem vestido, que tinha como missão evangelizar as pessoas que estavam desviados dos caminhos da salvação e que, todos os dias, vinha até o prédio para conversar com a Malú, aquela deslumbrante funcionária da imobiliária do quarto andar. Mulher difícil de ser convertida, tanto tempo aquele homem a visitava.

Finalmente cheguei ao décimo andar. Estava pronto para mais um dia de trabalho. Trabalho cansativo. Afinal, sou o funcionário responsável por espantar os pombos que queiram pousar no teto do edifício. Função que exerço há exatos trinta anos, embora não existam mais pombos nesta região. Creio que meu patrão não tenha percebido isto. Nem tenha percebido que ainda estou na folha de pagamento dele.