O esquecimento

Chovia que se fartava. As pingas batiam-lhe na cara e no blusão, escorrendo em direcção ao solo. Encostava-se o mais possível às paredes na vã tentativa de escapar ao bombardeamento das pingas.

Ao chegar ao fundo da avenida abrigou-se na entrada lateral do Banco. Ao menos ali não chovia. Passou a mão pela cara e pelo cabelo, penteando-o para trás com os dedos. Logo se arrependeu porque a água escorregava agora pelo pescoço, alagando o colarinho da camisa. O candeeiro de iluminação pública com a sua luz amarela, mostrava uma cortina de água à sua volta.

Quando saíra de casa, apenas a uns trezentos metros de distância ainda não chovia e nem sequer se apercebeu da iminência da bátega de água, que se iria abater dentro de alguns segundos. Tinha sido de repente!

Tudo aquilo por causa de um esquecimento. Esquecera-se de pagar a factura da Internet e já passavam dois dias do prazo limite. Podia ser que ainda fosse possível o pagamento por Multibanco.

Voltou a perscrutar o tempo, parecia que já chovia menos. O vento é que se mantinha de sudoeste. Ia ser uma noite de temporal.

Bateu com os pés no chão, passou outra vez a mão pela cara ainda encharcada e fez o que já não fazia há muitos anos, se calhar desde jovem. Inclinou-se para a frente e sacudiu violentamente a cabeça, borrifando de água os vidros da porta do banco. Voltou a passar a mão pelo cabelo e encontrou-o mais enxuto.

Agora chovia menos, tinha a certeza, era preciso continuar, só precisava de contornar o banco até à outra entrada, onde estava a caixa Multibanco. Levantou a gola do blusão e com determinação desceu para o passeio.

Ao chegar ao destino baixou o fecho do blusão de forma a alcançar a carteira, retirou o cartão, meteu-o na ranhura, digitou o código e procurou a factura em débito. No bolso direito, no bolso esquerdo, junto à carteira, nas calças… Onde raio estaria a factura? De repente lembrou-se, pousara-a sobre a mesa da sala enquanto vestia o blusão.

Soltou uma gargalhada enquanto retirava o cartão da máquina. De regresso a casa assobiou todo o caminho…

Brito Ribeiro
Enviado por Brito Ribeiro em 21/04/2008
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