O algodão-doce.

Caminhava pela rua, cabeça baixa e sem perspectivas naquele momento. Olhei a frente e meus olhos se acenderam num brilho sem igual e um sentimento começou a tomar forma ao ver o velho e sua rotina de vendedor de algodão-doce. Velho sorridente caminhava vagarosamente buzinando e acenando sua mercadoria. Parei de caminhar e observei.

- Mãe, mãe! Compra?

- Tá bom filho, escolhe um.

- Quero esse!

A criança de mãos pequenas apontava alegremente para o algodão escolhido e no mesmo momento abaixei a cabeça olhando minhas mãos grandes que já mostrava sinais de envelhecimento. E o olhar, ah o olhar... Criança doce lembrando a mim mesmo anos e anos atrás, segurando o algodão e pensando como seria difícil fazer a tabuada do dois.

Hoje estou na calçada da praça observando o velho, algodão e trânsito e pensando como será difícil ajeitar a minha vida.

Cada pulo dela vibrando enquanto a mãe pagava ao senhor do algodão me remexia algo por dentro que apontava como lembrança e eu sentia a dor do tempo correr pela pele. E há quanto tempo não compro um algodão doce? Nem eu mesmo sei.

Partiram mãe e filho em uma rotina simplesmente natural e o destino deles eu não sabia, porém imaginei que aquela criança poderia um dia estar parada em meu lugar.

O céu azul e o sol intenso. O trânsito continuava seu fluxo e o barulho da cidade o de sempre. Era um momento estranho em minha vida e eu estava simplesmente desfrutando cada minuto e percebendo como os anos voaram e como o algodão-doce foi importante na minha pacata existência.

E eu? Que queria ser cientista e sou apenas um recém desempregado. Eu que queria casar e ter filhos e nem mesmo tenho um animal de estimação. Eu que queria ganhar um prêmio Nobel e a única medalha de vôlei que ganhei está enferrujada em uma caixa em algum lugar.

No momento, o velho do algodão-doce se preparava para atravessar a rua e eu estava parado vendo a cena acontecer.

Um frio me arrepiou por completo e meu impulso foi gritar para o senhor:

- Ei, espere.

Um passo para trás e o velho me olhava. Virou o suporte dos algodões-doces e me encarou sorridente.

Coloquei a mão no bolso e caminhava devagar enquanto disfarçadamente procurava qualquer moeda perdida ali, ouvindo o som de uma cair olhei para o chão pensando ser minha. Vi uma jovem abaixando.

Me desliguei e fitei novamente o senhor.

- Quanto custa?

- 1 real.

- 1 real?

- Sim. – ele sorria.

Imediatamente tive mais uma certeza: no meu tempo não era tão caro.

- Me dá um.

Senti o ar de riso vindo dele ao ver um homem feito comprando algodão doce e então ouvi uma voz feminina.

- Quero um também.

Virei o rosto e vi a jovem que derrubara a moeda há pouco tempo. No mesmo momento virei o corpo procurando alguma criança por perto porém a garota, que agora me olhava ternamente, estava só, assim como eu.

- Aqui estão. – entregava-nos os algodões e questionava. – Estão juntos?

- Não, não. – respondíamos encarando-nos.

Eis que o senhor sai devagar com seus algodões e ali fica a cena paralisada.

Olhos amendoados e recém molhados por lágrimas me encaravam e meu corpo estremecia levemente enquanto devolvia o olhar. Percebi que ela também refletira sobre a importância do algodão doce e que também desejava um lugar pra ficar e talvez alguém para amar.

- Como se chama? – perguntei completamente inibido.

- Débora. – sorriu. – e você?

- Marcos.

O algodão doce contracenava conosco e eu lembrei do meu sonho de ser cientista enquanto com certeza ela se lembrou do dela de ser médica. A sensação estranha nos envolvendo era imensa e olhando o algodão em nossas mãos senti a graça de toda a situação e no mesmo momento consegui me esquecer de todo e qualquer problema e apenas observei aquela face serena à minha frente.

Percebi então, que sempre haveria um lugar pra ir, alguém pra olhar e conhecer e um algodão doce pra comprar.

Do outro lado da rua, uma senhora maltrapilha gritava.

- Senhor!!! Senhor!!! Um algodão-doce por favor.

E o velho do algodão olhava sorridente e em seu sorriso era possível ler:

JÁ COMPROU SEU ALGODÃO DOCE HOJE?