INFINDÁVEIS DIAS DE ROTINA

 

Era um daqueles dias que, ainda não sabia porquê, acordara mau-humorada e não conseguia fazer nada direito. Tropeçava nas coisas, tudo caia de suas mãos, não conseguia decidir e combinar as roupas que ia  usar...

 

As horas pareciam passar mais rápidas. Costumava se guiar pelo programa de TV matinal. Durante o noticiário local e nacional, tomava seu café da manhã, consultava sua agenda, via as contas a pagar, depilava rapidamente as sobrancelhas, lixava as unhas e, se pudesse, ainda dava uma espiada em seus e-mails. Será que aquele bonitão da Internet havia lhe mandado um daqueles e-mails arrebatadores, onde o seu mundo real parava de existir e voava em seus sonhos de fantasia? Sempre ficava tentada, embora fosse se atrasar para seus compromissos, a ligar seu computador e sair de casa com aquele sorriso no rosto que só ela sabia o significado.

 

Porém, já havia iniciado o noticiário nacional e ela tinha de correr para o banho. Aumentou o volume da TV e entrou no chuveiro. Não gostava de sair de casa sem seu banho matinal, pois detestava o “cheiro de cama” que o corpo exalava pelas manhãs.  Levou mais tempo no banho do que de costume, pois seu mau humor não permitia que ela se agilizasse e facilitasse as coisas pra si. Debaixo do chuveiro, teve que sair molhada duas vezes para pegar um sabonete novo que faltava no Box, e depois seu óleo de banho que havia ficado fora e que ela não dispensava, pois lhe dava aquela fragrância de mahogany pelo corpo que já era uma marca registrada de sua presença nos lugares. Ao sair do chuveiro, constatou que sua toalha de banho estava estendida na área de serviço e, xingando sua própria estupidez do dia, teve que ir lá toda molhada para apanhá-la.

 

Depois, mais um pequena guerra a travar: que roupa deveria usar naquele dia?

Provou diversos vestidos e todos pareciam de mal com ela. Nada lhe caía bem. Tentou as calças e blusas e sentiu-se muito desanimada. Pareciam não serem suas e as peças nunca combinavam umas com as outras. Tentou o armário da filha e achou algumas peças razoáveis, mas quando percebeu que estava vestida de adolescente, despiu-se rapidamente e jogou-se na cama para, literalmente, chorar. Foi quando se lembrou da sua secretária doméstica que tinha uma sabedoria filosofal: Quando a gente não sabe que roupa usar, pega uma calça jeans e uma camiseta e vai embora, até a inspiração voltar!  Correu ao armário e pegou aquela velha jeans que tanto gostava, a camiseta preta que havia comprado naquela liquidação da loja que amava, uns tamancos altos e, pronto!... estava vestida para matar! - mesmo porque seu humor não lhe permitia outra coisa naquele momento.

 

Percebeu que o noticiário nacional estava quase terminando e ainda faltava se maquiar, pegar suas coisas e sair. Mas o telefone tocou naquele exato momento. Oh! Será que o mundo estava contra ela? Decidiu não atender ao chamado, mas depois achou que não suportaria o sentimento de culpa e desconforto que sentiria durante o dia. E se fosse algo, realmente, importante? E se fosse uma de suas filhas? Suspirou e atendeu:

 

_ Alô? Olá, Marcinha! Tudo bem? Como? Não vem, por quê? Acordou tarde, humm... eu também, mas vou trabalhar assim mesmo. Não dá pra você vir mesmo que chegue mais tarde? Não? E o que eu faço com a bagunça que está no apartamento? RELAXAR?!? ...Sei... NÃO, NÃO ESTOU NERVOSA! Na TPM? Também não. Está bem, esperarei até amanhã, tchau!

 

Mais um contratempo que ela tinha encarar naquele dia. A faxineira havia se tornado uma peça fundamental para o funcionamento de sua rotina e a falta dela era como uma falta de óleo nas engrenagens do seu dia-a-dia. Tudo funcionava mal e com dificuldade. Resolveu, antes de sair de casa, colocar toda louça suja na máquina de lavar e, as panelas ficariam de molho para quando ela voltasse do trabalho. Fez as camas, guardou suas roupas e as de sua filha, recolheu os livros que deixara pelo chão da sala e de seu quarto na noite anterior, molhou as plantas e jurou a si mesma que a poeira nos móveis, nas janelas e no assoalho, não eram motivo de estresse, eram apenas marcas do tempo e da natureza adentrando sua casa.  Ademais, não traria ninguém naquele dia para lhe visitar.

 

Deu-se conta, naquele instante, que estava muito atrasada e temeu que seu mau humor piorasse. Não queria sair de casa com expressão de raiva e lembrou-se da mãe que lhe dizia: ”Quando você sorri, tudo se ilumina ao seu redor e todas as coisas começam a dar certo!”. Procurou pensar em algo que a fizesse sorrir a despeito daquele dia cinzento.

 

Lembrou-se do bonitão da Internet que a fazia invariavelmente sorrir e não resistiu em conectar-se.

Lá veio, em velocidade muito rápida, um downloud em sua caixa de entrada. Procurou pelo nome dele, sorriu e abriu o e-mail que dizia pouco mas muito bem humorado:


Assunto: QUASE MORRI! 

Texto: Agora à noite, quase morri........... de rir, com esse vídeo, bebendo um vinhozinho, aqui tá friozim... Veja e sorria:

http://br.youtube.com/watch?v=RTtABOe_cJI&feature=related

 

Assistiu a um vídeo do Pica-Pau e também, quase morreu de rir.  Era o que precisava. Depois disso, pegou seu batom vermelho, delineou seus lábios já relaxados e finalmente saiu de casa, com um sorriso no rosto e “pronta para amar”!