Os olhos fechados

Estava no ponto de ônibus e o ônibus não veio. A dor começou a consumir seu íntimo por completo enquanto relia as palavras da carta e aquele sentimento caminhando em seu corpo a arrancava pouco a pouco do lugar. E passou por ela o amor de sua vida, mas as lágrimas que ela derramava por outro eram fortes demais para deixá-la enxergar. E passou por ela sua melhor amiga, mas ela estava rancorosa demais para perdoá-la e retomar uma relação verdadeira de amizade antiga. E passou por ela uma pessoa má e ela simplesmente ignorou, não por ser má, mas por não saber onde estava, e onde estava? No ponto de ônibus? Não, estava no vácuo de seus pensamentos ocupados pela tristeza de perder a razão e a vergonha de não saber controlá-los.

Os carros agitados na avenida escura e a sua face manchada por lágrimas insistentes. E o filme então começou a ser visto em sua mente perturbada e perdida. Imagens sólidas de um beijo que nunca aconteceu se misturavam à palavras e promessas mal formuladas enquanto o som das buzinas lá fora - sim, lá fora, pois o casulo já havia se fechado - a confundiam com o som do seu grito interno.

E a carta ali em suas mãos dizia tudo o que ela precisava ler, ouvir, sentir e entender. Porém entender era difícil demais.

“Não te quero mais, não posso continuar com isso, não pode ser desse jeito, não dá mais certo". Nada disso estava escrito. Apenas um EU TE AMO mal feito com letra péssima à caneta azul num papel branco-amarelado. E sim, o sentimento explodia.

E agora? O que faria? Ele a amava assim como ela o amava.

E quando se tem essa certeza o problema é bem maior.

Por quê? Não sei dizer ao certo. Só sei que é.

Quando o retorno é evitado e as mãos não podem ser tocadas não por falta de oportunidade, mas por recusa, o sentimento aos poucos vai desaparecendo na tentativa de continuar, mas de outro modo, quando o tocar e sentir o corpo do outro é o desejo mais intenso de ambos, o grande e inimaginável problema aparece. Eis então a pérola: o ciúme.

E ela então se levantou amassando a carta em suas mãos delicadas e o rosto molhado, olhar e boca cerrados por raiva não escondiam a tortura. "Ele me ama?"

Apenas uma lembrança se fazia presente na mente dela enquanto caminhava em direção à avenida.

Quem saberia o que? Alguém que ela viu ao lado de seu amor, alguém que ela não suportaria ver ou apenas a ilusão de existir alguém.

E não importava mais. O carro estava vindo.

Estava vindo... Estava vindo...

E seus olhos estavam fechados demais para ver.