Enquanto o tempo anda

Apressadamente, entrei no Terminal Norte. O ônibus em que eu embarcaria estava com os faróis acesos, precipitava-se para sair. Assim que subi no veículo, as portas se fecharam. Rumamos para o Bairro Pirabeiraba. Aconcheguei-me num banco perto da janela e olhei para o céu. Estava em pleno processo de anoitecer. Desde pequena gosto de observar este mágico espetáculo onde a luz se transforma em trevas. O suave aparecimento das estrelas, as nuvens emaranhadas como lençóis ao amanhecer, a Lua erguendo-se para vigiar a Terra.

Entretanto, me surpreendi: estava anoitecendo cedo demais. Eram 18h23. Com um estremecimento, lembrei que era começo de abril. "Sim, estamos no outono! Como eu pude esquecer?", pensei comigo mesma, repreendendo a parte de mim que é apressada e não repara nas sutis mensagens do universo. As evidências da troca de estação ainda não estavam visíveis, fora o insistente dourado do pôr-do-sol. Como se a tinta amarela tivesse transbordado do crepúsculo e manchado todo o fim da tarde.

O ônibus avançava por caminhos mais verdes e a brisa gelada estapeou o meu rosto. Era o outono mostrando que pela epiderme também podemos senti-lo se aproximando. Respirei fundo. Senti o açúcar de abril. "O outono é um oceano doce", fantasiei, e o meu lado criança divertiu-se com o pensamento, fazendo-me rir sozinha em meio aos estranhos daquele ônibus.

Atravessávamos um trecho onde começavam a aparecer as montanhas da cidade. Estavam envoltas em neblina. Imaginei que por trás dessa névoa houvesse uma grande reticência, um mundo inteiro estendido sem que eu pudesse enxergar. Novamente, minha infância se pronunciou. "Esse outono é muito serelepe mesmo. Brinca de esconde-esconde com o mundo".

O ônibus parou no Terminal de Pirabeiraba. Desci e segui o caminho que eu fazia havia algumas semanas. Já estava escuro. "O início de noite é como uma mocinha usando os brincos antigos de sua avó", pensei. Senti frio, mas não vesti o casaco: deixei abril me abraçar. Era o início de um relacionamento. Deveria haver entrega, intimidade, cobertor, chocolate amargo, café com leite, saudade dilacerante, decepção, reconciliação, narrações matinais dos sonhos, declarações, juramento, obsessão, sacrifício, lágrimas de tristeza e de felicidade e de beijo no olho, confissões e a certeza de que, em três meses, eu teria de me despedir para entrar em outra estação.

Enquanto eu andava, deixei Outono se aproximar e me levar pela mão. Senti pela primeira vez que ele não era mais uma estação adolescente; era um homem que convivera comigo uma vez por ano, durante todos os anos da minha vida.

Vanessa Bencz
Enviado por Vanessa Bencz em 04/05/2008
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