Seu Zezito

Seu Zezito foi um destes negros que procurou Dourados para viver e criar seus filhos; o vocabulário era o mais pobre possível, chegando ao cúmulo do extremo, veio de São João do Caiuá, estado do Paraná. Procurou adquirir um lote com a chamada Colônia Federal, insistiu tanto, foi ameaçado simplesmente pelo fato de ser negro. Segundo eles alguns diziam que não queriam ser vizinhos de negros.

— Seu Minino, sô fio di Deus tumem, num sô? Entonces pru quê num quiriam qui eu i minha patrôa arrumasse um cantinho pra nóis vivê a nossa vida im paiz?

Seu Zezito era um homem de luta. Bateu o pé, até que encontrou um paulista de nome Joaquim, mais conhecido como Quinzão, nome no aumentativo por causa do tamanho do homem, que o ajudou em seu intento.

— Num sei, Minino! Mais o baita simpatizô cum nóis i comprô a nossa briga. Numa arrenuião qui tivemu, ele disse que nóis era gente iguar os otro i qui nóis tinha o direito di vivê im paiz no nosso pedaço de chão.

Seu Zezito ganhou um lote em direção a Campo Grande. Segundo ele, o seu “pedaço de chão” ficava onde hoje é o trevo que desce para Fátima do Sul. Em um entroncamento, ditamente porque fazia divisa apenas com dois tolerantes e humanos: Seu Deca, um mineiro bonachão, que fazia divisa com os fundos do lote de Seu Zezito e às direita, o Seu Natal, paulista muito “gente das boa”, como dizia nosso bom negro. Plantou de tudo: feijão, arroz, cultivou mandioca, milho, criou galinhas, porcos, ali também criou Belinha – era assim que chamava Izabel, a mais velha – Zequinha e o “rapa de tacho”, o Beto. Quinzão e a Quitéria eram os padrinhos da Belinha; Florenço e a Maria do Socorro apadrinharam o Zequinha, e o Beto fora batizado pelo proprietário da Fazenda Carreta Velha, história que começara de uma maneira que dá até uns arrepios, mas provoca alegria. Seu Zezito certo dia viu um cavalo arrastando um coche em disparada e uma mulher e uma bela menina gritando desesperadamente sobre esta. Seu Zezito vendo a desgraça feita pegou seu cavalo que estava pastando amarrado próximo a casa, desamarrou, passou-lhe uma focinheira e saiu em disparada, conseguindo alcançar, emparelhou com o cavalo do coche e pulou de seu garanhão no lombo do outro, puxando as rédeas, conseguiu parar. Olhou para trás. A mulher estava chorando abraçada com a filhinha sem um arranhão que fosse. Manobrou o coche e levou de volta ao seu dono que tinha ficado para trás, onde a mulher não cansava de lhe agradecer. Quando se aproximou do dono do coche, este estava com os olhos marejados e agradeceu muito. Era o proprietário da Fazenda Carreta Velha, Seu Horácio, dizendo ter parado para fazer uma necessidade no meio do mato e esqueceu de frear o coche.

— Nunca esperei que este cavalo fizesse isso, pois é muito manso! – dizia Seu Horácio.

— Intonces devi di arguma coisa ter se assucedido! Si u bicho é manso, pru quê disparô?

Zequinha se aproximara do local - e era um menino muito esperto - viu no chão o rasto de uma cobra e chegaram à conclusão que a serpente assustara o cavalo.

Com toda essa história Seu Zezito ganhou um grande amigo que lhe deu uma vaca girolanda prenha e ainda se tornou compadre de Seu Horácio, porque este quis batizar o caçula de Seu Zezito. Volta e meia Seu Horácio aparecia com uns corte de tecido para a Dona Flor fazer roupa para alguém da família; ou às vezes pedia para que Seu Zezito fosse com ele para a fazenda para fazer rapadura, geléia de mocotó ou quebra-queixo , especialidade do negro velho, aliás, ele sempre dizia que era a Fulô – sua esposa – a mão boa para fazer o doce tão procurado principalmente pelos nordestinos.

— Lá im casa us mininus istudô pruque u Cumpadi Horaço sempre dizia que lugar de muleque é na iscola. Eu sempri dizia qui num tinha as condições i u cumpadi sempre comprava us materiar i levava im casa dizendo era pra modi eu matriculá us mininus i qui si fartasi arguma coisa era pra pidí pra ele. Hoji us mininus tão casados, cada um tem sua profissão: Belinha é prefessora – teimosa que só ela, vive querendo insinar o papagai véio aqui aprendê a falá; Zequinha tem um iscritóriu pra fazê as conta prus armazém, prus bazá i otros cumerço; Beto é diministradô da Fazenda Carreta Velha e da Fazenda Rio Manso do padim dele. Ganha bem, sempre tá in casa dexandu leite, coaiada i todu meis leva um dinherinho pra modi comprá as coisa que farta. Vendi u loti i reparti entre eis. I u negu véio aqui continua fazendu quebra-quexu, cocada, pé-di-mulequi i vendendu na Praça Antoim Jão. Us mininus num qué qui eu trabaie mais não, mais num sei ficá oiando pra cara da véia la in casa sem fazê nada. Vô vivendu minha vida assim até que a morti venha batê im minha porta, fanzendu doci cum minha véia, vendendu na praça i nus finar de sumana contandu história prus netinhus.

Aldair Lucas
Enviado por Aldair Lucas em 08/05/2008
Código do texto: T980953