Sandra - Final

---- Nossa, deve ter sido horrível para ela... e para você?

----- A gente se virou. Mamãe trabalhava na farmácia, depois arrumou um serviço melhor no consultório do Dr. Hermes.

Hermes, lembrava dele. Parecia que era homem de bem.

----- O seu Hermes gostava da mamãe. Tratava bem dela. Mas ela não dava mole. dizia que homem nunca mais. E ele era muito velho pra ela.

---- E você? Tem namorado?

----- Não, que é isso moço. - riu - Sou muito nova, e primeiro quero fazer faculdade. Depois eu penso nisso. Tem muito tempo pra frente.

---- É, tá certo. Só que no coração....

-----..... no coração ninguém manda!-- parou estupefato. ---- Mamãe sempre dizia isso.

Os dois ficaram alguns minutos se olhando. Então o homem quebrou o silêncio.

----- O seu Abilio...? Será que ele demora?

---- Acho que não. logo taí.

Sentou-se em uma mesa no canto do bar. Aprendera a não deixar as costas a descoberto.

--- Olá, desculpe a demora. - disse o dono do Bar quando o viu na mesa.

---- Ora que é isso. Tô tomando uma cerveja geladinha e estou em boa companhia!--- apontou para a menina.

---- É, ela já tem os mesmo predicados da mãe. É bonita, inteligente, e gosta de conversar. Olha tem alguém que quer falar com você.

----- Como assim?!?

---- Abaixe a voz por favor, Jota!! - falou ele colocando um dedo nos lábios.

Olhou espantado para o velho gordo a sua frente.

---- Como..? como você?? - falou assustado...

---- Calma, calma!! É melhor irmos até a pracinha.

---- Não! Vocês querem me ferrar de novo? Acha que eu ainda sou aquele pivete idiota de 15 anos atrás?

---- Não é nada disso, rapaz. Se a gente conversar aqui ela - apontou para a menina no balcão - pode estranhar. Veja já chamamos a atenção dela. Venha! Vamos lá para a praça. Você logo vai entender. Não adianta ficarmos aqui.

---- Tá bom, mas nada de bobeira pro meu lado.

----- Calma meu rapaz, tem alguém lá que quer te ver..

Era ela. Ele sabia. Ela viera lhe encontrar.

----- Quem?

----- Venha e veja!

................

Iam caminhando sem trocar palavras. Jota fechava os olhos tentando lembrar do rosto da amada. Como ela estaria. Teria engordado? Seus cabelos, estariam compridos? Ainda ficava vermelha na bochecha? O medo e a ansiedade tomavam conta de Jota.

Um vulto se levantou de um banco quando se aproximavam. Tentou conhecer, mas estava envolto nas sombras.

---- Olá Jota! - a voz saiu trêmula, embaraçada em lágrimas, fraca, entrecortada, entre soluços.

----- Olá! - olhou desconfiado, tentando reconhecer a voz.

----- Não me reconheces? Aproxime-se, meu filho! Venha até aqui.

Aquela voz. Aquele jeito de falar.

----- Meu Deus!! Não!! - avoz saiu entrecortada... emocionada

----- Sim, filho. Sim, sou eu D. Érica, a tua vó Érica.

----- Mas, eu pensei..

----- todos se foram, eu não consegui. --- abraçaram-se. Sentiu a fragilidade do corpo que o tempo e a dura vida do campo minavam a cada dia. Lembrava-se dela ainda forte, mandando pegar capim pras vacas, colhendo algodão como bóia-fria junto dele e dos outros meninos.

Os olhos marejaram, dos dois, da velha senhora negra e do rapaz. A lua brilhava com força no céu como a colocar foco sobre este encontro.

---- ahhh, .... filho meu---- chorava a negra abraçado ao seu neto. -- Graças a Deus você vortô. Eu rezei tanto pra isso. --- o pranto que corria do rosto da velha molhou a camisa do rapaz.

----- Voltei vó, voltei sim! Aonde ela está vó? Eu preciso falar com ela. Na cadeia, era a imagem dela que me dava forças para continuar, dia após dia, noite após noite. Enfrentei marginais em um cubículo, lutei contra tudo lá dentro, até mesmo com meus instintos para não me tornar um deles, vó, só por ela. Por que eu sabia que ela estaria me esperando.

--- Bom acho que vocês tem muito o que conversar. tchau Jota. Seja bem vindo meu rapaz.

O seu Abílio falou isso e saiu em direção ao bar.

---- Meu filho porquê fez aquilo, porquê?

---- foi sem querer vó. Ele era um safado, estava em cima dela. Ela vivia reclamando dele. Ele não devia ter feito aquilo.--balançava a cabeça cabisbaixo - Ele a estuprou vó. E não ia acontecer nada com ele!! Só por que era filho de policia. Ela não merecia aquilo vó. Não ela. Se pudesse voltar atrás e desfazer tudo aquilo. Mas não tem como! Não sei como ela conseguiu viver com aquilo na cabeça. Ainda mais aqui, nessa cidadezinha pequena.

----- ohhh, meu menino. Você ainda pensa nela, como pensava antes. Eles não te mudaram. Que bom.

---- Vó!! eu preciso ver ela, vó

----- Não dá meu filho!! Isso é impossível!!

---- Como assim impossível!! O que foi? Ela casou? Bem feito pra mim, acreditei que ela estaria me esperando.

----- Não é isso meu filho!

---- Como assim, então o que é?

----- Venha comigo. Vou te levar até ela.

E começaram a caminhar. A noite estava fresca e gostosa de caminhar. Jota foi voltando ao passado. Voltou quinze anos no tempo.

Reviveu quando o assassinato ocorrera. Era noite. Noite de inverno. Chovia. Ele viu aquela Kombi-furgão, estacionada. Mas não prestou atenção. Havia se atrasado para pegar Sandra na escola. As luzes da escola já haviam se apagado. O zelador, seu José, foi o último a sair. quando Jota o interrogou, este disse que todos já haviam saído.

---- Mas ela sempre me espera. Ela sabe que eu venho, chova ou faça sol.

---- Olha, rapaz, ela deve ter ido de carona com alguém.

----- Não, ela sabia que eu vinha.

---- Bem, não sei o que aconteceu. Tchau. Vou me mandar senão a chuva volta e me pega na rua.

--- Tchau, seu José, boa noite pro senhor.

Resolveu voltar pelo outro lado da rua. Aquela Kombi. Estranho. A kombi do supermercado. Ali. Parada. Passou perto. resolveu olhar pelo vidro. Então ele a viu. Ou melhor viu as pernas dela, aparecendo através de um vão da cortina, que cerrava o fundo da kombi.

---- Sandra, é você?! SANDRAAAAAAA!!!

Um homem saiu pela porta dos fundos da kombi, lhe apontando uma arma.

---- Cala a boca nego safado, senão te furo!

---- mas...

---- Cala a boca, seu merda!

Sandra se batia dentro da Kombi. O homem empurrou Jota para dentro. Notou que Sandra sangrava entre os lábios e suas roupas estavam, jogadas, rasgadas, no lado. Á luz da lanterna ele viu o rosto do homem.

----- Gilberto!!! Seu desgraçado! O que você fez seu filha da puta?

----- Seu merda. Não tá vendo?!? eu fudi gostoso essa putinha. Agora tá toda regaçada. Pode ficar com ela . hahahahahah--

Sandra chorava por sobre a mordaça. Seus braços estavam atados ás costas e suas pernas abertas mostrando sua vagina que fora deflorada, sangue escorria em suas coxas.

Gilberto foi ajeitar a cortina da Kombi, então Jota aproveitou o momento e pulou em cima dele. A diferença de peso e tamanho era desigual. Jota era franzino, 20 anos, pouco mais de 60 quilos, já Gilberto era forte, quase 80 quilos, carregador do supermercado, filho de policial e treinado em lutas. Caíram rolando, fora da Kombi, quando o braço do Gilberto, bateu na tranca da porta.

O estuprador levantou-se primeiro. Deu dois socos no estômago do Jota. O pegou no ar e o arremessou contra a Kombi. Jota sentiu tudo girar, quando bateu a cabeça no veiculo. Um chute nas costas o fez acordar gritando. Rolou para debaixo da Kombi, e enquanto rolava na lama, sua mão tocou na arma que Gilberto deixara cair. Este o pegou pelos pés e o puxou para sair de debaixo do veiculo. Ainda sendo arrastado, Jota vira-se e lhe dá dois disparos, certeiros, apesar de trêmulo. O corpo cai em baque surdo. O rapaz volta para dentro da kombi e desamarra Sandra.

Logo os curiosos se aproximam. O Delegado chega. É o pai do, agora, cadáver, que jaz na lama com a chuva a começar a cair novamente. O sangue a escorrer se misturando com a água e a lama. O delegado não quer saber de nada. Seu filho está morto. Alguém vai pagar por isso.

Sandra tenta defender Jota. Inútil.

O delegado diz que não importa se era legitima defesa. Era um criminoso e tinha de ir para a cadeia.

“Esses negros são tudo uns safados. Esse agora vai apodrecer na cadeia se depender de mim”. Lembra dessas palavras que o homem lhe disse quando o jogou no camburão.

Á noite, na cela, é maltratado, humilhado, de todas as formas, que a malvada alma humana pode conceber em sua mente. Ao amanhecer é levado para o presídio de Presidente Prudente.

---- Aqui meu filho, aqui está ela!! Volta ao presente ao sentir a pressão da mão da vó na sua. Olha em volta.

Então chora. grita. toda dor de sua alma irrompe naquele grito incontido.

----- Aiiiiiii, aiiiiiiiiiiii,,, oh meu Deus..

Estão no cemitério.

..................................

Os dois estão voltando para a praça.

----- meu filho, ela lhe escreveu tantas cartas. Porque não respondeu? e porque mandou dize que não queria ver ninguém?

---- Vó, eu nunca recebi uma carta dela. A última vez que falei com ela foi aquela noite. Lembro dela chorando, quando me colocaram no camburão. Estava chovendo, mas eu não me esqueço do sabor do nosso último beijo. Era gosto de lágrimas. Salgado. Como a saber do nosso sofrimento.

--- ah, meu filho. Ela sofreu tanto. Disse que não queria mais homem nenhum, só você. trabalhava dia e noite para se sustentarem.

----- Como? Você disse se sustentarem? sustentarem? Quem?

----- a menina , meu filho. A Sandrinha!

---- Sandrinha!?!?

----- Dizia que um dia você ia ver a menina e ia lembrar dela.

----- mas... eu nunca soube....--- não consegue segurar as lágrimas...--- Maldita vida!! porquê? Meu Deus porque tudo isso?

---- Vingança meu filho, o delegado te levou pra longe. Na noite em que aconteceu tudo aquilo, ela ia te falar do resultado dos exames. Te procurou depois mas o delegado disse que você fora transferido e não disse para onde dizendo ainda que não queria ver nem falar com ninguém. A gente tentou te encontrar mas nunca conseguimos... nem dvogado conseguimos procê. O delegado fazia ameaças contra quem ia te defender...o tempo passou mas ela encontrou gente boa...o seu Hermes ajudou a Sandra e a menina ....

----- Hermes?! ... Então....

----- Sim. è isso mesmo. Você já viu tua filha. Foi a primeira pessoa que conversou com você.

----- A menina do bar. .... minha filha........ oh Sandra!! Sandra, minha amada, eu nunca vou te esquecer...

---- Corra meu filho! Vai lá! Diga a ela quem você é.

---- Eu vou. Eu vou... ---- e saiu correndo. Correndo em busca da vida. Em busca do novo sentido que encontrara em sua vida