O QUARTO AZUL

Ele entrou no quarto atabalhoado, afoito, mas não a encontrou. Depois de tanto tempo, entrar naquele cômodo lhe proporcionava sensações estranhas. As paredes foram pintadas recentemente, substituindo o antigo amarelo por um harmonioso azul. O lustre também foi trocado. No lugar do globo comum, ela instalou sobre uma base de bronze, uma grossa cúpula de vidro, de onde a luz, ao cruzar seus desenhos, formava feixes que se espalhavam pelo teto.

O quarto parecia mais amplo e mais fácil ao trânsito. Sentia falta de alguma coisa, mas não conseguia lembrar do que seria. Na cabeceira, fotos de família e, sobre a cama, uma muda de roupa. Foi então que notou o som que vinha do banheiro, o ruído suave do chuveiro e o barulho da agua. Encostou o ouvido na porta e ouviu um murmúrio melodioso, quase uma cantiga.

Sorriu e caminhou até a cama. Sentou-se, sobre a colcha de renda branca, e alcançou os pequenos quadros que guardavam instantes mágicos e fragmentos de suas vidas. Passou o dedo indicador sobre o vidro, retirando uma fina camada de pó. Soprou e acompanhou a poeira planar por um instante, antes de cair ao chão.

Sua mente vagou e ele buscou o diálogo daquela tarde. Ela parecia feliz, menos presa ao vício dos detalhes e mais atenta aos fatos e às intenções.

- Tenho pensado muito em você, então fiquei preocupada. Está tudo bem?

- Sim, mantive-me inteiro nos últimos três meses – riu um tanto forçado – Posso aparecer aí? Tenho coisas para contar...

- Claro, quando quiser.

Algumas falas lhe fugiam à memória mas sentia que o peso lhe sumira dos ombros. Estava, desde o telefonema, menos tenso, mais seguro.

A visita surpresa não significava um processo de reconciliação, mas uma aproximação necessária. Tantos anos, compartilhando emoções, convivendo com fracassos e sucessos, dividindo o simples e o complexo. Isso merecia algo maior do que lágrimas e batida de portas. Ele pensava assim e agora, tinha certeza que ela também.

Caminhou até o pé da cama e investigou a roupa que ali se encontrava separada. Um lindo vestido marinho, feito em tecido muito fino. Apenas uma alça. Uma abertura lateral lhe atribuía a sensualidade que o corte longo poderia negar. Ia devolvendo a peça quando percebeu o aparelho celular que estava sobre a colcha, casualmente oculto sob o tecido.

Ficou parado por um instante, escutando a água caindo sobre o corpo no box. Um pouco ansioso, pegou o aparelho e observou alguns números desconhecidos nas chamadas recebidas e realizadas. Navegou até a caixa de entrada e abriu a ultima mensagem: “Você me ama?” – perguntava o número anônimo.

Sentiu o coração e a mente acelerar em suas têmporas, passou a mão no rosto, como a tentar desembaralhar a visão. Tenso, olhou à sua volta mas encontrou apenas seu reflexo na porta do armário. Deu dois toques com o polegar e viu na caixa de saída uma resposta - enviada no minuto seguinte. A respiração lhe faltava. Não abriu.

Minutos depois, a porta do banheiro se abria fazendo com que o vapor perfumado adentrasse o quarto. Ela saiu com a toalha presa ao seio bem formado e encontrou um quarto azul vazio e um molho de chaves sobre a cama.