O Velho e a Cidade Cinza

Ele envelheceu como todos na cidade cinza. Via as rugas tomarem conta de seu rosto, viu os dentes caírem e a voz ficar rouca. Sentiu os ossos se partirem de quando em quando... Sentiu a morte rondar sua cama toda a noite. Sentiu seu coração palpitar mais forte a cada momento de angústia... Parecia que a hora havia chegado.

A cidade se acinzentava cada vez mais. As pessoas se tornavam mais cinzas. Paredes, rostos, crianças que não ouviram falar de futebol, cachorros... Tudo ficava cinza e o velho, que se via envelhecer nas poças d'água, começava a perder sua cor também. Ele não queria fazer parte da cidade cinza, não queria...

Ele juntou suas coisas e partiu para a saída da cidade, o céu sobre ele começava a ficar mais escuro e o temporal não tardou em cair. Choveu a madrugada toda, mas o velho não parou um segundo de andar... Não olhava para trás! As casas ficavam pequenininhas, e as pessoas cinza da cidade acinzentada o olhavam com ar de inveja e de protesto. Ninguém devia sair da cidade cinza, ninguém!

A tempestade passara e o velho continuava a andar, não olhava para trás. Porém, ao chegar ao alto de um morro já nos limites da cidade, ele viu a população cinza da cidade acinzentada começar a segui-lo. O velho continuou sua marcha um pouco mais rápida, mas o seu peito começou a lutar por oxigênio. Ele caía e levantava, e seu saco de farinha de trigo com suas roupas havia se rasgado e tudo caíra no chão. Ele largou o saco e continuou, andou, andou e andou... As pessoas da cidade cinza já estavam perto quando o velho caiu dentro de um buraco. Foram cinco minutos de queda, o buraco não tinha fim! Quando chegou ao fim, estava dentro de um mar de água salgada subterrânea, ele não enxergava as pessoas da cidade cinza em canto algum, a abertura do buraco estava muito longe para ele poder ver se havia alguém lá. Ele gritou, mas não tinha ninguém lá... Ninguém!

A caverna era bem escura, e para onde o velho olhasse só via a água! Não havia ninguém... Sem nenhuma perspectiva o velho deixou-se afogar, a água ficava mais escura lá embaixo. O corpo imóvel do velho foi afundando mais e mais... Mas, o velho viu um ponto de luz branca! Não, era vermelha! Não, era verde! Era multicor... O velho viu aquela luz e nadou em sua direção. A cada braçada que dava dentro da água ele ficava mais jovem, e mais jovem. As dores do corpo sumiram e a água se tornava mais viva: ele via peixes, algas e todo tipo de ser aquático. A luz estava bem no seu rosto, ele levou a mão direita e tocou a esfera branca que se fazia a sua frente.

Há muito tempo, a cidade cinza era colorida. Era a mais bela cidade da região, todos eram felizes. Crianças jogavam bola na rua, pessoas conversavam e tudo corria bem. Um dia, um rei tomou a cidade colorida, ele era bom apesar disso. A cidade ficou mais esplendorosa nas mãos de seu novo governante. Mas o rei tinha um filho e ele era mau e, um dia, ele envenenou o pai e tomou seu lugar. Tudo que seu pai havia criado foi sendo destruído durante os anos. Pontes, estradas e ferrovias foram vendidas. As pessoas ficaram cada vez mais doentes e cidade começara a perder a cor. A população não aceitou aquilo, juntou-se e foi tirar satisfação com o tirano. Quando todos chegaram ao palácio, o rei lhes fez uma promessa: enquanto estivesse no poder, todos seriam ricos, sem exceção! O povo não sabia o que era ser rico, mas o dinheiro foi começando a correr em forma de pensão. O rei podia fazer o que quisesse, ninguém poderia ir de encontro as suas medidas. Com o tempo, o rei ampliou seus poderes e isso poderia ter sido evitado se todos tivessem agido, mas o tempo deixou o rei mais forte e povo não desejava mais lutar. Para quê? Todos tinham dinheiro, porém eram infelizes... Mas, que se dane felicidade, tinham tudo que desejavam. A cidade ficou cinza de tristeza: o povo se tornou mesquinho e o rei se tornou eterno. Quem fosse contra suas medidas era calado e servia de exemplo...

O povo estava ao redor do corpo do velho estirado perto de um buraco, em suas mãos sem vida, havia uma bola cor de bronze com os dizeres: "Uma alma justa não envelhece e nem morre." O povo da cidade cinza não sabia mais o que era ser bom, mas algo curioso acontecera: o velho não era mais velho, era jovem! Ele estava colorido, o povo não se deixou impressionar e jogou o corpo do velho e a esfera de bronze no buraco e voltou para a cidade cinza...

O velho, que agora era moço, nadava pelo mundo aquático, onde ele viu todos os habitantes que pereceram na luta pela cidade cinza. No meio deles, ele viu um homem barbudo com uma coroa se aproximar dele e dizer a única coisa que ele havia escutado na vida da cidade cinza:

- Eles estão longe de aprender, a verdade está logo abaixo deles e, com ela, a felicidade... Paciência...

Valdemar Neto
Enviado por Valdemar Neto em 27/06/2008
Reeditado em 30/12/2009
Código do texto: T1054565
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.