CONTOS DRACONINOS 1 - HORUSRAM, O PRATEADO

Mais uma vez a gigantesca criatura levanta o rosto contra o céu. A abóboda azul está despedida de nuvens e iluminada por um radiante sol. Então o dragão lança o olhar sobre sua asa direita. Ao abri-la vislumbra o corte que a fende. Conseguiu estancar o sangramento, mas entristece ao ver a pele dançar ao sabor do vento feito uma folha de papel . A asa esquerda está intacta. Nessas condições seu vôo é instável e perigoso. “Os caçadores sabem onde ferir” pensa Horusram.

Abertas as asas atingem vinte metros de uma ponta a outra. Poderosas elas são capazes de lançar aos céus seu corpo de seis metros e uma tonelada. Suas escamas prateadas reluzem sob a luz do sol . De olhos aguçados Horusram já viu incontáveis maravilhas ao redor do mundo. Como a aurora boreal no pólo norte, as gigantescas montanhas de gelo do pólo sul, as exuberantes florestas tropicais e outras tantas. Cães ladram a poucos metros fazendo-o retornar a realidade. Havia perdido muito tempo, os caçadores aproximam-se. Desengonçado galopa através da planície.

Pára diante do lago de águas cristalina. Sedento curva-se para beber. Depara com a face de um dragão cansado. “Três dias em fuga e sem repouso” pensa Horusram. Se permite descansar um pouco, mesmo sendo meio dia. Busca a floresta e calmamente acomoda-se debaixo das arvores. Um rochedo protege-lhe a retaguarda. Repousa a cabeça sobre as patas dianteiras e com a cauda envolveu todo o corpo. Camuflou-se de tal maneira que imóvel parece uma rocha.

Assim, Horusram lentamente adentra o mundo dos sonhos. Vê a si mesmo, ainda filhote, a percorrer as pradarias caçando ao lado de sua mãe, cruzando os céus junto ao seu pai, vê oceanos e continentes que visitou, o mundo é grande demais. O que há além do horizonte? Que seres habitam as terras distantes? De onde viemos? Para onde vamos? Quem sou eu?

Inicialmente acredita que está debaixo de uma tempestade e um trovão ruge sobre sua cabeça. Mas ao abrir os olhos depara-se com cães rosnando e latindo diante de seu rosto. Logo atrás um grupo de caçadores. “Sou um tolo” pensa. A camuflagem engana os caçadores, criaturas frágeis, mas não aos cães, seus lacaios. Estavam tão próximos que seria fácil esmaga-los. No entanto lhe parece desnecessária toda aquela violência, afinal de contas não havia feito mau algum aos humanos. Permanece imóvel esperando que se afastem o suficiente para poder fugir.

Horusram recorda-se da primeira vez que viu humanos. Foi numa manhã a mil anos. Estava voando ao lado de sua mãe a centenas de metros quando avistou aquelas criaturas no solo, digladiando-se umas contra as outras. “O que são aqueles seres?” indagou Horusram. “São homens” respondeu a mãe. “E oque é um homem?”. A mãe volveu o olhar para o filho antes de responder “Nem eles sabem”. Horusram ficou intrigado com as palavras da mãe. “O que estão fazendo?” . “Guerra” responde a fêmea. Horusram fixou o olhar no quadro para entender o que a mãe lhe dizia. Armados de espadas, escudos , lanças e flechas tentavam ferir um ao outro. Mas eram da mesma espécie por que lutavam entre si?

“Vamos pousar naquela encosta” assim dizendo a fêmea fez um mergulho no ar sendo acompanhada pelo filhote. Haviam pousado a uma distância segura do conflito. “O que vê a sua frente, Horusram?” o pequeno dragão move o olhar em 180 graus. “Uma floresta e montanhas”. “Aqueles homens estão matando uns outros pela posse desta região”. “Mas há lugar para todos por que lutar?”. “Assim é a natureza daqueles sugadores de leite. Veja que a medida que avançam destroem a si mesmos e o ambiente ao seu redor” Horusram vislumbra a devastação da floresta. “Porque fazem isso?”. “Não sei! Talvez seja destruindo,construindo e reconstruindo que entendam o mundo”. O filhote ficou intrigado com as palavras da mãe. Era uma ideia absurda aquela, destruir para construir e destrói mais uma vez para reconstruir. Mas aquele dia havia ficado no mundo das recordações. No momento Horusram estava diante de um problema maior, pois aquelas criaturas estupidas que matam o semelhante estavam lhe caçando.

Desconfiados os caçadores aproximam da rocha para a qual os cães farejam e latem incessantemente. É um momento critico, o dragão não pode simplesmente aguardar o inevitável, é necessário tomar uma atitude. Então desfaz-se da camuflagem , abre as asas, de suas narinas saltam labaredas de fogo, seu rugido ecoa no infinito. Amedrontados os caçadores dispersam-se em desembalada correria. Os cães avançam latindo e mordendo.

Horusram não deseja ferir nenhum ser vivo. Assim salta sobre os cães de forma que alça vôo até o todo do penhasco. Parece que finalmente havia se livrando dos caçadores. Pois não os via mais. Não compreende o motivo pelo qual os humanos o caça. Sempre mantém-se a distãncia das vilas e aldeias humanas, jamais caçou animais que os homens criam, nunca ferira algum deles. Desconhece o motivo da perseguição, o ódio nos olhos humanos, a determinação em acabar com a sua vida. Irracional, foi como Horusram definiu aquela situação.

No momento em que retomaria a fuga depara-se com algo que o paralisa. A sua frente estão outros homens e um gigantesco arco com uma seta apontada para seu coração. Mas antes que possa fazer qualquer coisa a arma é acionada e a flecha trespassa-lhe o peito, seu sangue jorra em abundância, seu corpo inerte cai do penhasco feito um pacote. Com estrondo choca-se com o solo. Agonizante lança ao ar o último rugido.

Do alto do penhasco os homens fitam a imensa criatura abatida.

-Belo animal , mestre William. fala um dos caçadores.

-Eu sei, Alfred. A cabeça dessa fera enfeitará a sala de troféus do meu castelo.

-Com esse já são quantos que você caçou, meu caro William? Indaga o homem que segura nas mãos um cachimbo.

-Deixe me ver...Esse é o oitavo, lorde Buckyham.

-Então, meu caro William, na próxima caçada a cabeça será minha. -Fala lorde Buckyham.

-De acordo, mas essas feras estão cada vez mais difícil de se encontrar. Agora retornemos ao meu castelo para tomarmos um bom vinho.

-Ótima ideia , meu caro! Essa espera me cansou.

-De fato a espera foi prolongada. Da próxima ordenarei aos meus servos que não os canse tanto quanto esse. Alfred coordene os homens para que o troféu esteja o mais rápido na minha sala.

-Não preocupe-se, mestre assim o farei. Alfred curva-se. Os dois lordes cavalgando seus cavalos

afastam-se.

Sannyon
Enviado por Sannyon em 08/07/2008
Código do texto: T1071101
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