O Éden Vermelho

Ele corria de um lado para o outro da praça, com um bloco de papel, anotando coisas aparentemente sem sentido. Via uma mulher com o bracelete vermelho, ia, anotava as 6 primeiras palavras que ouvia da conversa dela com uma pessoa de bracelete azul, ignorando artigos, pronomes e palavras monossilábicas ou dissilábicas, e ignorando quando falavam menos de 6 palavras, só para completar com 6 palavras novas, saía correndo para outra pessoa que portasse o bracelete vermelho, anotava 6 palavras, e assim, anotou 660 palavras em um dia. Chegou em casa, cansado, e começou a decifrar. Montou um anagrama hebreu para cada palavra, pegou as primeiras letras de cada resultado, montou várias matrizes, multiplicou-as, apagou a segunda letra, a quarta, a sexta e assim por diante alternadamente, e pronto. Lá estava, uma mensagem, que ele pontuou e acentuou por si só:

"Futuro companheiro Heitor, você esta próximo da entrada. O passo seguinte será ir à rua Adelaide Amaral e falar com a mendiga sentada ao lado de um cão. Ao chegar peça para ela te guiar para a senda. Não se preocupe, seu insight está certo, todos os seus sonhos serão realizados, é só se lembrar de fazer a escolha certa. Lembre-se das pistas. Vermelho é a cor do pecado, mas também é a cor do prazer e da fantasia."

Orgulhoso de si mesmo, saiu imediatamente de casa, chamou um taxi, viu que o motorista portava o bracelete vermelho, que só ele conseguia ver, e perguntou:

-Está há quanto tempo na Irmandade?

O motorista, fez cara de quem não entende, e disse com aspereza:

-Pode parar com essa conversa de louco. Essa é minha última corrida, estou exausto. Aja normalmente e me diga para onde você quer ir.

Surpreso pela reação, Heitor disse o nome da rua.

-Em que ponto da rua? Deixe-me adivinhar, vai falar com a mendiga velha?

Ao ouvir isso e identificar um sorriso malicioso vindo do taxista, piscou para ele e confirmou com a cabeça. Enquanto o taxi corria ao seu destino, ficou observando as pessoas na rua. Percebeu que algumas possuíam um bracelete azul, outras um roxo, outras vermelho. As de bracelete vermelho piscavam para ele quando ele passava. Chegando à rua Adelaide Amaral, Heitor saiu sem dizer nada ao taxista, sem nem o pagar. Viu a mendiga, com um bracelete preto, sentada ao lado de um cão, em frente a uma sinagoga. Se dirigiu a ela, e perguntou:

-Olá. Como me torno um vermelho?

A mendiga riu sarcasticamente, e retribuiu com outra pergunta:

-Está disposto a pagar o preço?

Aliviado por alguém finalmente falar diretamente com ele, ele disse:

-Depende. Qual é o preço?

Ela ria cada vez mais, e seu cão rosnava.

-Só saberá depois de fazer a escolha.

Decidido, ele respondeu com convicção:

-Então eu escolho a pílula vermelha.

Com um alto sibilo, ela parou de rir, se levantou, e o puxou pela mão, conduzindo-o a uma viela. Entregou na mão dele uma faca de cabo vermelho, e sussurou:

-Corte seus pulsos, e depois beije a minha boca.

Tomado por uma súbita ânsia de vômito, Heitor obedeceu. Cortou os pulsos com a faca, beijou a velha, se sentou ao lado do cão, que começou a lamber os cortes, e desmaiou.

Acordou, nu, cercado por mulheres nuas, absurdamente belas, que vendo-o acordar, beijaram seu corpo com erotismo.

-Bem vindo! Parabéns, você nos encontrou pelo caminho mais curto: a loucura. falou um homem negro, também nu.

Surpreso com o que acabava de acontecer, Heitor se levantou, olhou em volta, viu que estava em uma espécie de parque, com cachoeiras, árvores frutíferas, e muitas, muitas pessoas nuas.

-Como isso pode ser possível? A última coisa de que me lembro antes de desmaiar, foi que cortei meus pulsos profundamente. Eu morri? Onde estou?

Contente com a pergunta, uma das mulheres, bem jovem, respondeu:

-Você está no Éden vermelho. Não, você não morreu. Seja grato ao nosso deus, o deus da fartura, pois agora todas as suas fantasias serão realizadas. Banquetes, muitas mulheres, crianças, o que você quiser.

Não conseguindo conter as lágrimas de alegria, Heitor abraçou-a. Perguntou:

-Mas afinal, qual é o nome desse deus tão generoso? O conhecerei um dia para expressar minha sincera gratidão?

A jovem riu, e explicou:

-Esse deus tem vários nomes. Ele prefere ser chamado de Lucifer, mas é também conhecido, na Terra, como Satanás.

Tomado por imenso espanto, Heitor disse:

-Mas que coisa! Sempre ouvi que Satanás era um anjo mau e egoísta!

Todas as mulheres pigarrearam ao ouvir isso, e uma delas, loira e com belos seios, disse:

-Egoísta, sim. Mau, não. Ele é egoísta pois acredita que o egoísmo é mais lógico que o altruísmo. Ao contrário do deus que o criou, ele não exige nada dos seus súditos. Só pede para que pensem em si mesmos, para que façam a própria vontade. Aqui no Jardim Vermelho, não tema. Se quiser algo, faça. Se quiser fazer sexo com uma de nós, com nós todas, com outro homem, fique a vontade. Não é necessário pedir, não é necessário se esconder, pois nosso deus é sábio. Ele deu a nós um infatigável desejo carnal, um apetite infindável, e tirou todos os valores morais hipócritas que o outro deus implantou no ser humano.

Ao ouvir isso, não pensou duas vezes. Foi em direção a uma mulher, a beijou, deitou-a no chão e fez sexo com ela por horas em frente a todos. Depois de horas, Heitor parou, e voltou a conversar.

-Qual a maldição que receberei por poder ter essa vida abençoada?

Os que ouviram, riram com desdém, e um homem respondeu:

-Tortura eterna, meu rapaz, tortura eterna. O mesmo deus que criou a paixão, o desejo e os prazeres carnais, condena quem os tem ao sofrimento eterno.

-E quando isso acontecerá?

-Assim que seu corpo na Terra morrer.

Heitor ouviu, mas não se importava mais. Queria apenas aproveitar cada instante dessa nova vida. Cada sentido seu era suprido por enorme prazer. Aceitaria o açoite eterno com gratidão.

Nuss
Enviado por Nuss em 18/10/2008
Código do texto: T1235885
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.