As flores de plástico não sofrem

as flores de plástico não sofrem

em março de 1991 (quase Titãs)

O Cravo Indignado estava mesmo muitíssimo aborrecido. CRADIGO vinha pensando muito nessa história de ele ser sempre relacionado com a morte. Achava isso realmente inadmissível, pois ele achava-se até muito bonito para ser associado com essa coisa feia, a morte.

Sentado sobre uma pedra e refletindo melhor (os cravos são realmente muito entendidos em filosofias, e , por isso, sempre acabam achando uma solução, ou resposta para os problemas), viu que quanto à posição dos ‘outros’ seres, ele não podia (não desejava) fazer nada. Porém, pensou, quanto à posição de seus semelhantes, ah! essa sim interessava-lhe.

CRADIGO pulou da pedra e foi indo pelo jardim. Rememorou as características dadas à alguns de seus semelhantes. Viu a Rosa e lembrou-se à que ela era relacionada. Disse então:

- Bom dia, Rosinha! Como está você?

Não é necessário dizer que ela estava triste. Rosas são de virgem, não é mesmo?

- Tô bem, amiguinho CRADIGO. E você, como está?

- Bom, Dona Rosa Melancólica, eu agora quero saber algo sobre o que pensam meus semelhantes sobre o estigma que os ‘outros’ seres me impuseram.

- A morte? Indagou ROMELA.

- Sim, sim! É isso! Que pensa ROMELA? Acha que sou tão feio assim?

- Feio? Não, eu acho ce bonito.

- Ora, então diga-me porque me associam à essa coisa horrenda chamada .....putz......morte?

- Ce acha a morte triste, horrível?

- Sim! E não é, pergunta surpreendido CRADIGO.

- É que sempre achei o amor melancólico, triste. Não horrível, mas quase.

- Que!?? O amor quase-horrível??!! Cê ta delirando, não é mesmo, ROMELA?

- Ai, ai, amiguinho. Então ce não ta vendo? Relacionam-me ao amor e que é então o amor senão essa beleza das minhas cores e pétalas? Que é o amor senão isso e mais meus espinhos pontiagudos? Ce sabe que eles têm um pouquinho de veneno na ponta?

CRADIGO (sem querer) afasta-se um pouquinho de ROMELA, e diz, meio confuso:

- Sim...bom....mas de qualquer forma sempre há esperança de que nesse amor se possa trilhar mais o caminho das lindas cores e formas, o caminho da beleza e evitar ao máximo outro caminho, o dos espinhos. Não é assim? E quanto à morte, que há de beleza nela?

- Não sei, CRADIGOZINHO, eu ainda não estou morta. Ainda não. Mas quanto a evitar caminhos, ce acha que pode evitar o caminho da morte?

Bom, agora façamos uma pausa para dizer algo que todos cês já devem saber –como bons leitores, que, presumo, sejam - : Os filósofos, em geral, não gostam dos melancólicos, Principalmente quando, ao invés de ficarem no seu silêncio de morte, ficam falando com aquela voz mansa e compreensiva. Isso irrita-os demais mesmo.

CRADIGO irritar-se-ia, se a sua frente não estivesse aquela linda ROMELINHA que ele amava em silêncio. Nunca tentara nada com ela, pois sabia que até aquele chato e metido a galã, o CRAMENTONA, havia tentando conquistar ROMELA e se ferrara. Como não desejava indispor-se com seu ‘mais-do-que-platônico-amor’, despediu-se e foi-se embora.

Lá mais pra perto da cerquinha velha do jardim novo, avistou o tal em quem a pouco pensara, o Crisântemo Enjoado-Tonto-Narciso. O Cravo não conversava muito com ele, mas como estava a tentar saber a opinião de seus semelhantes sobre o delicado assunto de seu estigma, cumprimentou-o.

- Olá, CRAMENTONA!

- Coméquetá? Tudo em cima, ou não?

CRADIGO, em sua ‘nóia’, já imaginava que o desgraçado estava referindo-se à sua condição de mensageiro da morte, e que, por isso, é óbvio, sempre deveria estar ‘por baixo’. Mas contém-se e indaga à CRAMENTONA:

- CRAMENHA (chama ele assim de propósito, pois sabe que ele não gosta desse diminutivo, e porque assim, por certo, o Crisântemo ficaria nervoso e ai poderia dizer o que realmente pensa a respeito do assunto), que cê acha dessa história de relacionarem-me a morte?

Logicamente que o metido a Narciso ( um Narciso moderno, pois ao invés de utilizar-se das águas para mirar-se, usa os olhos apaixonados das amantes) ficou indignado com o diminutivo que CRADIGO usou.

- Olha, Cravinho, cada um na sua, ta certo?

- Claro CRAMENHA. Mas ce deve ter uma opinião a respeito, ou não?

- Claro que tenho, Senhor Cravo! E é essa mesmo: cada um na sua! Veja eu, por exemplo: Que posso fazer se sou belo e admirado? Que posso fazer se sou disputado por elas? Veja, até Steinbek sabia de meu estigma de conquistador e usou-me para ‘metaforear’ uma tentativa de adultério. Veja você. A morte é seu estigma. Carregue isso e defenda-se da melhor maneira.

-Vá a merda! CRAMENHA! CRAMENHA! CRAMENHA!

Desta vez, CRAMENTONA não se enerva. Pra que, se o outro faz isso por ele?

CRADIGO ferve. As cores rosadas de suas pétalas viram carmim. Vai passando pelo Lírio-do-Rosto-Alegre.

- Hei, hei! CRADIGO, aonde vai assim tão transtornado?

O Cravo volta-se acalma-se, pois LIDORAL é muito, muito simpático.

- Oh, olá LIDORAL. Não sabia que já tinha voltado de sua viagem.

- Ah sim! Ainda ontem a noite. Fui até o Vale de Lírios visitar meus parentes, mas era uma visitinha rápida. E cê, que tem?

- Ah, é aquele porcalhão do CRAMENHA. Que tipo metido a ‘galo’!

- CRAMENHA é? Ce sabe que ele não gosta que o chamem assim. Ce chamou ele de CRAMENHA?

- Chamei sim! E quer saber de uma coisa? Foi bom, assim ele respondeu bem sinceramente o que acha dessa história de relacionarem-me com a morte. Por falar nisso, que ce acha disso?

- Olha, CRADIGO, eu já tive tantas experiências, já vi e senti tantas coisas. Coisas lindas, maravilhosas. E sabe uma coisa? To vendo que a vida, pra mim, já não basta. Já vi quase tudo que me foi destinado. Acho que pra mim, a morte é um caminho natural. Quem sabe do outro lado haja Vale de Lírios nunca vistos por aqui? Quem sabe?

- Bom, amigo, não era a isso que eu referia-me. É o lance de me estigmatizarem com essa senhora patética.

- CRADIGO, acho que nessa vida seremos sempre relacionados a algo. Ce é um carinha muito preso. Tenho certeza que se ce vier comigo ao Vale, sentirá que nada nessa vida vale a pena um atormentar-se. Tudo é vão...

CRADIGO imagina que LIDORAL já esteja ‘noutras’ e segue em frente.

Na verdade não segue muito. Para, a um certo ponto ao sentir o aroma do amigo Jasmim Bonzinho.

- È, pensa ele, JASBON realmente é alguém muito magnético.

Pensa então que na vida, os errados são aqueles como ele, CRADIGO, que não aceitam sua condição pessoal e sentimental.

Acaba por achar mesmo, que ele é alguém até meio indesejado no jardim. Um perturbador.

Levanta e vai passeando. Não está triste. Olha para a noite que chega. A lua, as estrelas, o portão e as cruzes. As cruzes do cemitério, aonde ele vai todos as noites namorar a Dália Plástica, que, infeliz, jazz num vaso...

Cramêntona - No dialeto italiano falado na região de Garibaldi, é uma expressão igual à:

MEU DEUS! Caso seja de admiração.

FDP! Caso seja de nervosismo.

CRAMÊNHA é um diminutivo.

César Piscis
Enviado por César Piscis em 16/11/2008
Reeditado em 27/11/2008
Código do texto: T1286565
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