O SEGREDO DE IRACEMA

O ano novo chegara. A cidade amanhecera vazia, quase sem movimento. A maioria de sua população optara por ver o ano novo chegar, na praia. Era tradição. Para os supersticiosos - até mesmo para os não -, ver a queima de fogos, dando boas vindas ao ano que iniciava e o molhar dos pés nas areias e águas do mar, era um ritual que se perpetuava ano após ano.

Iracema pensava diferente. Preferira ficar na cidade. Não gostava muito das tradições e, escolhera ficar em casa, assistindo a passagem de ano pela televisão. Sua opção de ficar na cidade quase vazia, longe dos festejos e das algazarras comuns, em parte, era compreensível: tinha sido criada numa rígida convenção familiar e, até chegara a ser a escolhida para professar sua fé, sendo uma monja. O destino não concretizou esse pacto.

Moça cheia de virtudes, era sinônimo de tudo o que um homem gosta em uma mulher: prendada, inteligente, padrão de beleza dentro do que se tem visto ultimamente, se cuidava. Era cobiçada pela maioria dos rapazes que a conheciam, mas seu coração não despertara para nenhum deles.

No entanto, ela guardava um segredo a sete chaves. Apenas ela e uma outra pessoa sabiam desse mistério que envolvia sua pessoa. Por isso, neste ano que estava entrando, ela não quis ir à praia. Tinha um compromisso particular. Aliás, dois. Um era de ordem familiar; o outro, sentimental.

Quando o dia amanheceu, clareado pelos raios de sol que banhavam a sua cidade, ela se levantou, fez suas orações, abriu a porta dos fundos de sua casa, exercitou-se, recebeu a energia vinda do astro-rei e preparou-se para cumprir suas tarefas. Pegou uma toalha e entrou no banheiro. Enquanto tirava a roupa, seu corpo começou a sentir-se vivo, eletrizado. Seus pensamentos estavam voltados para o que iria fazer durante o dia, principalmente, na parte da manhã. Isto foi o suficiente para que ela fosse acordada de vez e seu corpo tomado pela sensação de estar completamente excitada. Sentiu-se estremecer. Controlou-se. Deixou cair a água sobre o corpo despido e o simples tocar de suas mãos em sua pele, a fez ficar em estado de delírio. Completou-se ali mesmo lembrando-se do deus grego que iria visitar.

Iracema, no entanto, não tinha tempo a perder. Saiu do banho ainda trêmula, do clímax, e foi direto para o seu quarto, trocar-se. Seu corpo estava hidratado por óleo de amêndoas e o cheiro inebriava todo o espaço por onde ela cruzava. Apenas passou, de leve, a toalha pelo corpo. Vestiu uma blusinha leve – fazia calor. Não usou o acessório que protegia os seios e, ao vestir a saia jeans, distraidamente, esqueceu-se de pôr a peça que tinha a função de cobrir sua genitália. Em seguida, borrifou, levemente, pelo pescoço, punhos e braços, uma suave fragrância de água de cheiro. Arrumou o cabelo. Passou um lápis preto nos olhos e um batom nos lábios, olhou-se no espelho e gostou do que viu. Estava pronta.

Quando entrou no carro, em direção ao centro, seu coração já batia mais rápido. Tentou se concentrar no ato de dirigir e desviar seus pensamentos das luxúrias fantasiadas.

No centro, procurou resolver o primeiro dos compromissos: era um favor que iria prestar para a sua mãe. Como previra, resolveu com rapidez. Voltou para o local onde tinha estacionado o seu veículo, abriu a porta, sentou-se ao volante e procurou se acalmar, pois o seu estado de estímulo havia voltado duplicado. Instintivamente, cruzou as pernas. A sensação, quando comprimiu sua vagina, quase a levou ao delírio. Precisava abrandar-se. A solução foi descer do carro e procurar serenar-se no interior de uma Igreja. Lá, concentrada, seu corpo suavizou. A paz invadiu sua alma e ela rezou. Ficou ali, por longos minutos, até ouvir um pequeno assovio – quase imperceptível – de alguém a chamá-la.

Ao voltar-se, Iracema deparou-se com o seu segredo. Estava ali, de pé, na soleira da porta da igreja, sorrindo para ela, com olhos interesseiros voltados para, ora o decote de sua blusa, ora a brancura de suas coxas.

Ao perceber a lascívia, Iracema ruborizou-se. Era tomada pelo fogo da paixão, mas era, antes de tudo, uma fiel católica, temente dos castigos de Deus. Imediatamente procurou se levantar de onde estava e ir de encontro ao deus mortal que a aguardava do lado de fora da porta. Não foi preciso os dois dizerem alguma coisa. Os olhares diziam tudo. Ele pegou-a pelos ombros, beijou-a e lhe desejou um bom dia. Ela apenas suspirou. Em seguida, ele abriu a porta do seu carro e ela entrou. Era o seu segundo compromisso.

Saíram dali sem nem mesmo ela perguntar para onde iam. Não precisava. Ela já sabia. Aliás, tinha sido assim nos últimos meses, desde que se tornara dele – a pureza ainda existia na sua alma, no entanto, o seu corpo havia conhecido o gosto gostoso de ser invadido em sua intimidade.

O carro percorreu, sem pressa, o caminho já conhecido. Iam conversando amenidades. Apenas um gesto de carinho – por parte dela – na sua orelha; ele, em contrapartida alisou suas coxas. Ela ficou ouriçada. A pele ficou como se estivesse com bastante frio – rugosa e sensível ao toque.

Quando chegaram, Iracema arrepiou-se ainda mais. Sabia que dali a pouco seus gritos de prazer seriam ouvidos, seu respirar seria entrecortado por palavras desconexas, ininteligíveis e o seu corpo inteiro iria pedir mais, cada vez mais, até ela quase desfalecer.
Iracema olhou para seu deus grego – seu segredo – e sorriu, passando a língua pelos lábios. Era sempre assim: quando passava por aquela porta ela se transformava numa ninfeta ardente de desejos e tudo que queria era ter prazer do seu amado. Ele era, em sua vida, o complemento das coisas boas. Entrou e a porta foi fechada. Lá fora, o sol forte invadia os recantos frescos e anunciava o calor que os corpos iriam sentir.

Na árvore ao lado, um casal de bem-te-vis cantava a paixão que sentiam um pelo outro. Lá dentro, Iracema se abria para o pecado da carne e se lambuzava no mel da paixão.

 




Obs. Imagem da internet

Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 20/01/2009
Reeditado em 04/02/2012
Código do texto: T1395338
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