BATISMO DE UM ANJO

 
Foram olhos surpresos aqueles que me fitavam: eu, cujo código moral se edificara em constantes vigílias solitárias, renúncias silenciosas, explosões desmedidas e fidelidade absoluta, naquele poltrão de marca maior encontrara, finalmente, a razão para a desesperada busca que me lançara num redemoinho de desatinos através do qual não vislumbrava qualquer saída.

Hesitante, recolhi as asas a fim de voar na brevidade da paixão ofertada pelo príncipe de ébano, cujas mãos estendidas representavam – ao mesmo tempo – questionamentos e respostas.

No átimo do segundo que se eterniza, em meu olhar transpareceram as mágoas e as perdas; a desconfiança; o receio de vir a ser no coração do gentil e sedutor errante apenas uma menina, o anjo que perdeu o bonde das nuvens.

Sob os respingos do sereno fiz a escolha. Enfeitiçada e não meramente agradecida, sucumbi ao poder do pecado original com igual volúpia e inocência duma Lilith confrontada em seus anseios mais enclausurados e íntimos. Todas as minhas contradições e dúvidas jaziam entre lençóis brancos e frios que atestavam a intensidade e veracidade daquele instante.

O príncipe de olhar pleno de malícia entregava-se frágil e menino ao anjo rebelde e indômito, maculado e que, contudo, não se deixara ludibriar por artimanhas do inveterado conquistador.

Ousando ir além fitei seus olhos no preciso minuto em que de mãos entrelaçadas escalávamos o ápice do prazer e enxerguei pela vez primeira a verdade, quase dogma a mim ocultado durante a longa e espinhosa jornada: a eternidade reside na coragem de arrancar as asas e se humanizar pelo batismo sagrado que perpetua a vida!

Ajoelhada e contrita louvei o sentimento que a mim ressuscitara e que carregaria ainda quando, recomposta, recolocasse de volta minhas pesadas asas.




 
Querido maninho, não resisti à beleza do teu conto e mesmo sem muita desenvoltura resolvi viajar na profundidade de tuas palavras!

Inspirado (e plagiado...rsrs) no conto Anjo Divinamente Caído do recantista Jorge Luiz da Silva Alves

http://www.recantodasletras.com.br/contos/1399129