O BLEFE

Entrei no Grand Cassino Royale pela primeira vez. Fui pelas mãos de Evelyn, aquela estonteante loira que me tirara do sério naquela festa promovida pelas grifes da Passarela Mundial da Moda. O evento tinha sido muito concorrido. Havia mulher bonita para todo lado e Evelyn cismara de querer a primazia dos horários nobres, dos tapetes novos, da imprensa graúda. Fiz o que pude, mas haveria um preço: uma noite com ela no Cassino... E ela topou!

Estava, portanto, naquele momento, dando início ao desfrute da justa paga pela facilitação de seu desfile de moda que lhe rendera três novos contratos de televisão, cinco de rádio e dezenas de capas de revista. A minha ocupação de promoter facilitava certas coisas e isso as meninas sabiam e desejavam usufruir.

Não entendia bulufas de cartas. Mas, para começar, fomos pra uma mesa de iniciantes, onde os baralhos voavam de mão em mão, num frenesi tresloucado de apostas e gritarias. O Cassino estava superlotado. Lindas mulheres desfilavam para todo lado. Um ar de sensualidade e luxúria tomava conta do ambiente. Vestidos longos e cabelos arrumados sobressaiam entre as mulheres. Os homens vestiam-se com esmero e elegância também.

De cara observei o que ocorria á minha volta. Na mesa das cartas mais simples, das apostas para iniciantes, fiquei a observar. Fui informado de que não poderia estar por perto se não fizesse parte do jogo. Fui com Evelyn para o bar. Tomamos uma Vodka e nos animamos. Detive-me por algum tempo a olhar, a espreita, o que se passava na mesa.

Um senhor ao meu lado, cabelos grisalhos, rosto sulcado pela vida, notou meu interesse e, talvez, minha ingenuidade, e interpelou-me:

- Gostas de jogar?

- Sou apenas um curioso...

- Precisas ter muito cuidado! Há raposas velhas aí prontas para devorar os mais incautos.

- Deixa comigo!

Simplesmente devolvi esta observação, sem muita noção do que estava falando e do que de fato representava para eu estar naquela noite em Cassino tão famoso, cujas vultosas somas de apostas eram celebrizadas todo ano no Guiness dos recordes.

O senhor parece que se simpatizou comigo como que a um filho e, aproximando-se ainda mais, chamou-me a atenção para um jogador:

- Está vendo aquele loiro barbudo, com pinta de jogador de beisebol?

- Sim!

- Ele é muito esperto. Cuidado com ele. Não dá ponto sem nó. Fatura alto por aqui, todas as semanas, ganhando dinheiro à custa dos turistas que vêm para brincar e acabam por perder altas fortunas...

O baralho é um jogo de cartas simples, composto por uma coleção de cartas formada por 52 exemplares, divididos em quatro naipes em séries de ás a rei, cujas peças intermediárias constituem-se num conjunto de números de dois até dez, acrescido das figuras do valete e da dama. Além destas, existe uma carta especial a que se dá o nome de curinga, pois ela se presta para substituir qualquer uma em qualquer situação do jogo. Com esta coleção de cartas em mãos, se podem jogar uma variedade de jogos que são denominados de: buraco, sueca, bisca, mexe-mexe, dentre outros.

Pois os jogadores estavam numa disputa acirrada de buraco, disputando dez mil dólares, que estavam em jogo sobre a mesa. A partida era alta para iniciantes. Muito arriscada, levando-se em consideração a presença de quatro jogadores.

Um jogador tomou a iniciativa de pagar a aposta. De onde estávamos, observávamos a reação de cada um naquele momento crucial do jogo, em que se poderia terminá-lo, com o jogador levando o dinheiro e encerrando a aposta, ou a eliminação do jogador e a continuação entre os demais. Meu companheiro de Cassino recém-descoberto puxou minha camisa e apontou para o jogador que propusera a banca:

- Está blefando! Não consigo ver as cartas dele daqui, mas tudo indica que está blefando...

- Mas, como? - indaguei inquieto - Como?

- Aprende uma coisa, meu rapaz! Há quatro situações clássicas que demonstram que um jogador está blefando. Anota isso em sua mente se quiser se dar bem por aqui. A primeira é quando o jogador, antes ou imediatamente após uma jogada num momento importante da partida, conta uma piadinha. Quando ele faz isso, ele está blefando. Está tentando desviar a atenção do seu nervosismo; quer controlar-se através da risadinha dos outros. Tenta demonstrar uma aparência de tranqüilidade que ele não vive interiormente. Essa regra é infalível!

Ouvi aquela observação e interiorizei aquelas idéias, meditando comigo mesmo...

- A segunda - olha para mim! -, é quando o jogador após a jogada arriscada, olha para o lado. É como se ele nem quisesse ver o risco que está assumindo com seu blefe. Ele olha para o lado e com isso quer também levar os olhares dos demais jogadores para a direção onde está olhando, numa tentativa de tentar desviar a atenção da mesa onde as cartas estão e as fichas foram lançadas.

Estava absorto em minhas ponderações e o velho, queria atenção plena, como um Mestre que ensina ao seu discípulo sua ciência e quer vê-lo concentrado no aprendizado...

- A terceira é quando ele respira fundo, fazendo certo barulho com as ventas, produzindo aquela sensação de quem está inalando muito ar para se preparar para os momentos seguintes. A leitura que fazemos disso é que a jogada foi muito arriscada, de tirar o fôlego, e o jogador que está blefando precisa alongar-se em sua respiração, deixando o ar preencher os pulmões e, assim, adquirir condições de enfrentar os momentos seguintes a sua jogada.

Ouvia atentamente meu professor de carteado, procurando reter ao máximo suas observações, pois poderiam ser-me úteis na aposta que pretendia fazer dali a pouco. Era loucura, mas não sairia do Grand Royale sem ao menos experimentar a adrenalina de uma aposta, nem que fosse de míseros quinhentos dólares.

- A quarta situação que indica que o jogador está blefando, meu menino, é quando ele torce o pescoço ou faz algum outro tipo de exercício corporal. Esta é uma tentativa de alongar-se, estimular-se, tentar recompor as energias ou afastar o estresse, procurando enviar mensagens para o cérebro que venham a resultar em benefícios naquele momento de instabilidade produzido por uma jogada perigosa que só ele tem conhecimento efetivo.

Estava zonzo já com tantas informações quando ele ainda me perguntou:

- O que tens a dizer?

- Nada.

- Como assim?

- Bem, se é verdade o que você me disse, o gringo está blefando. Ele está puxando muito ar neste momento. Optou pela terceira estratégia e isto indica um blefe.

- Valeu menino, você aprendeu rápido. Pode jogar se quiser. Tem outras mesas por aí...

O velho levantou-se foi tomar uma bebida mais adiante e eu lembrei-me que estar ali era mais do que o jogo. Era o jogo e a Evelyn. Tinha-me esquecido dela! Onde ela estava? Levantei-me apressado e fui ao seu encalço. Estava em uma outra mesa, de jogadores experientes, assediada por vários homens que a rodeavam.

Os espelhos ao redor da sala ampliavam a beleza de Evelyn e, contemplá-la assim, tão assediada, não me fez bem, embora soubesse que ela só seria minha aquela noite, por enquanto, talvez. Tomei-a delicadamente pelos braços:

- Vamos, vem jogar!

Ela assustou-se, mas quando ouviu o convite, aquietou-se.

Levantou-se distribuindo risinhos e olhares para todo lado e foi comigo até a mesa de onde havíamos iniciado a visita ao Cassino. Retirei da carteira os quinhentos dólares que estava disposto a jogar e sentei-me com ela e mais quatro jogadores para uma aposta simples.

Confesso, agora que escrevo estas reminiscências, que foi divertido. Perdi os quinhentos dólares e gastei outro tanto com bebidas e canapés, mas vivi uma noite divertida com Evelyn no Grand Royale.

Eram já cinco da madrugada quando saímos do Cassino. Propus para a moça irmos até o meu apart-hotel. Ela recusou. Fiquei meio encafifado. Sabia que no acordo não estava um encontro íntimo, mas isso não seria nada difícil para ela, pois o mundo em que vivia a levava constantemente a esses acertos de ocasião. Além do que, eu era um tipo bonito e simpático. Sua recusa me aborrecia.

- Por que não? Será bom para nós dois. Conversaremos com um pouco mais de tranqüilidade...

- Estou menstruada!

Evelyn falou isso e acrescentou:

- Você não está querendo se sujar de ketchup, está?

- Deixa de graça, vamos?

- Sério, não vai dar. Estou menstruada...

Ela repetiu a frase e olhou para o lado. Alguma coisa estava começando a inquietar-me naquele momento de desespero por conta da libido solta.

- Caramba, garota, você está sendo cruel para comigo!

- Mas, não posso, já disse. Estou impossibilitada.

Estávamos no pátio esperando o manobrista trazer meu Vectra Elegance. O carro prateado luzia na madrugada. Meu coração murchava diante da bela que era uma fera. Evelyn acabara de pronunciar: “estou impossibilitada” e aprumando o corpo, puxou fundo o ar da madrugada, deixando que sua respiração fosse tomada da umidade serena daquela manhã orvalhada que se prenunciava. Fiquei irritado!

- Ok, ok, a gente não vai transar, mas vamos até lá, ao menos para conversar um pouco!

- Não dá! Tenho que descansar para ir ao médico no início da tarde.

E dizendo isto, Evelyn começou a contorcer o pescoço, alongando-o em semicírculos, como se estivesse alheia à minha aflição e entendiada com a minha insistência.

Somente neste instante, todas as fichas do Cassino caíram em minha consciência. A filha da puta estava blefando! Engoli em seco, respirei fundo, chamei-a para o carro, abri a porta e tão logo ela assentou-se no banco do carona, disse:

- Você venceu jogadora! A deixarei em casa!

ALEX GUIMA
Enviado por ALEX GUIMA em 02/05/2006
Reeditado em 13/01/2024
Código do texto: T149085
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