REFLEXOS NA ÁGUA


     Certa noite tive um sonho estranho onde tudo era possível, tempestades ali não existia, fome ninguém ali conhecia, fiquei inquieto a pensar como poderia imensa perfeição. Pessoas bonitas, saudáveis, na verdade não sabiam que eram bonitos e saudáveis, pois não conhecia nada de seu pequeno universo.     
     Cada segundo que eu passava ali naquele lugar ficava um tanto quanto intrigado, pois como agir com tamanha naturalidade e neutralidade vivendo em perfeitas condições sem nada a reclamar, imensa perfeição. Belas praias, animais de rara beleza, sem confusão do cotidiano, extrema calmaria, mansidão.
     Um dia sem mais nem menos vejo que já faço parte daquela comunidade, daquele universo sem ao menos perceber como fiz para adentrar nesta “fraternidade”, só pode ser chamada assim, diante de tamanha pureza.
     Com passar dos anos ali, ainda me lembro dos tempos em que vivia uma vida vivida, com sentido e motivações para viver e seguir em frente, tento fazer algo de novo no meu novo habitat, porém tudo ali já existe. Um tédio esta utopia que vivemos aqui, vou maquinando este medíocre pensamento em minha vaga memória, certo momento me deparo com a certeza que a perfeição é imperfeita. Pois é o mesmo que nada, viver em um universo não cíclico, não sujeito a mudanças, onde é impossível um recomeço, uma seqüência em uma história sem fim.
     - O que fizemos aqui todos esses anos?
     Exclamou um velho senhor a me ver sentado olhando a imensidão, não mais a admiração inicial, todo encanto se foi, pois tudo ali se tornou um tanto quanto igual, todos os lugares são os mesmos, não existe o êxtase antes presente. Agora apenas vejo o sol nascer e fico a espera de um novo crepúsculo, um dia após o outro vou seguindo e sentindo sensações iguais as de sempre, porém em locais diferentes na tentativa de encontrar uma saída deste universo paralelo.
     Hoje já velho encontro-me um lugar onde nunca estive, fico a pensar: - Como pude tantos e tantos anos passar diante da mais bela paisagem e não me encantar, como pude estagnar e matar anos de minha vida em simples momentos a contemplar o sol nascente e o seu crepúsculo.
     Novamente o velho senhor que outrora me perguntou sobre o que fizemos aqui todos esses anos, me encontra e começamos a dialogar sobre as nossas experiências vividas em nosso pequeno universo, vou questioná-lo sobre como ele conseguir permanecer com a mesma aparência, pois passado tanto tempo permanecia com a mesma aparência que tinha anos atrás, ele apenas me convida para acompanhá-lo.
     Chegamos a um lago, aquele mesmo lago que sempre vou todas as tardes contemplar o pôr-do-sol sentado nas pedras as suas margens, mais ao sentar em “minha” pedra o ancião segura em minhas mãos e me convida para ir um pouco além. Meu instinto questionador, meu desejo em conhecer o desconhecido, conhecer-me, não questiono, vou em frente.
     Ao aproximar da beira do lago, sinto uma sensação jamais sentida naquele mundinho (in)perfeito, passo a sentir que tenho coração, reparar nas planícies deste grande lago, ele pede para mim reparar em tudo que ainda não conhecia naquele local, para prestar atenção nos mais pequenos detalhes, tudo que procuro e vejo ao meu derredor já conhecia, o senhor inquieto com minha reação pede para que eu repare nas pedras submersas na água, ao dar conta que via algo distinto de tudo que via há anos, pois via reflexos do que fui um dia, e não a imagem do que hoje sou, uma imagem complexa porém me fascinava tudo ali presente, quando pensei estar começando a delirar o velho senhor pega um pouco de água e molha meu rosto, ao acordar vejo-me no banheiro de minha casa, lavando meu rosto, acordo, tomo um reforçado café da manhã, sentindo um tanto quanto estranho, pego o telefone e ligo para minha namorada.
     - Bom dia amor.
     - Dormiu bem...
     Como sempre ficamos horas e horas conversando, contando para ela as experiências ali vividas naquele longo “sonho”.
     Ficando apenas uma simples resposta em meu coração.
     A perfeição nem sempre é perfeita, e nem sempre buscamos uma vida tranqüila e inerte, pois na verdade a labuta de nosso dia-a-dia as vezes pode até sem cansativa e exaustiva, porém com amor, com fé e perseverança conseguiremos ir em frente e conquistar uma vida e dias melhores...

     E você deseja viver em um mundo tão perfeito e não saber a essência que é viver?
Pense nisso!

Renato D Oliveira
Enviado por Renato D Oliveira em 25/04/2009
Reeditado em 29/09/2010
Código do texto: T1559273
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