JOÃOZINHO DOS NOVE DEDOS

            Joãozinho era um menino pobre, pele queimada pelo sol, olhos arregalados, cabelo espetado, magrinho (se tirasse o couro não dava um quilo de carne). Seus pais, muito pobres, moravam num pequeno sítio, no Município de Lagoa dos Ratos e sobreviviam da agricultura familiar. Tinham uma ninhada de doze filhos, sete mulheres e cinco homens. Daí a situação ser muito difícil para alimentar. Outras coisas como roupa, sapato, remédio, escola, nem se fala nisso. Mal conseguiam a farinha e o feijão. Carne em casa só quando caia Tanajura. Leite, só dois ou três dias quando a mãe paria um novo rebento. Os menores aproveitavam para mamar, mas a desnutrição da mãe não permitia a farra por muito tempo.
            Joãozinho logo aos sete ou oito anos começara a trabalhar na roça com seu pai e seus irmãos maiores. Pela sua pouca idade, brincava mais que trabalhava. Ficava o tempo todo correndo atrás dos passarinhos tentando os matar com o estilingue, ou descobrindo os ninhos para roubar os ovos. Mas no geral era um menino “honesto”, gostava de carregar os recados das irmãs para os namorados e com isso até fazia boas amizades. Era conversador e atraia outros meninos com as suas histórias. Quando não tava na roça aproveitava para jogar pião, bola de gude, futebol com bola de meia e tomar banho no rio.
            Joãozinho colecionava uma gama de grandes amigos. Eram garotos muito inteligentes, sempre ganhavam no jogo de bola de gude, na disputa entre piões, no jogo da velha, tinham facilidade para trazer coisas da feira sem levar dinheiro, tinham habilidades deslumbrantes.
            Joãozinho sempre que tinha uma folga tava correndo atrás dos amigos admiráveis: era o Dirceuzinho, o Biuzinho Cavalcanti, o Valerinho, o Pereirinha, o Valdomirinho, o Malufinho, o Dudinha, o Jenuíninho, o Paloccinho, o Okamottinho, o Jeffersinho, o Mercadantinho, o Danubinho o Gushikenzinho, e outros. Eles também gostavam muito de Joãozinho. Eram amigos adoráveis, inseparáveis até. Eram meninos peraltas, mas gente de boa qualidade. Moravam em sítios vizinhos, a maioria estudava, uns até na cidade. Mas que por curioso que possa parecer, Joãozinho exercia uma liderança muito grande sobre eles. Coisa da própria natureza.
            Numa sexta feira negra para Joãozinho, quando cortava sementes de macaxeira com seu pai, o facão atinge-lhe a mão. Seu pai o leva para o serviço médico da Prefeitura na cidade, mas Joãozinho teve o dedo decepado pelo golpe e teve que amputar. Ficou então com um dedo a menos na mão esquerda.
Joãozinho vai crescendo e junto com ele todos os seus amigos que, aliás, tinham praticamente a mesma idade. Raro o domingo que não estavam reunidos em brincadeiras e Joãozinho permanecia exercendo sempre a sua liderança.
O pai de Joãozinho, juntamente com seus irmãos adultos, faziam parte da associação dos pequenos agricultores e ele não via a hora de ficar homem para também se associar. O que não demorou.
            Já maior de idade, Joãozinho realiza o seu sonho e é aceito como membro da associação. E Joãozinho leva consigo todos os seus amigos. Com sua capacidade de articulação, logo consegue se eleger presidente e faz uma verdadeira revolução dentro da instituição. Uma administração competente e ilibada. Isso o leva a ser admirado por todos. – Um rapaz que não estudou, mas competente, comentavam.
            Dois amigos de Joãozinho, o Paloccinho e o Malufinho, estudavam na cidade e sempre estavam em contato com filhos de políticos cujas conversas sempre versavam sobre eleições, corrupção, caixa dois, mensalões e outros assuntos inerentes e apetitosos.
            Numa reunião da associação, Malufinho, tesoureiro, pede a palavra e num discurso eloqüente diz aos associados que a agremiação estava crescendo e carecia de um representante na Câmara de Vereadores para defender os interesses dos agricultores junto à Prefeitura. E, ao mesmo tempo, fez ver a todos que a pessoa ideal para tal missão seria Joãozinho, pois o mesmo exercia grande liderança sobre os agricultores e teria facilidade para se eleger, no que todos concordaram. Diante de tal situação, Joãozinho ficou até sem alternativa para dizer se gostou ou não da idéia do colega e na hora de sua fala, disse que aceitava de bom grado a missão.
            Mas Joãozinho, bem como seus amigos, não eram filiados a nenhum partido político e não tinham conhecimentos de como fazer para participar de uma convenção e ter o nome aprovado como candidato. O melhor caminho seria fundar um partido com diretrizes que viessem de encontro com as suas idéias, que era por demais revolucionárias. A essa altura, Paloccinho junto com Dirceuzinho já tinham todas as informações de como criar uma agremiação partidária. Marcaram então uma reunião para discutir o nome e em meio a muita discussão resolveram criar o PAT – Partido Amigo do Trabalho. Fizeram a convenção, se coligaram com outro partido da cidade e o nome de Joãozinho foi lançado para concorrer uma vaga de vereador.
            Dudinha foi o nome escolhido para coordenar a campanha e cuidar dos discursos de Joãozinho. Biuzinho Cavalcanti, assessor de Dudinha, achava de se deveria criar um slogan de campanha para Joãozinho, um apelido, no que Mercadantinho sugeriu que ficasse “Joãozinho dos nove dedos”, alcunha que o povo assimilaria com facilidade. Assim ficou.
            Os discursos de Joãozinho em nome do PAT eram por demais mirabolantes, falava em reforma agrária, estatização do sistema bancário, congelamento da dívida externa, distribuição de renda, aumento do nível de emprego; parecia campanha de governador.
            Chega então o dia do pleito municipal e Joãozinho se elege com grande votação. Seu mandato é exercido com grande discernimento. Uma brilhante atuação no legislativo municipal. E isso credencia Joãozinho dos Nove Dedos a pensar em vôos mais altos dentro da política.
            Os amigos de Joãozinho iniciam uma campanha de convencimento para que ele seja candidato a presidência da nação. Ele, por sua vez, já empolgado pelo êxito do mandato de vereador, resolve então disputar as eleições gerais como candidato majoritário.
            Inicia então, junto com seus diletos amigos, uma grande caminhada de norte a sul do país no sentido de conseguir apoio de outros partidos e verbas suficientes para cobrir os gastos. Seu discurso é o mesmo: acabar com a fome, criar dez milhões de empregos, acabar com as filas do INSS e SUS, apoiar e fortalecer a empresa nacional, e fazer um governo socialista. Mas por traz do discurso de Joãozinho os seus amigos se encarregavam das negociatas com alguns canais de televisão, construtoras e grandes empresas, inclusive estatais. Elas teriam direito a benesses no governo se ajudassem na campanha. É aí que se destaca Pereirinha, Danubinho e Valerinho como negociadores. Dudinha volta à cena como maqueteiro e Jenuíninho como coordenador.
O tempo corre rápido e num pleito por demais disputado Joãozinho dos Nove Dedos é eleito com uma votação expressiva. O povo descontente e desiludido com outros políticos lhe deu todo crédito de confiança.
            Chega o dia da posse. No seu discurso, Joãozinho repete todas as ilusões da campanha diante de uma platéia eufórica e confiante. Mas esse povo não sabia da diferença que existe entre o discurso e a prática. Não sabia da decepção que tava por vir.
            Iniciando seu governo, Joãozinho dos Nove Dedos empossa seus amigos nos principais Ministérios e passa os demais para os partidos aliados durante a campanha. Trata de imediato em aumentar o número de funcionários do seu luxuoso palácio, passando de 1.100 para 3.300 funcionários. Aumenta a quantidade de assessores diretos de 27 para 55, cria milhares de cargos comissionados nos ministérios para atender pedidos de políticos de seu partido e cria ministérios completamente desnecessários como o da pesca, por exemplo. Para manutenção dos palácios e da Granja Torta, coloca no orçamento nada mais, nada menos que R$ 151,2 milhões. Sendo R$ 140,8 milhões para administração dos palácios. Autorizou também gastos no valor de R$ 3,8 milhões para a remuneração de militares que fazem a sua segurança e de sua família, havendo equipes espalhadas por todo País.
            Como se não bastasse, Joãozinho dos Nove Dedos manda distribuir cartões de crédito com seus assessores, familiares e amigos, cujas despesas correram por conta da Nação e chegaram a cifra de R$ 6 milhões. De imediato as despesas do palácio sobem astronomicamente e atinge R$ 372,8 milhões (aumento em torno de 150%) e ficam 25% acima da média internacional. Continuando a demanda de gastos desnecessários, João dos Nove Dedos compra um luxuoso avião para seu deleite, dos amigos e dos familiares, que passam a viver no espaço, observando de longe o desastre da administração. Observando de longe o caos que se instalou na educação, cujos gastos por aluno no Ensino Fundamental é inferior a Philipinas e Tunísia, igualando-se a Bolívia e outros países sem expressão no contexto mundial.        Observando de longe o desastre que é a saúde com os indigentes morrendo da fila do SUS; o desastre e a vergonha que é o INSS, cujos segurados dormem na rua como cachorros em busca de um atendimento; o terrível estado das rodovias, com casos inclusive de intervenção pela Justiça; o desemprego que aumenta diuturnamente, fazendo crescer o latrocínio, a prostituição, o consumo de drogas, enfim: aumentando desenfreadamente a violência. Observando de longe a queda do crescimento econômico e a falência da empresa nacional, principalmente a pequena que gera os empregos para o trabalhador.
           Como forma de compensar o povo desempregado e já desiludido com sua administração, Joãozinho incentiva as medidas paliativas e que servem apenas para aumentar os bolsões de pobreza, como Bolsa Família e outros, uma verdadeira esmola que só serve para envergonhar o brasileiro que anseia por um emprego para ter uma vida digna.
            Com o descaso de Joãozinho dos Nove Dedos, começam a aparecer escândalos por toda parte e o País mergulha na maior onda de corrupção já vista na sua história. Primeiro vem o Mensalão – mesada paga pelo PAT a parlamentares e partidos em troca de apoio ao Governo Joãozinho, ou seja, compra e venda de consciências, envolvendo caciques de diversos partidos e que segundo o amigo Jeffersinho Joãozinho dos Nove Dedos tinha conhecimento. Logo depois estoura escândalos no Correios com cobrança de propinas para fraudar licitações e no IRB - Instituto de Resseguros do Brasil, onde foi descoberta uma rede para pagamento de mesada (propina) para um partido aliado. O desmando é tão grande que com facilidade se encontra pessoas ligadas ao Governo com malas, cueca e até soutiens abarrotados de dinheiro, cuja origem não sabem explicar.
           Surge então o Valerioduto esquema de coleta ilegal de dinheiro público para financiamento de futuras campanhas eleitorais do PAT, partido de Joãozinho. Segue-se com outros escândalos: Investimento bilionário numa micro empresa do filho do presidente feito por empresa de telefonia; remessa de dinheiro, oriundo do caixa 2 do partido, para um paraíso fiscal no exterior feita pelo amigo Dudinha; .Waldomiro Diniz (ex-assessor da Casa Civil), cobra propina do empresário de jogos Carlinhos Cachoeira e daí por diante se seguem dezenas de outros escândalos catalogados pela imprensa. E, quando essa lhe questiona, ele sempre diz que de nada sabe.
É esse o retrato do malfadado Governo de Joãozinho dos Nove Dedos, que já estar por terminar. Um paradoxo entre o discurso e a prática. O povo completamente abandonado; as taxas públicas aumentando de forma abusiva; os velhos sendo obrigados a enfrentarem longas filas para se recadastrarem no INSS; a esmola sendo institucionalizada; a política fiscal levando à insolvência as empresas e a sociedade; a classe média completamente dizimada e uma política econômica mais concentradora de renda que na época da ditadura, haja vista os exorbitantes lucros dos bancos brasileiros, como Itaú, Bradesco e outros. E Joãozinho dos Nove Dedos, que nada sabe, a cada dia sabendo menos.

                                                   Lima
limavitoria
Enviado por limavitoria em 15/05/2006
Reeditado em 22/08/2007
Código do texto: T156291