AS MEIAS... E Outras Histórias.

 
          Escolhera a roupa, os acessórios, ao final, sorriu satisfeita. Essa alegria interior tinha seus motivos: daqui a pouco viveria um pouco dos sonhos alimentados nos últimos dias. Optou, primeiro, por calçar umas sandálias. Depois, pensou um pouco, e colocou-as de volta no armário. Melhor colocar sapatos, refletiu. Em seguida, abriu o guarda-roupa mais uma vez. Ao abrir a gaveta das meias, percebeu que elas continuavam lá. Eram suas cúmplices.

          Escolheu um par, as mais delicadas, e segurou-as entre as mãos. Aquele contato a fez fechar os olhos. Lembrou-se de cada detalhe da última vez em que usou aquelas meias. De como ele – a razão dela as ter colocado – elogiara a cor quase invisível delas e, por relação, suas pernas. E como fora delicado ao tirá-las. Tinha sido uma noite inesquecível. Uma a uma, suas meias contavam suas histórias. Ou, sua história, feita de capítulos, contadas em encontros e desencontros.

          Algumas delas estavam desfiadas. Culpa da pressa. Quantas vezes voltara com elas – as meias – guardadas na bolsa! No entanto, não gostava de jogá-las fora. Não serviam mais para uso, claro, mas guardavam um registro, um pedaço de sua vida. Era assim, boba, sentimentalista. Tocá-las, era como tocar a pele daquele que, nos últimos anos, fazia sua pele arrepiar-se, seu coração bater mais forte, seu corpo arder de prazer, sua espinha dorsal sentir aquele friozinho característico de quem encontra o grande amor de sua vida. 

          O tempo chamou-a de volta a realidade. Remexeu a gaveta mais uma vez. Queria algo novo. Uma meia sem história. Adorava estrear suas meias quando ia sair com ele. Gostava de sentir o toque de suas mãos sobre a seda suave de sua segunda pele. 

          Encontrou o que procurava. Vestiu-a cuidadosamente. Antecipou o prazer que a esperava e começou a sentir aquele arrepio de novo. Apressou-se. Pegou a bolsa e saiu. Ia de táxi. Não estava em condições de dirigir. 

          Os últimos dias não tinham sido fáceis. Envolvidos em mil tarefas, não tinham tido tempo um para o outro. Hoje, no entanto, resolveram largar tudo, e entregarem-se a esta paixão que crescia a cada encontro. 
Não queria correr o risco de atrasar-se.  Por isso, chegou pontualmente ao local do encontro. Ele já estava lá. Característica dele. Abraçaram-se. 

          De volta, ela colocou as meias na gaveta; e sorriu. A história desta meia é, até o momento, a mais especial. Roçou os lábios na seda suave e pareceu sentir os lábios dele deslizando por seu corpo. Como é bom viver! Pensou ela. Arrumou suas meias e agradeceu ao universo aquele dia que saíra para comprar meias para seus sobrinhos. Nunca esqueceria aquele homem que esbarrou nela na entrada da loja. Benditas meias!
 
 
                                          




Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 29/04/2009
Reeditado em 21/11/2009
Código do texto: T1566178
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