A menina - 1 - Primeiro Encontro

A imagem de Lesfar nunca me deixou, seus olhos, seu rosto macilento, seus dedos compridos e pálidos sempre ocuparam parte da minha mente, mas ultimamente eu tinha outra coisa com que me preocupar.

A primeira vez que a vi foi em meio a uma confusão de pessoas, mesmo assim, sua pequena figura me chamou a atenção. Era uma menina de aparentemente cinco ou seis anos, de cabelos castanhos muito lisos, pele branca e delicada. Seu vestido azul marinho, seus sapatinhos pretos e as meias brancas estão fortemente marcados em minha memória, ainda hoje tenho a impressão de que acabei de vê-los.

Eu caminhava apressada me desviando das pessoas nas ruas, já tinha perdido o hábito de reparar nelas, pra mim eram todas iguais em sua correria. Mas me assustei quando vi a garotinha de pé, despreocupada, olhando diretamente pra mim, como se me esperasse. Parei de súbito, olhando-a, e achei que era realmente muito bonita, mais ainda quando me sorriu. Nem sei se retribuí o sorriso, de tão espantada e absorta que estava. Só aí percebi que seus olhos eram os mesmos (exatamente os mesmos) de Lesfar, de um azul frio, altivo, mas não com aquele ódio que eu conhecia. Eram calmos e brincalhões. Vacilei, era Lesfar me perseguindo! Nunca me deixaria em paz! Fechei os olhos, aquilo era demais! Já não bastavam os sonhos? Ele nunca estaria satisfeito? Não se sentia vingado?

Quando novamente abri os olhos, ela havia sumido. Continuei meu caminho, com a menina nos pensamentos, me roubando os últimos vestígios de paz que Lesfar havia deixado. Não conseguia pensar em mais nada. Ela me apareceu mais uma vez depois disso.

Eu estava voltando pra casa, passando pelas ruas conhecidas, a essa hora, desertas e silenciosas. Ouvi alguns passos, como numa corrida de pés leves, infantis. Virei-me para os lados a para trás, mas não consegui encontrar a origem do som. Quando novamente me voltei, a vi parada, a menos de dois metros de mim. Faltou-me o ar, e as pernas oscilaram. Ela parecia se divertir com a situação, sorria feliz, e trazia uma bela tulipa vermelha nas mãos. Estendeu o braço e me ofereceu a flor.

- Pra você! - disse ainda sorrindo.

Eu, chocada, não me movi.

- Você não quer? - seu sorriso desapareceu, e uma expressão de indignação nebulou seu rostinho, ela recolheu o braço pra junto do corpo.

Sem pensar eu estiquei a mão, mas antes que eu pudesse alcançá-la ela desapareceu. Fiquei parada por alguns momentos, até recuperar a calma e conseguir voltar pra casa. E quando o fiz, estava trêmula e suando frio. Entrei e tranquei a porta rapidamente. Fui cambaleando até meu quarto, e alcancei o interruptor. O quarto iluminou-se e eu vi, em cima da minha cama, uma linda tulipa vermelha.

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Leia a segunda parte, Sob o Luar:

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