A menina - 2 - Sob o luar
Leia a primeira parte, O encontro:
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Aquela era uma noite fria, tinha certeza de que muitos não agüentariam circular pelas ruas sem qualquer proteção, mas isso não me incomodava, era como se eu não sentisse o incomodo causado pelo vendo, somente era agradável. Naquela mesma noite estava sentado em um dos bancos do parque central de minha mais nova cidade. Olhava a lua, encantava-me com seu brilho refletido na água, era de uma grandeza incomparável, realmente muito belo.
O inverno surgira há algum tempo, não havia muitas pessoas ali, não tinham coragem de deixar o conforto de seus lares para poderem admirar a beleza da noite. E isso me agradava, eu gostava de estar só, não haveria de me preocupar com olhares curiosos a meu respeito, somente por não ser como a todos que estão acostumados a conviver.
Mas ali estava, só, naquele belo parque olhando o luar. Pensava em tudo o que já havia feito anteriormente, em todos os arrependimentos que agora haviam de tomar meu coração. Olhando para a lua eu pensava, olhando para ela quase chorava, olhando para ela "escutei uma bela voz infantil":
- Oi - Era uma menina, muito jovem, bela, com toda a inocência de sua idade. - Como vai? - Balançava as perninhas no banco, estava sentada ao meu lado, parecia despreocupada de qualquer coisa, não mostrava medo por qualquer mal que a noite poderia esconder, somente queria conversar.
- Olá - Respondi a ela e fui retribuído com um belo sorrisinho - Eu vou bem minha bela criança, mas você não deveria estar aqui há esta hora - Eu estava sendo sincero, a noite não é a melhor escolha para uma criança como ela brincar.
Ela então não me disse mais palavra alguma, somente sorria e balançava as perninhas no ar, como se quisesse dizer-me algo, mas não o tinha coragem. Novamente voltei a expressar-me:
- Cadê seus pais? - Eu não via a presença de qualquer adulto por perto - Eles devem estar preocupados! Diga-me quem são e onde mora que lhe levarei lá - Mas ainda sim não obtive qualquer resposta, ela parecia feliz, não me dava esclarecimentos algum, era uma incógnita como todas as crianças.
Haveria a necessidade de fazer qualquer coisa, com certeza existiam pais a sua procura, pessoas que deveriam estar preocupadas com seu desaparecimento.
Levantei-me do banco, contemplei uma última vez o reflexo produzido pela lua na límpida água do lado e me virei para a garotinha. Estendi minha mão para ajudá-la a levantar-se, mas essa exitou. Parou com o balanço das perninhas, olhou para mim por alguns instantes e então aceitou minha oferta e assim a ajudei a descer.
- Você está frio - Somente comentou, mas não soltou de minha mão.
- Estou frio porque o tempo está frio - respondi sorrindo - mas você me parece bem quentinha - e ela sorriu de volta.
Começamos a caminhar, queria levá-la a algum posto policial para que eles a encaminhassem a seus pais, que com certeza há esta hora estava para ter algum ataque. A menina seguia alegre ao meu lado, pulava como se estivesse indo a algum espetáculo de circo. Seus passinhos seguiam rápidos e seu corpinho hora pendia para frente e outra para traz, enquanto segurava forte minha mão. O certo é que não estava com pressa alguma de voltar para casa.
Mas sem qualquer aviso parou, estacou-se num local como se estivesse criado raízes. Não entendi bem o que acontecia, o porque da súbita falta de movimentação. A menina estava vidrada, olhava para frente sem sequer piscar os olhinhos. Eu não sabia o porque daquilo, não havia nada lá, somente um pequeno jardim e o lago. Mas ela realmente estava fascinada com algo, suas mãozinhas na altura do coração e em forma de concha e seus olhinhos quase que lagrimando não escondiam isso.
Ajoelhei-me diante dela, mas não tapando sua visão, e perguntei o que acontecia. Primeiramente não houve respostas, a menina ofegava, com certeza queria responder, mas não o conseguia, somente após alguns segundos é que os sons saíram por seus lábios:
- É linda, ela adorará - Nesse momento não entendia mais nada mesmo.
- Mas me responda o que está vendo? - a menina correu, como jamais imaginaria que poderia fazê-lo, estava realmente determinada, com certeza haveria algo de importante.
Correu até o pequeno jardim e ali parou. Esticou então um de seus bracinhos por cima da cerca que circulava o jardim e tentava, desesperadamente, alcançar algo. Cheguei mais perto, estava curioso com a situação.
- Pega para mim, por favor - Pediu logo que me aproximei. Apontava para uma bela tulipa, de cor vermelha. - Pega, pega - Realmente queria aquela flor.
- Mas não podemos, é do parque - Tentei convencê-la de não fazê-lo.
- Pega, pega, pega, pega - As crianças realmente sabem vencer pelo cansaço.
Retirei cuidadosamente a tulipa de seu ramo e a entreguei a bela criança. A menina, sempre com um lindo sorriso nos lábios, segurou a flor fascinada, como se nunca houvesse visto uma como aquela.
Segurava a tulipa e a rodava, enquanto se deleitava com seu belo vermelho. Por algum tempo também observei maravilhado todas aquelas belas pétalas.
- Olhe - Ergueu a flor em minha direção - Não é linda?
- Sim, muito - respondi-a.
- Tenho certeza de que ela irá adorar - Continuou - Vou entregar na próxima ver que a ver.
A menina parecia desejar agradar a alguém, talvez a própria mãe. Nunca soube o que uma criança poderia nos ensinar, mas com certeza estava descobrindo.
- Ela deve ser muito linda para merecer uma flor como esta - Disse ajoelhando-me novamente na frente da garotinha - É sua mãe?
- Não - Nesse momento decidi-me parar de fazer perguntas, pois nunca obteria respostas completas.
Quando peguei novamente sua mãozinha para continuarmos a caminhada a criança se manifestou.
- Mas é linda sim, a adoro.
E continuamos a andar, mas não demos muitos passos, pois ela parou novamente, sem qualquer aviso.
- Tenho que ir - Disse ela olhando para a flor - Tenho que vê-la.
- Então me diga para onde, que te levarei.
- Não, você não sabe... - a garotinha realmente era uma incógnita - Tenho que ir agora.
Fiquei esperando o que mais ela poderia querer ou fazer.
- Está vendo a lua? - Apontou-a com o dedinho - Ela não é linda?
- Sim é - respondi.
- Tenho certeza que a Luna também acha - Minhas lembranças vagaram longe neste momento, ela a conhecia, não era possível...
Virei-me para perguntar mais sobre, queria saber de tudo, mas não existia mais garotinha alguma, não existia mais aquele coração infantil, simplesmente desapareceu, tomou o inexplicável como seu caminho para casa.
- "Me alegro por ser uma criança" - Pensei.
Dei meu último adeus e continuei minha jornada solitária.
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Leia a terceira parte, Solidão:
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