O presidente que gostava de viajar

Ele vê diante de si a multidão eufórica gritando seu nome, seu sonho estava realizado. Desde a mais tenra infância acalentava este sonho, e eis que agora ele é realizado através do voto, batera fragorosamente seus adversários nas urnas. Sentia o quanto o povo o amava. Precisava descer, vencer a segurança presidencial e entrar no meio da multidão. Os anos ruins haviam passado, já não se lembrava de sua infância que fora miserável.

“Alipte Lulla da Silva, legitimo representante do povo” _ Pensava.

Pensava também em comprar um avião, pois sempre gostara de viajar. Alipte, enfim, conquistara o seu espaço. Precisava de um avião, e o compraria assim que colocasse os pés no palácio do planalto, ser presidente seria moleza; ajudaria o povo, e isso seria o principal.

Mas chegando ao planalto, ele observou o quanto estava enganado, pois nem tudo era como pensava. Para começar, o seu partido, queria ver todos os seus projetos, para uma primeira aprovação. Depois vinham os acordos políticos, as promessas de campanha. E o avião ficava cada vez mais distante.

Mas aí ele pensou: pra que melhorar a saúde, a educação e o salário mínimo? Esse povo está mais preocupado com carnaval e futebol, do que com o resto. Vou comprar meu avião, e o resto verei depois.

E foi o que fez. Comprou um lindo avião, dos mais modernos, com todas as mordomias que lhe eram possíveis... E passou a fazer turismo. Alipte pensava:

_O Brasil pode muito bem ser governado por meus assessores. Quero conhecer o mundo! Vou viajar!

Ai começaram as andanças do Presidente pelo mundo afora. Claro que ia junto uma enorme comitiva, como também alguns caronas. Enquanto ele viajava os seus assessores aproveitavam para usar de todo tipo de falcatruas, pois se tornara fácil à prática da corrupção, fazer remessas de dólares para o exterior e utilizar caixa dois para burlar a legislação eleitoral.

Ocorre que Mauvício Banquinho, funcionário de carreira dos Forreios, fora flagrado recebendo propina, com tudo devidamente filmado, este fato acabou por repercutir em todo território nacional, com a voraz oposição, querendo a todo custo implantar um Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar os fatos e assim por tabela atingir o presidente Alipte.

Depois de muitas manobras, governo e base aliada tentarem a todo custo evitarem a implantação da CPI, foram obrigados pela manifestação pública a aceitarem as investigações.

Alipte andava preocupado com os rumos que a CPI poderia tomar, podendo vir a prejudicar seu projeto de reeleição. Márcia, sua esposa, bem que o avisara para que ele não confiasse demasiadamente em seus companheiros de partido.

Com as investigações em curso, ele andava contrariado, Márcia, sempre lhe dizia, quando o via nesta situação:

_ Ah, querido, não adianta reclamar das elites, o negócio é cair no samba! Aqui nesse reino é assim mesmo, termina tudo em samba ou pizza.

Alipte olhou a mulher um pouco desconfiado:

_ Márcia, vê lá... Essa história ta um pouco esquisita. Você ta ou não ta do meu lado?

_ É claro, meu barbudinho, eu te amo. Eu sei que você não é culpado. Você é o meu Ali Babá, que chegou à caverna e gritou: "Abre-te! Abre-te, Sésamo!" A caverna se abriu e você, simplesmente, encontrou um tesouro. Se o roubaram, a culpa não é sua.

_ Não é mesmo! Eu sou um cara honesto! Só comprei um avião, viajei...

_ Nem me fale... Ah, meu bem, que saudade das viagens que a gente fazia. Vamos continuar viajando, conhecendo o mundo com o dinheiro dos impostos do povo do reino, e fingir que nada está acontecendo. Façamos as malas...

A conversa transcorria nestes termos, quando entrou pela sala o ministro da Casa Civil, correndo, suado e aflito:

_ O safado do Cafajesson nos traiu no congresso, e agora?

De repente começaram a ouvir uma cantoria. Era o povo que, lá fora, fazia um coro de vozes, o mesmo coro que um dia se ouviu no Reino de Ali, quando um outro presidente meteu os pés pelas mãos: o coro do "Bota Fora":

Ê ê ê ê ê...

Bota pra ferver!

Bota fora essa quadrilha

E a estrela do PT

Seu Alipte

Viu o roubo e não fez nada

Ta na hora de sambar

E cantar samba-lelê

Samba, samba, lulla lelê

Samba, samba, lulla lalá

Não adianta mais chorar

Não adianta dizer

Que tem boa intenção

Você sujou o cuecão, ê ê ê

Ê ê ê ê ê...

Bota pra ferver!

Bota fora essa quadrilha

E a estrela do PT

Alipte arrancou o terno Armani, desesperado. Sentia-se tão pequeno, tão fraco, tão desiludido. Havia sonhado tão alto e, de repente, vê o seu sonho desmoronar-se à sua frente. Alipte estava chorando de verdade. O reino inteiro o desacreditava, a ele, que era um bom sujeito. Sim, fez muito mal ao reino por ter se deslumbrado tanto e feito vista grossa às roubalheiras da quadrilha, mas no fundo era uma boa pessoa. Márcia tenta consolá-lo, e recebe as palavras que temia ouvir:

_ É, mulher, nesse reino pobre não tem vez. Mesmo que chegue um dia a morar num palácio, sempre será cobrado impiedosamente. Se cometer algum erro no palácio, nada lhe será perdoado. Ter sido pobre um dia será um agravante, não tem jeito, pobre tem é que morrer. Ouço no noticiário sensacionalista: “Esse infeliz saiu lá do sertão, chegou a presidente e ainda suja o cuecão?”

Um repórter, que entrara sem ser notado, anotou tudo o que ouviu em seu bloco de anotações, e chegando perto dele lhe estendeu a mão dizendo:

_ Aperto a mão do menino sonhador, de pés descalços, que veio pisar na lama desse reino e, infelizmente, acabou sujo também. E um rodo vai passando, com o lodo levando os sonhos...

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