Na cor dos teus olhos

Queixou-se de muita dor, então a enfermeira aplicou outra medicação. Sua cabeça não parava de pensar. Hoje em sua vida, havia tempo para pensar e repensar seu comportamento e suas atitudes, durante quase toda a sua vida – isso pode acontecer com qualquer pessoa.

Camilo sempre fora um homem de muitas atividades, era um corre-corre danado, muitas viagens, muitas situações para resolver no dia a dia. Por conta da falta de tempo, pouca atenção dava as pessoas de sua convivência.

Seu mundo padronizado não dispunha de tempo para uma conversa pessoal calma, com olho no olho, demonstração de emoção, exposição de opiniões e contradições, entre outras coisas, (que no geral dão tempero à vida).

Sempre com as mesmas desculpas: tenho mil e uma coisas, estou envolvido em algo que vai me proporcionar uma vida melhor no futuro. Assim, ele não se preocupava em ter espaço para conversas mais humanizadas, nem para o comprometimento com os seres humanos do seu cotidiano.

... Mas que futuro melhor?

Se na vida não temos certeza, nem garantias de nada!

Bem, os dias de Camilo agora eram de solidão e sem nenhuma previsão de recuperação.

Por mais que os médicos tratassem seu caso, eles simplesmente não conseguiam entender por que o seu sangue estava se tornando cada vez mais impuro, provocando grande mal em todo o seu organismo, físico, e agora também emocional, devido ao estado de solidão que ele vivia.

Por conta dessa doença, ainda sem solução, ele:

Sentiu na pele, como era ouvir “não tenho tempo para você agora”, ou “agora não posso lhe dar atenção por conta de...”. Daquelas pessoas que ele havia muitas vezes dispensado por falta de horário em sua agenda apertadíssima:

Agora Camilo tinha tempo de sobra, mas não conseguia reaver o contato com as pessoas que ele muitas vezes se recusou receber em sua vida movimentada.

Enfim, com a doença, ele acabou conhecendo outras pessoas, que ajudou muito no processo de perceber o seu modo ser. Fez enxergar que suas escolhas não foram tão boas assim.

Sentiu o quanto lhe custara não ter tido tempo para olhar nos olhos, abraçar e ouvir as pessoas queridas. Estar com elas por inteiro. Dar-lhes atenção, ter envolvimento (coisas primordiais da vida humana).

Ele percebeu com a dor, que mais importante do que ter status é compartilhar o que temos e somos em essência, com as pessoas ao redor.

Independente de suas origens, condições intelectuais e financeiras. Isso é o que realmente importa, ele se conscientizou.

O tratamento no hospital lhe proporcionou conviver de perto com sua própria dor, e com a dor de outras pessoas, neste momento desconhecidas. Essa era sua realidade (real).

Hoje, a cor dos seus olhos, que são como uma paisagem do céu e o mar, se esforçam para não ver somente cinza, os dias longos que ele passa hospitalizado.

Sozinho, e sem ter com quem conversar. Sem atenção do mundo real, que ele não teve tempo, nem interesse em desenvolver e preservar. Seus olhos agora sem brilho, esperaram pelo o que está por vir:

- Aquele homem imponente, exagerado de segurança, viu o seu mundo desmoronar. Agora Camilo tinha a própria experiência para certificar de que: “A vida é mesmo coisa muito frágil”.

Cássia Nascimento
Enviado por Cássia Nascimento em 19/06/2009
Reeditado em 19/06/2009
Código do texto: T1657013