Em um oásis

A burca branca envolve todo o seu corpo, deixando descobertos apenas os olhos castanhos. Ela usava aquela roupa mais para se proteger dos raios solares, que dominavam soberanos o céu azul, do que respeito aos costumes.

As únicas companhias eram seu camelo e a areia que se estendia por todo o horizonte. Havia também lembranças, mas essas não eram queridas. Estava justamente fugindo do passado.

Vez ou outra, naquela viagem aparentemente eterna pelo deserto, encontrava espíritos viajando junto com o vento. Sempre a cumprimentavam cordialmente, com um sorriso nos lábios. Alguns, por perversa diversão, tentavam destruí-la. Usando palavras doces, diziam que era melhor desistir de caminhar por aí - “se o deserto nunca acaba, por que continuar caminhando?” - eles diziam. Outros, de boa índole, quando a viam mais abatida, lembravam que ela não tinha certeza sobre a eternidade daquela areia.

Montada no seu camelo, vê lá longe algo parecido com um lago e algumas árvores. Sua primeira reação é esfregar os olhos com força, para se certificar que não era mais uma ilusão. Fechou os olhos e abriu novamente: o pequeno lago e as árvores ainda estavam lá. Eram reais.

O camelo não esperou a ordem e correu até o pequeno paraíso. Os dois foram loucos atrás de um pouco de água. Ela arrancou o mais rápido que pode a burca e se jogou no lago. O camelo foi mais comedido, só renovou seu estoque de água.

- Fiu fiu!

O assovio indiscreto deixou em alerta a jovem, coberta apenas pela água. Procurou com os olhos por alguém e encontrou um rapaz que parecia ter a sua idade, em cima de uma árvore.

- Faz tempo que não temos visitantes por aqui.

- Dá pra jogar minha burca até aqui?

O rapaz faz um movimento com os dedos e uma leve brisa levanta a burca do chão e a leva até sua dona.

- Desculpe a indiscrição.

- Vá à merda. Outro espírito maluco para me atormentar!

- Viva! É isso mesmo. Me chamo Ruach.

- Ana.

Um lagarto passa entre eles. Sem perder tempo, Ana saca uma adaga e atinge o animal.

- Pra que isso? Não vai me dizer que você vai...

- Tá vendo alguma vaca por aí?

- Blargh.

- Você é um espírito...não precisa comer.

- Sorte minha.

- Também acho.

A conversa entre os dois durou horas. Enquanto Ana preparava sua comida, o espírito do vento a atormentava com um milhão de perguntas sem sentido. Só à noite, conversaram algo realmente importante:

- Ana do deserto.

- É assim que vocês me chamam.

- Nós? Fala com muitos outros espíritos?

- Infelizmente, o tempo todo. Está viajando também? Como os outros, montado no vento?

- Eu? Não. Há alguns séculos que acabei nesse oásis e nunca tive muita coragem de sair por aí.

- Um espírito bundão, então?

Ele a fuzila com os olhos e depois faz uma careta divertida?

- O que eu vou encontrar pela frente? Será bom? Vou sofrer? Vou sorrir? Vou encontrar alguém? Vou ficar sozinho para sempre? Quando encontrei esse oásis, pensei comigo mesmo: É uma boa toca. Posso me esconder aqui.

- Se esconder do quê?

- Sei lá. O mundo é muito grande. Deve estar cheio de perigos.

Ana deita na areia, ao lado de Ruach, e observa as estrelas.

- Eu conheço um pouco deles. Agora parece que um escritor maluco me colocou em um deserto infinito.

- Eu te admiro por ter coragem de procurar alguma coisa por esse deserto.

- Não procuro nada, só estou perdida. Em um momento, estou andando, mas não faria diferença se ficasse parada. Talvez eu devesse ficar aqui também.

- Amanhã não vai ter mais oásis. É uma maldição desse deserto desgraçado. Assim que alguém usá-lo, desaparece.

- Você não está aqui há décadas?

- Espíritos não contam.

Como previsto pelo espírito, no outro dia, o pequeno paraíso não estava mais lá. Se quisesse viver, a humana teria que seguir viagem. Eram as regras do deserto.

- Já viu algo além desse deserto? Ele tem fim?

- Não faço idéia.

Os olhos castanhos observaram novamente o horizonte. Parecia maior dessa vez. Ela olhou para trás e só havia areia.

- E você? Vai ficar aí?

- Acho que sim.

- Não quer vir comigo? Viajar sozinha não tem graça.

Ruach sopra uma brisa leve, que o leva vagarosamente para frente, mas ela não dura muito e em poucos segundos está sentado no chão. Se abraçava e tremia de medo. Ela lhe ofereceu a mão.

- Vamos.

Ele abre um sorriso largo e agarra a mão dela. Um vento forte sopra e o levanta do chão.

- Ainda tem um pouco de carne de largato, não quer?

- Ainda bem que não escreveram um estômago para mim.