La Traviata

Eu tinha medo de contrair Tuberculose pulmonar, doença que dizimava a população pobre, sem grande assistência sanitária; na década de 40, tuberculose ainda era sinônimo de morte, não havia cura, embora houvesse casos de pessoas, que sobreviveram até à chegada da estreptomicina. Foi o caso do Manoel Bandeira, que inclusive, escreveu um poema falando de "tosse e hemoptise". A forma galopante era de evolução rápida! Lembro-me de antiga empregada doméstica de nome Olga, cujas três filhas numa semana estavam saracoteando, e na outra estavam em velório. Freud entra na história, porque minha mãe não se cansava de contar, com riqueza de detalhes, a morte de Christina, filha de uma Baronesa, gente de Petrópolis, de quem ela fora enfermeira e testemunha de memoráveis hemoptises. Lembro-me muito bem, de D. Gloria, irmã de D. Laura e D. Arlete, essas últimas esposas simultâneas do Coronel Bertoldo. D. Glória tinha tuberculose de último grau; tinha filhos e marido, que segundo diziam, era um santo e se chamava Rui. Também, lembro muito bem dele; tinha um jeito dos resignados e conformados, pelo estigma da doença na família; tinha cabelos bem penteados, bigode fino e bem arrumado, e me dava sempre a certeza de ser um fiel marido infiel. Muitas vezes, D. Gloria me pedia que lhe comprasse cerveja Malzbier que, entre inúmeras outras propriedades como fazer aumentar o leite de peito e curar doenças gástro-intestinais, era uma beleza para tuberculose. Tipo de tratamento ideal - cure-se pela cerveja! A cena se repetia sempre, eu com meus 13 anos, comprando-lhe a milagrosa cerveja e ela agradecida pegando a caneca esmaltada da mesa de cabeceira, querendo que eu tomasse um gole de qualquer maneira. Ainda bem, que eu não bebia com mulher alheia! Tive dias de muito susto, mas D. Gloria finalmente parou de tomar cerveja, morreu! Fui crescendo com um medo pânico da doença e, já adolescente, vi a Célia filha de D. Joaninha, ficar tuberculosa; segundo corria à boca pequena, por amor contrariado. A história vale a pena ser contada; Lucio, filho de um dentista chamado Bernard Lucky Strike, nome que sempre achei imponente e importante, o que até me inibia de lhe dirigir qualquer cumprimento! Era importante a ponto de não poder ser cumprimentado pelas pessoas comuns! Achava que o filho era figura de muita classe, e pretendia casá-lo com a filha de alto funcionário da Caixa Econômica. A moça escolhida era a Lia, moça feia...Aliás, muito feia! Abandonada pelo pretendente, as famílias procuraram uma explicação, tendo-a encontrado - a filha de Dona Joaninha, uma lavadeira! Lavadeira boa pra valer e sem defeitos. Que tragédia! O pai proibiu os encontros dos namorados, falando-se inclusive, que houve ameaças de armas. (!) De fato, Lucio se afastou e Célia iniciou uma doença misteriosa, chamada de “problemas de vesícula”, doença que a levou ao túmulo. O namorado quando soube da doença, voltou aos braços da amada em desobediência ao pai; verdadeira tentativa de suicídio. Viveram um arrebatado idílio, mas morreu logo depois dela, no momento em que aparecia a estreptomicina. Ficou comprovado que amor contrariado causava tuberculose, foi o caso da florista Mimi na história de Puccini e da Violeta Valèry na história de Verdi. Addio del passato!