GAIVOTAS
 
     A busca constante por algo que ainda não havia sido inteiramente compreendido parecia mesmo não haver fim. Pelo menos era o que a pequenina gaivota branca, que acabara de pousar ao meu lado na praia calma de coqueiros e mar azulado estava a pensar. Olhar irrequieto e ao mesmo tempo sereno fixava-se nas ondas que se desmanchavam na fina areia amarela. Eu a observava em seu silêncio, entretanto, era como se eu pudesse ouvir sua alma de pássaro viajante dos sete mares. Aquela gaivota era a própria vida ali diante de mim e do imenso mar a embalar meus sonhos de menino, que agora ganhava personificação naquele pequeno ser voador. Foi aí que esta estória teve início.

     As gaivotas sempre buscam novos mares, novos horizontes, em seus vôos de sonhos personificados em cada onda que se forma a estender seus braços na terra firme sob nossos pés. A cada novo voo uma nova esperança a renascer. A magnificência da vida está no fato de podermos escolher entre viver e sonhar, e para que um sonho torne-se realidade é preciso mais que querer, é necessário lutar por ele, e isto implica renuncia ao comodismo, rompimento com o real, com as dúvidas avassaladoras, que nada mais são do que insegurança e imaturidade. A esperança é uma semente que bem cultivada oferece frutos com sabor de felicidade.

     Minha pequena gaivota, serena, parecia falar-me de coisas que até então eu não compreendia. Seu olhar puro e meigo transmitia-me uma paz envolvente, transparente, a penetrar em meu ser de forma suave. Tudo parecia tão maravilhoso, um estado de bem estar tomou conta de mim como num passe de mágica. Uma suave melodia invadia meus ouvidos de forma abstraidamente mística. Meu pequenino pássaro se pôs a falar mansamente sobre uma realidade que até então eu desconhecera completamente. Ela me falou de coisas simples, de encantos e de seus sonhos, lindamente retratados em suas andanças pelos imensos e deslumbrantes mares.

     Perguntei-lhe se ela era feliz como ela era. Sua resposta foi surpreendente:
- O sol que desponta no horizonte ilumina um caminho azul de água e céu. As nuvens surgem como figuras imaginárias a se formarem diante de meus olhos que brilham a contemplar a infinita Criação Divina. Quando olho o mar não é o mar que vejo, mas, uma bela e magnífica visão de um novo mundo bem abaixo de minhas asas cintilantes, esvoaçando ao vento que me indica a direção de uma nova felicidade, e isto está exatamente dentro de mim. Cabe a eu segui-la ou esquecê-la. Alçar voo sempre necessita de um objetivo a se alcançar, mesmo que seja simplesmente para sentir o vento a sorrir para mim. A vida é uma dádiva do Criador; o sonho também o é.
Aquelas palavras me deixaram perplexo. Aquela criatura era formidável em sua sabedoria infinita. E continuou num tom harmonioso a falar-me da vida:
- Quando estou assentada aqui a contemplar esta maravilha azul, tenho uma visão da vida que me espera logo ali em frente, caminho aberto para minha liberdade. Nos momentos de dúvidas e incertezas, procuro ouvir a voz de meu coração, e é aí onde adquiro confiança e firmeza para minhas andanças. O barulho das ondas é como um suspiro a murmurar uma canção de paz vibrante. A imobilidade é a morte da alma inquieta. Por isso minha jornada é um eterno recomeçar.
Eu estava diante de uma criatura maravilhosa, sempre pronta a aprender com sua existência, não havendo extensão que a afastasse ou a mantesse distante de seus objetivos. Sua capacidade de reflexão era uma fortaleza de encanto e esplendor. Seu voo imponente deixa transparecer uma tranquilidade cintilante. Por um instante fiquei tentado a fazer-lhe uma pergunta que há muito tempo me incomoda. Hesitei, mas, finalmente percebi que se não a fizesse, eu poderia estar perdendo o precioso tempo de minha vida no ofício do aprender. Olhei em seus pequenos olhos brilhantes e perguntei:
- Como posso alcançar a felicidade amiga gaivota?
Tranquilamente, ela movimentou sua cabaça num gesto positivo e falou carinhosamente como quem fala com um filho que aflito anseia pelo socorro e a segurança maternal:
- Meu caro amigo; o caminho que leva a felicidade é construído pelas obras que você edifica. Não se trata de alcançá-la nem tão pouco de procurá-la, mas, de criar condições de ser feliz. Este sentimento traduz a necessidade da própria existência, é a solidez da causa primária de se viver. Não existe um só caminho nem tão pouco atalhos nessa viagem. Mais importante que qualquer coisa que desejemos, é estarmos bem conosco mesmo. Isto significa que a felicidade pode estar sendo edificada num simples sorriso que inocentemente realizamos.

     Extasiado diante daquela resposta, o tempo parecia congelado, e estático como ele não percebi que na realidade ele avançava célere diante de mim. Maravilhado com a sapiência de aquele pequenino ser, reconheci minha pequenez autopiedosa. Minha grandeza estava na contemplação ininterrupta daquelas sábias palavras. De repente, sem avisar, ela alçou vôo em direção ao imenso e infinito mar, seu destino e lugar de vida a ser vivida. Desapareceu ao longe; meus olhos já não conseguiam segui-la, ela estava soberba, num voo rumo à liberdade, carregando consigo toda a sua alma, todo o seu ser iluminado, deixando para mim uma saudade inexplicável de quem nasceu para chorar baixinho nas despedidas arrebatadoras.


     Sem que me desse conta do que aquele momento representaria para o resto de minha vida terrena, hoje percebo que aquela linda gaivota na verdade era o anjo que me guarda e veio lembrar-me de que minha vida é uma dádiva dos céus, concebida em nome do Amor Divino para que eu retome minha pequenina luz e encontre o caminho que eu escolhi trilhar. A verdade é o que está dentro de meu coração.

 

 

 

 


 

 

 

 

 

Ricardo Mascarenhas
Enviado por Ricardo Mascarenhas em 30/09/2009
Reeditado em 15/11/2021
Código do texto: T1839709
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