A sereia

Tiago e Lucas haviam acabado de chegar à praia, depois de passar o dia mergulhando em alto mar, catalogando espécies marinhas para um trabalho da faculdade de biologia que ambos cursavam.

-Vou levar o equipamento lá pro depósito. Arruma o barco aí. - Falou Lucas, enquanto colocava os equipamentos numa mochila para levá-los embora.

-Ta legal.

Tiago ficou no barco e começou a fazer a limpeza, separar as anotações e colocá-las numa pasta.

Àquela altura do dia o sol já estava baixando do outro lado das montanhas e seus raios dourados iluminavam a praia. O rapaz perdeu alguns instantes perdido no contemplar da água.

Voltou para as anotações e ouviu um som estranho, como um arranhar, que não era das gaivotas.

Passeou os olhos pela praia, tentando encontrar o que pudesse ter feito aquele som, mas não havia nada.

"Devo é ta ficando maluco", pensou, sorrindo para si mesmo, e voltou para as anotações.

O barulho outra vez! Mas dessa vez, não foi um arranhar indefinido. Começou com aquele arranhar e passou para um som mais compreensível aos tímpanos de Tiago. Era um violino que o produzia e começou a despejar uma canção lenta e chorosa, que parecia combinar perfeitamente com aquele momento do dia.

O rapaz colocou as anotações na mochila e ficou ouvindo. Logo uma voz veio juntar-se ao violino, triste, distante, como se sussurrasse.

Tiago sentiu um arrepio na espinha. Quem estava cantando aquela música?

Ele levantou-se e passeou os olhos pela praia. A primeira vista, não havia ninguém, mas quando olhou com mais atenção viu que na curva de um morro próximo, numa baía rochosa, uma mulher estava parada, segurando o instrumento.

Ela tinha cabelos azuis! E longos. Pareciam algas marinhas sendo sacudidas ao vento.

Calçou os tênis e foi até lá.

Foram alguns minutos de caminhada, e cada metro que se aproximava a canção ficava mais alta e convidativa, como um chamado.

A mulher de cabelos azuis não parecia tê-lo notado, até que ele estava muito próximo.

Se os cabelos dela já eram estranhos, os olhos eram ainda mais esquisitos. Tinham fendas como as pupilas de gatos e íris de um azul tão claro que quase poderiam ser confundidos com a porção branca.

Ele ficou fitando aqueles olhos estranhos por algum tempo, enquanto ela continuava tocando o violino.

A misteriosa mulher foi descendo as pedras com uma agilidade invejável e começou a rodopiar pela praia.

"Essa guria deve ta chapada", Tiago pensou.

Ela começou a seguir mar adentro e Tiago, sem perceber, foi atrás dela, seguindo-a como se estivesse sendo atraído por um imã.

Suas pernas iam indo e indo... A água em seus joelhos não representava um perigo. Nem na sua cintura... E nem na sua cabeça.

Quando afundou num buraco de arreia, sendo totalmente submerso na água salgada, Tiago abriu os olhos e mirou a mulher, que estava também em baixo da água. A pele dela adquirira uma coloração azul-prateada e seus olhos brilhavam como cristais do fundo do oceano iluminados pelo luar.

Agora, ele entendia a música que ela cantava. O que na superfície parecia triste e sem sentido, significava muito agora...

"Vem pra mim..."

A voz doce... Ele precisava obedecer... Fechou os olhos.

Abriu os olhos. Estava frio. A areia arranhava suas costas.

-Seu retardado, o que tu tava fazendo no mar?! Tava se afogando lá. Quer se matar? - A voz áspera de Lucas chegou aos seus ouvidos.

Tiago sentou-se na areia.

O céu já estava escuro agora.

-Eu fui nadar e cai num buraco. Não tava conseguindo me segurar. - Disse Tiago.

-Seu pirado.

Tiago sorriu amarelo. Nunca poderia contar ao amigo que encontrara uma sereia na praia. Ele jamais acreditaria. Nem ele mesmo acreditava que tivesse sido realidade. Talvez tivesse sonhado. Mas o canto ainda ficava ecoando na sua cabeça, como se o mar fizesse questão de conduzi-lo.

"Vem pra mim...".