A ÚNICA CHANCE
 
       O pequeno povoado vivia dias de profunda pobreza. Eram dias difíceis e as disputas dos senhores por poder e terra trazia conseqüências desastrosas aos menos favorecidos. Não havia emprego e as pessoas sobreviviam do que plantavam e colhiam. Vez por outra alguém conseguia caçar uma lebre ou outro pequeno animal na floresta e assim garantia o alimento para saciar a fome momentaneamente. As famílias eram quase sempre grandes, sendo formadas de pais e filhos em números consideráveis. Alimentar tanta gente era uma façanha difícil para os pais. Não raro se ouvia casos de crianças doadas por pais que por não terem condições de alimentá-los, preferiam perder os filhos a vê-los sofrendo com fome. De forma mais extrema ainda, crianças era literalmente abandonadas ao destino por familiares, e sem família para conduzir-lhes o desenvolvimento, acabavam juntando-se a outras crianças em igual situação, passando a se comportar de maneira hostil e formando grupos de jovens delinqüentes que tirava o sossego dos comerciantes e das pessoas, praticando pequenos furtos e outras séries de delitos.
 
        Abandonado pelos pais que se desfizeram dele e dos outros dois irmãos mais novos por não poder sustentá-los, Pietro convivia com um grupo de crianças de rua pedindo e furtando para conseguir a refeição. Dos dois irmãos menores nunca mais tivera notícias e a sua família era o grupo com quem dividia o abrigo atrás do estábulo onde pernoitavam e se abrigavam do frio. O que conseguiam durante o dia, como esmolas ou resultado de furtos nas barracas, era dividido entre todos e a fome era saciada de maneira a amenizar o sofrimento daquelas crianças. Assim Pietro tocava a sua vida à medida que crescia sem perspectivas.
 
        Certa manhã, flagrado ao praticar um pequeno furto na feira, Pietro iniciou uma corrida por entre as barracas, pois sabia que se fosse pego, seria entregue as autoridades e sofreria castigos horríveis pelo ato praticado. Com quatorze anos, apesar de franzino e pouco desenvolvido pela desnutrição e má qualidade de vida, sabia que seria maltratado pelos soldados da guarda do povoado. Assim, tudo fazia para não ser apanhado. Logrando êxito na fuga, resolveu se refugiar na floresta pelo resto do dia, só retornando ao escurecer, quando se dirigiu ao estábulo onde se abrigava com os demais. Lá chegando, após certificar-se que não estava sendo esperado, aliviado saio de trás das árvores e exausto entrou no refúgio, sentando-se sobre um monte de feno. Enquanto comia um pedaço de pão pensava na vida que levava e tentava vislumbrar alguma possibilidade de sobrevida futura. Enquanto divagava, não percebeu a tímida figura que se aproximou discretamente dele. Assustado, armou-se de um forcado mas tranqüilizou-se ao ver que se tratava de uma menina apenas.
       
      Ana era uma frágil criança filha de um proprietário de barraca no comércio local. Apesar de seus nove anos e seu aspecto frágil, transparecia ser uma criança de conduta ponderada em conseqüência da criação que recebia. Aproximou-se de Pietro e disse-lhe: Não se preocupe. Não vou lhe fazer mal. Só vim aqui conversar com você. Diariamente o vejo com seus amigos a praticar furtos e temo pelo que possa acontecer a todos, pois são crianças como eu. Hoje temi que fosse pego pois gosto muito de você. Vim aqui me certificar que está bem e pedir que pare de furtar. Sou filha de um dos barraqueiros e prometo que se assim o fizer, diariamente virei aqui trazer-lhe alimentos. Pietro ouviu a menina sem pronunciar uma só palavra. Perguntava-se porque alguém demonstrava algum tipo de sentimento por ele, se nem sua própria família o tratava assim. Ana tinha uma pele branca e um rosto redondo com as bochechas rosadas. Seus olhos azuis refletiam a tênue luz da candeia que iluminava o estábulo. Pietro olhava para aquela menina que vinha oferecer-lhe a possibilidade de passar a agir de maneira correta e tentava compreender o por que de tudo isso. Ana entregou-lhe uma cesta com alimentos e despediu-se dizendo que voltaria no dia seguinte. Em seguida retirou-se do estábulo e seguiu pelo caminho escuro para sua casa. Pietro reuniu-se aos demais e dividiu o alimento que Ana trouxera, e após realizar a refeição, deitou-se no seu canto tentando entender tudo e conciliar o sono.
     
      A manhã era de sol e as crianças separaram-se cada uma para um canto em busca do que comer. Pietro dirigiu-se ao centro das barracas, na esperança de não ser reconhecido pelos que o perseguiram na tarde anterior. Ao cruzar por uma barraca, deparou-se com Ana que manifestou alegria ao vê-lo. Rapidamente a menina o procurou e cumprimentou. Trazia um sorriso no rosto e pegou Pietro pelo braço, conduzindo-o à barraca de seu pai. Sem entender nada, Pietro deixou-se conduzir pela menina.
     - Papai! Esse é o amigo de quem lhe falei. Seu nome é Pietro.
-Mas ele é um menino vadio, resmungou o pai de Ana em tom de reprovação.
-Não quero você misturada com esse tipo de gente, disse-lhe.
-Mas papai, ele só está nessa situação por falta de opção. Precisa de uma oportunidade. Falou assim para o pai, olhando para Pietro numa troca de olhares.
-Sendo assim, darei a chance dele mudar, falou o pai de Ana com um certo olhar de desconfiança para Pietro.
-Rapaz, de agora em diante você ficará sob minhas ordens e prestará serviço de entregas, pelo qual receberá o justo pagamento, estamos entendido? Mas aí de você se cometer deslizes. Arcará com as devidas conseqüências. E de hoje em diante você passará a dormir nos fundos da minha barraca, e não mais no lugar fétido onde vivia, conforme a minha filha me contou. Dito isso, o velho afastou-se e deixou Ana contente e feliz conversando e explicando a Pietro o que haveria de fazer.
    
   Passado o tempo, Pietro comportando-se conforme as expectativas, seguia a sua vida a serviço do barraqueiro e seu relacionamento com Ana crescia mais e mais. O tempo passou e Ana agora uma linda jovem de quinze anos demonstrava a sua paixão por Pietro, que se tornou um belo rapaz de pele morena e olhos esverdeados. Mas certo dia Ana descobre que o parco salário ganho por Pietro a custa do trabalho, estava sendo utilizado no custeio de drogas e bebidas que ele consumia às escondidas quando não estava trabalhando. Decepcionada, falou para Pietro que ele estava destruindo a sua vida e a chance que ela lhe dera, dando-lhe um ultimato: ou Pietro deixava o vício ou ela nunca mais o procuraria. Pietro prometeu a Ana que mudaria. Mas não conseguindo, viu afastar-se dele a única pessoa na sua vida que por ele demonstrava afeto.
     
      Abandonado por Ana acabou por deixar o emprego e voltar à vida de furtos para custear o vício que não conseguia abandonar. Certa manhã, passando pela barraca do pai de Ana, viu uma carroça parada na frente onde o velho comerciante colocava seus pertences. Aproximou-se e perguntou o que aquilo significava. O velho então respondeu: vendi a barraca e estamos mudando de cidade. Desolado, Pietro procurou por Ana sem no entanto encontrá-la. Mais tarde, observando de longe, viu quando Ana e os pais embarcaram na carroça e puseram-se em movimento. Pietro acercou-se da carroça e viu Ana a chorar, e seus lindos olhos azuis parecendo dois lagos transbordando. Trocaram olhares de adeus enquanto a carroça distanciava-se. Pietro não se conformava com aquilo e sentia uma amargura profunda. Perdia a pessoa por quem nutria um sentimento que não sabia qual, mas pelo qual sentia profunda tristeza agora.
 
         Os dias foram passando e Pietro entregou-se de vez ao vicio. Sempre embriagado e escravizado pelas drogas, seu corpo definhava a cada dia, pela falta de alimentos e nutrientes. Ao final de dois meses, finalmente o corpo de Pietro foi encontrado por companheiros de infortúnio num beco escuro, esquálido e maltrapilho. Chegava assim o fim da vida daquele menino abandonado pela sorte.
 
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Valdir Barreto Ramos
Enviado por Valdir Barreto Ramos em 18/10/2009
Reeditado em 19/10/2009
Código do texto: T1873772
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