Casamento no subúrbio

Os casamentos nos subúrbios valiam uma novela; eram acompanhados desde o noivado, em que se "estourava" uma garrafa de champagne nacional, melhor dizer, champanha. Havia todo um ritual, desde o pedido da mão da noiva, que geralmente era feito pelo pai do pretendente, se ainda estivesse sóbrio; durante a fase do jantar, levantava-se e pedia a palavra para falar das excelências do candidato, como não podia deixar de ser, falando somente das qualidades, nunca sobre os defeitos, mesmo se esses fossem muitos - não gostar de trabalho, fins de semanas com libações alcoólicas, freqüência em "shows" de alta sacanagem, mau hábito de dar brilho nas unhas, comer pratos de trabalhadores braçais, gostar de churrascos etc. Terminada a festa, ou seja, iniciado o noivado, os noivos passavam a sair sem acompanhamentos, tais como, irmãos menores, tias velhas, colegas de responsabilidades; os noivos podiam aceitar convites para festas de aniversários, casamentos, servirem de padrinhos dos mesmos, fazer pequenas viagens, como por exemplo, do subúrbio até Copacabana, desde que não voltassem depois das 20 h, e tantas outras vantagens.

No dia do noivado era marcada a data do casamento; sendo assim, toda vizinhança esperava com ansiedade o sonhado dia, em que poderiam melhorar as emoções digestivas e encher a cara gratuitamente. Na véspera do casório, havia a visitação a casa, ou se fosse o caso de permanecer com os pais, o quarto da noiva, onde um belo edredom, tendo no centro uma boneca fazendo às vezes de Maria Antonieta, enfeitava a cama, com travesseiros acetinados e bordados, o mesmo acontecendo com as toalhas de banheiro com as iniciais dos noivos entrelaçadas significando amantes para sempre!

Terminadas as formalidades de casamento civil pela manhã, os noivos retornavam à casa da noiva, onde era servido um lauto almoço às pessoas de mais intimidade das famílias. No fim da tarde, havia o casamento na igreja, onde as noivas faziam questão absoluta de véu e grinalda, demonstrando sua pureza, muitas vezes, perdida nas vésperas e antevésperas. À noite, seguia-se a festança com muita comida e bebida, onde não faltavam o leitão e o chope de serpentina. No casamento de Irene, amiga de minha tia, eu fui encarregado de levar a almofada para o casamento na igreja, onde os noivos se ajoelhavam para as bênçãos; Vilma sobrinha da noiva ficou encarregada das alianças; no fim da cerimônia, a célebre fotografia com pais, padrinhos e sobressalentes, onde eu me incluía com Vilma, ambos com sete anos. Nesse casamento, cheguei a contar 12 barris de chope e me lembro de minha tia dançando, com vestido negro esvoaçante, com a energia de seus 27 anos. No casamento de Yone, no Méier, cheguei com meus convidados as 11 h da noite, quando os noivos já iam saindo para a viagem de lua de mel; geralmente iam para os lugares da moda, como algum hotel de Copacabana, ou para São Paulo ou Belo Horizonte; jamais para o exterior. Como adiantei, cheguei as 11 h com meus amigos, pois, no subúrbio convidar um era convidar os amigos chegados; às vezes, avisávamos - vou levar uns amigos; outras nem precisava falar; cumprimentamos os noivos já entrando no carro, os pais, vertendo lágrimas de despedida e nós começando a comer e beber, esquentando a festa até as 4 h da manhã. Nos dias seguintes viriam os comentários sobre os acertos e erros das cerimônias e a qualidade do bufê; geralmente todos gostavam, pois, chegavam a economizar apetite próximo ao casamento, como Paulo Rónai contava num conto húngaro constante de sua antologia, em que um dos convidados comeu tanto, que morreu entalado com um recheado de repolho.