O Menino Que Pensou Ser Dono Da Lua

O Menino Que Pensou Ser Dono da Lua

Era uma vez um menino que pensou ser dono da lua.

Desde bebezinho, no colo dos pais, olhava para o céu e repetia:

___ Ua, ua!

___ É a lua, filhinho!... Ela é tua, eles diziam.

Ao completar oito anos de idade, decidiu apossar-se do que era seu. Não

queria a meia lua. Desejava a plena que surgia por trás da montanha azul. Seria

fácil pegá-la, julgava ele. Era só subir até o pico no instante exato. Seria como

alcançar a lata de biscoito sobre o armário. Se bem que numa escada ou numa

cadeira era mais simples de montar. Mas teria que driblar a vigilância dos pais e

da velha babá. Apenas em determinado anoitecer é que ela surgia esplendorosa.

E quando todos dormiam, de madrugada, ele partiu...

A noite era quente. Receoso, embrenhou-se no mato para concretizar

tamanha aventura. Ele previa chegar ao destino na noite seguinte. Vira no

calendário de parede da cozinha quando seria lua cheia... Teria o dia todo para

caminhar. Um sapo pulou à sua frente, coaxou e sumiu. Um rato do mato olhou-o

assustado. A bicharada noturna estava ativa. Os latidos dos cachorros, as casas,

as luzes, foram ficando para trás. Depois de horas de andança sentiu sono. Sob

uma árvore, apreensivo, resolveu descansar. Cochilou, dormiu... Quando acordou

havia amanhecido. Olhou para a montanha e ela ainda estava longe. Reparou ao

seu lado uma flor que desabrochara. Disse para a flor:

___ És nova aqui?

___ Novíssima! Desabrochei há poucas horas com o sol. E tu,

desabrochaste quando?

___ Não sou uma flor! Sou um menino e já tenho onze anos...

___Ah, quem me dera viver tanto! Hoje mesmo estarei murcha...

___ Então não verás a lua cheia?

___ Quem é a lua cheia?

___ Uma bola grande, prateada, iluminada pelo sol! Ela me pertence e

vou buscá-la...

___ Então és um menino importante: proprietário! Boa sorte, menino!

___ Quem sabe não murches e te reencontre na volta...

___ Será difícil... A luz do dia não permitirá, é meu destino... Mas, não

falemos do fim senão perdemos o começo, aconselhou a flor com ar de sabedoria.

Os dois ficaram em longo silêncio, considerando-se.

___Acho que deves partir, disse a flor. Logo o sol ficará a pino... Preciso

Ficar a sós... Não quero que me vejas fenecer... Antes, retira uma pétala minha e

leva contigo como lembrança...

O garoto obedeceu e pôs-se a caminho. Deu uma última olhada para a

flor. Uma abelha pousou sobre ela a zumbir. A flor riu como se sentisse cócegas,

agitando-se toda. Nosso herói, depois de andar muito, encontrou uma cachoeira.

Perto, havia árvores frutíferas. O calor aumentava e sua fome também. Resolveu

refrescar-se, tomando um bom banho. Ele ia despir-se quando ouviu uma voz:

___ Se eu fosse tu não faria isso...

___ Quem tá falando?

___ Sou eu...

___ Eu quem? Onde estás?

___ Aqui, no alto do galho desta macieira...

___ Ah, um pássaro preto! O que disseste mesmo?

___ Para que não fizesses isso... A água está muito fria... Estás

transpirando demais... Molha os pés, os pulsos, a nuca, o rosto, antes...

___ Tens razão... Eu estou andando faz horas e meu corpo está muito quente...

___ Come uma fruta... Elas são deliciosamente enjoadas...

___ És engraçado! As maçãs devem estar saborosas...

___ Alimento-me delas ao sentir fome... Não agüento mais esse aroma,

me impedem de dormir tranqüilo... Outros pássaros vêm comer aqui... Sabes voar?

___ Quem me dera! Preciso chegar ao topo da montanha ao surgir da lua...

___ O que vais fazer lá?

___ Pegar a lua que me pertence...

___ Roubá-la, queres dizer...

___ Não, ninguém rouba o que é seu!

___ Tens certeza?

___ Do quê?

___ Que a lua te pertence!

___ Ela me foi dada desde garotinho pelos meus pais...

___ Há um mago rabugento que mora no topo e se diz ser o dono também...

___ Impossível! Sou o único dono...

___ Acho que terão de dividi-la ao meio...

___ Não, não gosto da meia lua!

___ Então terás que negociar com o velho...

___ Quem sabe ele seja bonzinho como meu avô...

___ É, quem sabe...

___ Preciso ir pois o resto da subida será árdua... Por que não vens comigo?

___ Claro, não estou fazendo nada!

___ E podes me ajudar a convencer o velho a entregar-me a lua cheia...

___ Que idéia a tua de pegar a lua cheia!...

O pássaro preto pousou sobre o ombro do menino e ambos partiram.

Continuaram conversando. Argumentou o pássaro:

___ A lua cheia... Sabias que ela é muito grande?

___ Caberá em cima de qualquer móvel lá de casa...

___ Nem tudo o que vemos é como parece...

___ Como assim?

___ Uma estrela no céu parece pequena. Parece caber na palma de tua

mão ou no meu bico... Porém, de perto, nós é que somos minúsculos...

O menino ficou cismado. Retornar para casa sem a lua cheia seria

decepcionante. Um bando de pássaros passou voando e o amiguinho em seu

ombro apressou-se em dizer:

___ Vou nessa, companheiro! A lua não me interessa. Os barulhentos

são meus chapas. Vou com eles zoar por aí... Arranca uma pena minha e guarda

como lembrança. Boa sorte, camarada!

O garoto arrancou uma pena e ele se foi. Agora tinha uma pétala e uma

pena... A noite chegava. Avistou o casebre do velho. Havia fumaça na chaminé. A

princípio não contaria a ele a causa de sua visita: levar a lua cheia. Aproximou-se.

Ia bater à porta quando ouviu uma voz:

___ Entra! Eu estava te esperando...

Dentro da casa viu tudo limpo e em ordem. A simplicidade de fora

contrastava com o conforto do interior. A mesa estava posta para o lanche. Um

senhor de barbas brancas, vestido de túnica de cor cinza, observava-o. O menino

ficou perdido no meio da ampla sala. O ancião disse:

___ Por que não vais lavar as mãos? O chá está morno, o pão

quentinho! E a lua não tarda a surgir...

O menino sorriu. Não pensou que seria tudo tão natural. O senhorio

mostrava-se afável. Por momento ficou calado à mesa. O velho perguntou,

quebrando o silêncio:

___ Por que queres levar a lua contigo?

___ Desde criancinha meus pais dizem que ela é minha!

___ Como vais levá-la para casa? É muito grande!

___ Parece menor do que eu...

___ Esqueceste do que o pássaro preto disse: “nem tudo o que vemos é

como parece...” E tem mais: nem tudo o que nos dizem quando somos

pequeninos é verdade...

___ O senhor quer dizer que meus pais mentiram?

___ Hum, digamos que apenas tentaram te agradar naquele instante...

Outros pais fazem o mesmo. E até hoje dão e contam às crianças uma porção de

ilusão... Por mais que não sejas egoísta, se a levares, privarás muitos de

apreciarem a beleza que é o surgimento da lua cheia.

___ É, o senhor tem razão... Mas, pelo menos posso tocá-la?

___ Claro, claro! Fecha os olhos e repete: quarto minguante, quarto

crescente quero tocar a lua cheia neste instante...

E o guri repetiu. Na companhia do mágico sentiu-se ser a própria lua.

Nunca havia estado tão alto. Na imensidão tudo parecia de brinquedo. A própria

Terra era uma esfera fascinantemente azul. Foi um passeio e tanto entre estrelas,

nuvens, asteróides... Mas, chegou a hora de voltar para casa. Pois crianças não

devem existir sozinhas, longe dos pais. Um raio de lua formou o maior tobogã do

mundo. Terminava na janela do quarto do menino. Era só escorregar. O velho

falou:

___ Não tenhas medo! Será muito divertido. Fecha os olhos e desliza.

Antes, arranca um fio de minha barba e o leva contigo como lembrança...

O jovem assim o fez e partiu. Um vento forte soprou e levou a pétala,

a pena e o fio de barba, espalhando-os pelo espaço. Ele entristeceu. Porém, logo

sorriu. Tudo estava registrado em sua memória...

Pablo Ribeiro

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