O CORPO QUE SE FEZ ÁGUA

Tentou atravessar a rua, mas caiu...

Os músculos não correspondiam. Nenhum movimento. Os pensamentos contra o muro sem cor. O corpo doído do trabalho muito.

Cansado.

O corpo maltratado do trabalho tanto.

Surrado.

O corpo só na calçada.

Parado.

Trabalhava e não via. Trabalhava e não sentia. Trabalhava e não amava. A mulher só. O cão só. O filho só. Era todo trabalho e papéis e sala. Escritório todo dia. O dia não parava.

O dia.

O corpo não queria mais o trabalho. Recusava-se terminantemente. Nada de horas e de cronômetros e de ordens e de palavras ásperas. Nada.

Subitamente a chuva. A água que lava e leva tudo e todos.

A chuva veio como um alento, um socorro até. A chuva veio como um conforto último. Não conseguia erguer-se. Estava caído. Olhando para o céu. A água tomava todo o seu corpo. Os cabelos, a camisa, a calça, molhados. A boca que recebia mais e mais líquido do céu...

Corpo encharcado.

Dissolveu-se então e o que era humano tornou-se água.

Mais água para a chuva.

CAMPISTA CABRAL
Enviado por CAMPISTA CABRAL em 27/12/2009
Código do texto: T1997604
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