A Insurreição de Lúcifer

Essa é a primeira parte do prólogo de um dos meus livros, chamado Príncipe da Destruição.

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Insurreição - parte I

Era a primeira vez que o Céu agitava-se. A noção de Inferno começava a ser criada nas mentes dos anjos. A guerra que se alastrava pela cidade criada por Demiurgo não seria registrada em livros, anotada em diários, mas marcada nas almas. As batalhas de violência crescente anunciavam que o conceito de morte e destruição vigorava aonde deveria haver paz e beleza. O exército de anjos rebeldes avançava em seus planos de conquistas, atravessando as defesas fiéis a Demiurgo. Castelos eram tomados por celestiais que portavam espadas banhadas de sangue vindo do fratricídio. Os filhos do Criador se matavam na luta incansável.

Miguel, Príncipe da Guerra, observava a aproximação das forças rebeldes vestindo uma armadura dourada que cobria o coração corajoso. Levantava uma espada larga que refletia os oponentes que seriam suas vítimas. O elmo deixava espaço apenas para os olhos e a boca, cobrindo o restante da cabeça e aumentando a austeridade facial que as grossas sobrancelhas já criavam. Estava em cima da muralha que protegia o castelo de Solarium, sede do conselho que liderava a Cidade de Prata. Era a última defesa antes que a batalha se tornasse desesperada, para não dizer perdida. As forças inimigas chegavam mais perto. As falanges que desafiavam a defesa de Miguel eram lideradas por Moloch. O Príncipe da Guerra lamentava ao ver o irmão caminhar pelas ruas brilhantes agora cobertas de corpos, passar pelas catedrais arruinadas. A túnica branca de Moloch, que cobria a armadura, estava vermelha, tingida pelo sangue daqueles que assassinara.

- Preparar arcos – ordenou Miguel, o que fez um anjo a seu lado tocar uma trombeta. Pontas de flechas apareceram nas frestas das muralhas. – Levantar lanças e escudos. – Mais um toque da trombeta. Ouviu-se o movimento conjunto de milhares de mãos e o tilintar de metal. As armas foram erguidas pelos guerreiros atrás das muralhas. Eram quase estátuas, guerreiros treinados por Miguel para moverem-se apenas quando o general assim desejasse. Ali ficaram, prontos para a luta assim que os inimigos sobrevoassem as muralhas. Assim era na guerra dos anjos, a morte vinha tanto da terra quanto do céu.

Os olhos de Miguel miraram as forças de Moloch. Os anjos rebeldes movimentavam-se, colocando seus arqueiros na frente e preparando os grandes escudos que os defenderiam quando começassem a voar sobre as muralhas. Antes que pudessem terminar seus planos, a trombeta dos guerreiros fiéis soou e as setas deixaram os arcos. O som dos projéteis voando foi acompanhado pelos gritos dos renegados atingidos. Mais cadáveres macularam a beleza do céu, mas a batalha continuou, com combatentes insensíveis à destruição. Apenas seguiam ordens para que a fé que construíam se tornasse a vigente, a que seria chamada de verdadeira e de correta nos milênios que transcorreriam.

Os arqueiros de Moloch conseguiram preparar seus ataques. As flechas deixaram os arcos, seguidas pelos anjos que portavam os escudos gigantes. Pelo menos cinco guerreiros se protegiam através daquelas defesas. Eles seguiam as setas, não se importando quando a maioria delas se perdeu nas muralhas ou quebrou-se nos escudos das tropas de Miguel. Começaram a forçar a passagem sobre a muralha, mas outro sinal soou entre exército de Demiurgo. Os primeiros anjos de lança voaram para interceptar esses inimigos. Tentando evitar a massa que queria detê-los, os guerreiros de Moloch voaram mais alto, agora ficando sobre as tropas que esperavam atrás das últimas defesas fiéis. Os rebeldes acabaram alcançados e uma tempestade de espadas, lanças, escudos e sangue formou-se no céu, impedindo a visão das nuvens. Miguel deu ordens para que mais flechas fossem atiradas, pois as outras falanges de Moloch preparavam-se para alçar vôo. A morte acompanhava os disparos dos arqueiros fiéis. Ao lado de Moloch, soldados eram incapacitados e eliminados, atravessados por setas que atingiam pontos mortais. O guerreiro renegado não se importava. Pelo contrário, um sorriso crescia no rosto coberto por sangue, aparecendo entre as manchas vermelhas que lhe cobriam a face.

Miguel notou a risada no rosto do irmão insurreto. Olhou para o lado para dar ordem para mais um toque de trombeta, mas uma flecha atravessou a garganta do soldado. O pobre coitado caiu da muralha sem saber se segurava a seta ou a trombeta. O Príncipe da Guerra não se importou. Ele mesmo sacou seu instrumento musical e deu o toque para a luta, mas já era tarde demais. Caíra na armadilha. Olhou para cima para ver o círculo que se formava nos céus. Os guerreiros fiéis haviam vencido as forças de Moloch apenas para ver que aqueles grandes escudos não passavam de distração para que as falanges rebeldes se organizassem no céu. Miguel balançou a cabeça, quase se irritando com a própria falha. Deu ordens para os arqueiros deixarem as muralhas e para os lanceiros começarem a subida. As asas dos soldados bateram enquanto os pés deixavam o chão e os escudos eram colocados sobre as cabeças.

As forças de Moloch pressionaram ainda mais, porém Miguel não estava vencido. Seus arqueiros recuavam ainda atirando, esperando que algum rebelde passasse pela muralha. Alguns lanceiros formavam uma parede de retenção que atrasava o salto das falanges rebeldes, dando tempo para que os inimigos fossem alvejados pelas setas. Os lanceiros continuavam subindo para encontrar o círculo de rebeldes que crescia logo abaixo das nuvens. Miguel abriu as asas para liderar o ataque dos lanceiros, pois sabia quem estava lá em cima. Sua certeza se concretizou quando a borda do círculo começar a descer. Um cone formava-se lentamente, preparando-se para envolver os guerreiros fiéis. Miguel fez a tropa voar mais rápido. Tinha pouco tempo. Bateu as asas com força e deu ordem para que suas falanges tentassem formar uma esfera de defesa, mas o cone as envolveu antes do esperado. Outra armadilha que foi fácil de notar quando a chuva de flechas desceu sobre eles. Não havia meio de fugir, pois a única área que os rebeldes deixavam livre era o chão. Os anjos perceberam isso quando alguns dos seus tomaram o rumo para baixo, todos esses atingidos mortalmente.

Uma flecha atravessou a asa de Miguel e as gotas de sangue espalharam-se pelo ar, banhando os rostos dos soldados e dos inimigos, já que o Príncipe da Guerra não parava de voar para a ponta do cone. O caminho se estreitava e mais inimigos apareciam pela frente. Estes logo se distanciavam mutilados, para não dizer destruídos pela espada de Miguel. Uma ou outra lâmina bateu na armadura do general, alguns cortes apareceram em seus braços, mas nada comparado ao que seus golpes criavam nos cadáveres que ele jogava para baixo. Ele continuava seu avanço, pois a ponta do cone estava próxima. Lá estava seu objetivo. Era de lá que ele emitia as ordens que tanto dano causavam ao exército fiel.

Uma espada derrubou um dos soldados que subia ao lado de Miguel. Uma flecha prendeu-se na ombreira do Príncipe da Guerra. O sangue de um inimigo espirrou na testa do general, acumulando-se na sobrancelha. Uma lança subiu, passando sobre o ombro e enfiando-se no olho de um rebelde. Quanto o corpo deste caiu, Miguel o afastou com um braço, usando o outro para decepar outro oponente. Sua subida continuou, enquanto um rastro de sangue era deixado. Agora já enxergava perfeitamente a ponta do cone. Estava ao alcance da espada. Era hora de levantar a lâmina contra Lúcifer.