MEXE-MEXE, A MINHOCA (didático)

MEXE-MEXE – a minhoca

Cada vez que abrimos um livro para ler uma narrativa, esta sempre conta o que há de mais forte e, aparentemente, fora de série, no seu herói. Fala-se da força do elefante; da ferocidade da onça pintada; do tino caçador do leão; do riso da hiena; da agilidade do esquilo ou do pavor que inspira a sucuri.

Mas eu vou contar para vocês o enredo que envolve um personagem bem simples. É tão simples que a chamam apenas Mexe-mexe, a minhoca.

Em certa parte deste Planeta maravilhoso, num jardim qualquer, havia um túnel embaixo da terra. Era um túnel escuro e com muitas curvas. Suas paredes eram lisas e escurecidas pelo tempo de uso.. Não havia luz elétrica; não havia velas; nem havia candelabros; nem nada havia. Só o túnel escuro.

Ah! desculpem-me! Havia um habitante neste túnel. Chamava-se Mexe-mexe.

Mexe-Mexe estava descasando em seu túnel/morada escuro, absorta em seus pensamentos. Não havia necessidade de luz, porque Mexe-Mexe era cega; não tinha olhos. Mas ela, apesar de ser cega de nascença, enxergava muito bem. Enxergava através dos sentidos e do tato com as coisas que a rodeavam. Enxergava tão bem como a gente vê com os olhos abertos.

Tudo estava calmo e Mexe-mexe dormitava, preguiçosamente estendida em seu leito. Trabalhara muito naquele dia. Estava exausta, e dali para uma boa soneca, era um passo.

Mas, com tudo o que é bom, dura pouco, para ela não durou muito o seu descanso. No início todo estava silencioso. Estava um silêncio tão profundo que podia ouvir as roseiras dançarem com o vento, no jardim em cima da terra. Tudo estava tranquilo; sossegado demais! E foi exatamente por causa desse sossego que a proprietária e construtora daquele túnel pode ouvir algo estranho. Um barulho esquisito invadiu a calma ria da sua morada. Era como se alguém estivesse roendo a parede; como se alguma coisa estivesse cavando um furo na parede da sua casa. A princípio Mexe-mexe pensou tratar-se de barulhos que em outras oportunidades já ouvira; passos ou batidas, vindos de cima da terra. Mas logo convenceu-se de que o barulho não vinha de cima. Podia até jurar que o que estava ouvindo vinha de debaixo da terra mesmo. Sentia até uma leve vibração que vinha das paredes do seu quarto. Isso fez com que ficasse com medo; muito medo... e raiva. Sentou-se na cama e passou a mão ao redor dela para ver se achava um cabo de vassoura para bater na parede, assim chamando a atenção daquele que ela pensava ser um intruso.

Deu um pulo para o lado porque nesse momento despencou um pedaço da parede em cima dela. Mais outro bloco de terra deslocou-se, e em seguida, outro mais. E o autor essa bagunça toda continuava a cavoucar furiosamente.

Não demorou muito tempo, e pelo buraco aberto apareceu uma cabeça. De início Mexe-mexe não reconheceu o invasor. Logo, porém, notou que lhe era familiar o cheiro. Já o sentira alguma vez, quando de seus passeios por cima da terra. Mas não lembrava bem do nome. Não gostava de nomes! Mas as coisas aconteceram tão depressa que teve que esquivar-se diversas vezes dos torrões que o intruso derrubava. Logo ele já estava em pé diante dela porque, meio caindo, despencou para o interior do seu quarto aquele bicho cheio de pernas. Agora sim ela sentiu medo. Mas apesar do medo instintivo e da arrogância da sua visitante inoportuna, manteve-se aparentemente calma. Tão calma que conseguiu perguntar, até com certa autoridade:

– Quem é você e com que direito, vinda não sei de onde, vem invadindo a minha casa?

– Sua minhoca vagabunda, sabe com quem está falando?

– Se tivesse a educação de se apresentar, eu saberia! – disse, encolhendo-se mais ainda para o canto.

– Eu sou dona Formiga Cortadeira que, ao contrário de você, que fica enfurnada e dormindo, trabalho o ano inteiro para sustentar minha família – gritou a formiga, com ares de dominação.

– Muito prazer – disse a dona da casa, demonstrando respeito. E continuou: – Meu nome é Mexe-mexe. Mantenha-se calma. Podemos entender-nos em paz.

– E eu posso lá ter calma com quem se intromete nos meus negócios?

– Mas foi a senhora que invadiu a minha casa – disse a minhoca, receosa.

– Posso saber com que direito fez o seu imundo ninho exatamente na rota onde vou construir minha grande estrada para transportar meus alimentos para armazenar? – asseverou dona Formiga Cortadeira, com desmedido orgulho e mau humor.

– Posso saber e que terras a senhora plantou tantos cereais, para que haja necessidade de construir essa grande estrada e, exatamente, por cima da minha casa? – arriscou dizer a minhoca, encolhendo-se, ainda mais, para o canto.

– Como você é ingênua, riu sarcasticamente a formiga. – Dono é quem colhe primeiro! Nós precisamos somente uma noite para deixar-mos aquelas roseiras completamente sem folhas, que irão parar nos laboratórios dos nossos celeiros – disse maldosamente.

Mexe-mexe estava com nojo. Mas, ao mesmo tempo, pensou que todos não podiam ser iguais. Havia tanta gente diferente! Estava, ao mesmo tempo, perplexa e indignada. Por que deveriam que ter ladrões, num mundo que fora feito para dar oportunidades a todos? E a formiga fazia questão de salientar suas atividades ilegais e desonestas. Ficou tão indignada que, estufando o peito, falou pausadamente:

– Dona Formiga, já parou para pensar que isso que a senhora faz é roubo? Que o roubo é crime condenado pelas leis de Deus e dos homens? Que o dono das roseiras poderá tomar medidas pouco agradáveis contra o seu bando?

Dona Formiga Cortadeira calou-se por momentos e ficou pensativa. Não entendia esse sermão tão inflamado da minhoca. Desde o tempo de seus avós – e ainda muito antes – as formigas da família das Cortadeiras podavam o que lhes vinha pela frente. Faziam-no por questão de honra e de sobrevivência, em nome do trabalho. Ela aprendera desde pequenininha que, quem quer comer, tem que trabalhar, e muito. E nos seus conceitos de trabalho não haviam ensinado a maneira de se trabalhar com honestidade. Ficou curiosa, mas tão curiosa, que perguntou para a minhoca quase com afabilidade:

– Estou intrigada com você. Qual é a sua função nisto tudo?

– Não entendi, disse ela, também curiosa.

– Não entendeu? Pois a curiosa sou eu agora. Você defende a propriedade e, no entanto, vive em propriedade alheia. Condena o roubo e fala em trabalho. Afinal de contas você, aparentemente, não trabalha. É, por acaso, algum tipo de espiã, ou é uma missionária?

– Ora, ora, – disse Mexe-mexe, desencabulando. Não sou nem uma coisa nem outra. Se aparentemente não trabalho, é porque nem todos sabem o quanto o ar é necessário às plantas e, por isso, à terra. Só quem conhece bem as funções da terra sabe o quanto lhe sou útil. Aterra tem que ser preparada para dar frutos. Como todos nós precisamos de ar, a terra também precisa. Eu gasto o meu tempo abrindo furos na terra, que não servem de estradas, e sim, de poros para canalizar o ar. Como no corpo, por eles penetra o ar que oxigena a terra e lhe dá produtividade. Minha missão embaixo da terra, minha amiga, é de suma importância para que tudo o que está em cima dela passa crescer – concluiu, exausta, o seu discurso.

Mexe-mexe queria dizer mais. Gostaria de vazar aquela ignorância milenar que via estampada nas atitudes da formiga. Gostaria de fazê-la entender que só o trabalho honesto dignifica; que nada vale o trabalho executado quando, para fazê-lo, tem que se pisar por cima dos outros. Mas calou-se temendo a reação violenta da invasora. Nem calando, porém conseguiu evitar essa tão temida reação. E essa, a reação, foi das mais violentas!

– Cai fora, minhoca vagabunda – gritou ela, enlouquecida. Consegui fazer-me perder um tempo precioso. Você me está pregando sermões só para justificar sua falta de brio para arranjar um trabalho mais lucrativo. Você é uma inútil – vociferou a formiga, espumando de raiva. – Saia da minha frente – continuou – antes que eu a parta em dois pedaços. Eu vou continuar fazendo o meu trabalho – e, dizendo isso, recomeçou a cavoucar furiosamente.

Com muita raiva de ter sido atrapalhada em seu ofício e, com isso, ter perdido um precioso tempo, continuou cavoucando nesse ritmo até desaparecer ao longe, no seu próprio túnel.

Mexe-mexe recolheu-se para o fundo da sua alcova. Vendo-se sozinha, entristecida com tudo o que acontecera e presenciara e ouvira. Na impotência de nada poder fazer para impor sua opinião e a verdade, murmurou contristada:

– Quem pratica o mal, encontrará sempre quem o castigue!!!

Afonso Martini
Enviado por Afonso Martini em 17/01/2010
Código do texto: T2034462
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