Nos Braços do Moço

Volto à minha infância para reencontrar-me com uma senhora idosa, ou melhor, uma “velha”; era assim que chamávamos naquela época. Gostávamos de ouvir suas histórias de fadas e príncipes, que no nosso entendimento de criança eram verdadeiras. Conto esta historinha que pode representar o sacrifício de hoje para a premiação amanhã.

A velha não era muita querida nas circunvizinhanças e resolveram aprontar uma com ela. Disseram que havia um príncipe que casaria com ela, mas impunha uma condição: que ela ficasse durante uma noite num poço d’água, e que no dia seguinte o príncipe iria resgatá-la para as cerimônias do casamento. Induzida por aquela ilusão, aceitou submeter-se ao sacrifício. Levaram-na então para o poço, onde ficaria com o corpo todo mergulhado, apenas com a cabeça do lado de fora. À medida que o tempo ia passando, a água ia ficando mais fria. Chegou a um ponto em que a velha já não suportava a frieza, mas não queria se entregar. Já toda trêmula dizia: “hoje no poço, amanhã nos braços do moço”, e ficou assim repetindo até o dia amanhecer, quando a sua voz já estava quase inaudível, em razão da hipotemia. Na hora prometida para o resgate ela já estava desmaiada. Levaram-na para uma pedra que mais tarde esquentaria com os raios do sol. Ao se refazer do desmaio, ainda repetia a frase: “hoje no poço, amanhã nos braços do moço”. Ao recobrar os sentidos, perguntou a um grupo de jovens que estava ao seu lado: “meu príncipe já chegou?” – Os jovens, com a maior zombaria, ainda responderam: “Chegou na hora marcada, mas como a senhora estava dormindo, ele resolveu não esperar. Não foi ele quem descumpriu o trato, foi a senhora que atrasou e não cumpriu o compromisso”.

Assim ainda ocorre nos tempos de hoje; depois de muito sacrifício, perde-se a hora de receber a premiação. O brasileiro nunca chega na hora exata do compromisso assumido. E já há uma mania de chegar com meia hora ou mais de atraso para eventos de maior importância. Resultando: se o príncipe for “britânico”, já perdeu.

Irineu Gomes
Enviado por Irineu Gomes em 08/02/2010
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