A Tempestade

Olhava da janela o mar revolto, imagem que parecia com teus pensamentos voltados para mim.

Na garganta calava as palavras que por certo me diriam de tuas saudades. O longe, assim como o vento seco de uma tarde qualquer represava-me em tua mente. Palavras soavam a transmitir o cenário que vivia em minha memória.

O vento forte lá fora parece um lamento e quase posso escutar este momento, embalado de uma nuvem branca, como o pó que soprava de teu caos.

O tempo calou o grito e abafou a sede implacável de ti dentro de mim.

Parece que foi ontem, tanto tempo já passou e tu não passaste. É assim que sempre voltas nestas lembranças, palco de vivências narradas, nos momentos em que deitávamos as margens de bosques de hortelãs ouvindo Mahler.

Novamente aquela aragem estranha começa a soprar em meus ouvidos e a trazer lentamente teus movimentos em torno de mim. Que fazer destas lembranças que ainda me possuem tão despudoradamente?

Lembro teu olhar buscando no entardecer a calmaria de minhas palavras de instantes há pouco vividos.

Fecho os olhos e ouço as vozes alarmadas, todos falaram de perigos que tempestades como estas trazem lentamente na vida de alguém, é preciso fugir antes que a areia soterre todas as nossas defesas.

A luz mais uma vez acabou, escreve-me agora, a palavra no papel como no princípio, a tinta risca lentamente tuas sensações, este teu valioso momento retido em minha memória até hoje e agora transformada em tempestade na poeira do tempo.

Como naquele instante as condições precárias não importavam muito, havia em ti a apatia de quem busca e o cansaço de quem muito espera.

A areia invadia lentamente os cômodos, assim como me invadem agora os escombros de ti.

E fico a questionar, que fizeste destes momentos? O que sucumbiu nas areias do tempo ou do deserto?

Na brancura do papel estão tuas palavras, ao fundo ecos suaves na voz de Nina Simone a lembrar do que se ia naquele momento na penumbra de teu íntimo.

Teus desencantos sobre as tantas coisas a teu redor já desprovidas do mistério, era a mim que procuravas, um dia concluímos que era esta a causa do crescente desalento.

E por mais que existissem palavras a serem ditas, os meios tornavam-se escassos, no ar captei todos estes desencantos, instantes onde nos sentimos demasiadamente vulneráveis às precárias condições do tempo.

A despeito do caos que te seguia, havia os enigmas de forças que nos unia, eu seguia como náufraga atrelada ao mastro do teu navio, esperando o suave momento em que mergulharia naquelas águas revoltas, da mesma forma sentia que mergulhavas teu rosto em meus cabelos em tuas vastas narrativas que me saciavam em tua ausência.

Enquanto isso te distraia a passar o tempo e de momento em momento perdias-te dos rumos que levariam a teu norte, mas era sempre para mim que voltavas para descansar.

Um dia acordaste, e de espera em espera transformaras-te no estranho na imagem refletida do espelho. Fazendo apenas o que os outros fazem, com intenção despretensiosa e simples de cumprir o metabolismo dos dias.

Lembro-me que nestes instantes voltavas-te para o que há de pobreza nesta contemplação, morrias um pouco e vagamente já me sonhavas numa praia qualquer a aquecer teu corpo.

Aos meus ouvidos sopravas belas canções.

Foi assim que nesta noite resgatei-te, e mais uma vez refugio-me em ti, nunca vou esquecer que lá fora o barulho era intenso, mas dentro de ti ainda persistia o desejo de naquela noite fazermos amor.

Também não esqueci tuas histórias fantásticas e mais ainda difíceis esquecer quando passei a figurar nelas.

O temporal agora se foi, agora dentro de mim sopra ainda o vento frio da saudade que ficou em nome de todas as tuas palavras e de todos os nossos sonhos, acima de tudo isso ainda estou a ver que somos NÓS a melhor versão do paraíso.