A Mulher e o Sonho, uma lenda

Ela amou em perfeição tal, como o reflexo de uma imagem no espelho, sem distorção.

Duvidou em meio à espera com a mesma suavidade que o trigo oscila ao vento.

Ardeu no corpo um desejo brasa que aquece a pele quando esta enregela no frio.

O horizonte complacente acenava, e a incerteza tornava-se breve como o movimento imperceptível das asas de um beija flor.

A ansiedade era intensa e cadenciada ao ritmo dos rumores do coração.

Era uma aventura desmedida com jeito e tom de faz de conta, era uma vez que se falava ingenuamente com um amor inocente, álibi para a fantasia.

A mulher descobriu-se amada e desnudou-se das dores outrora vividas, e da mesma maneira que uma lagarta incontida num casulo, torna-se borboleta.

Faceira varava o tempo num vai e vem de contentamento alvissareiro, num ondear brejeiro, vestida de ondas rendadas em espuma a esparramarem-se sinuosas na areia.

O sonho transformava-se de inspiração em poesia envolto na melodia encantada, somente ouvida ao longe pelo ser amado.

Conta-se que nem o mar foi bastante para naufragar o sonho. Ela, obstinadamente flutuara na própria dor.

Embriagou-se de felicidade, até que um dia percebeu que de alguma forma um pedaço da terra que lhe abrigara os pés desprendera-se em esmo desengano. Transformara-se em ilha a buscar involuntariamente um ponto equidistante no meio de um oceano que separava a razão dele próprio ser e o ser dela própria existir.

Quem é que vai condenar a solidão de alguém que se abriga de amor e poesia?

Neste espaço, entre céu e o mar quedou-se. Dormiu infinitas noites ao relento, até desligar-se do tempo, como as folhas desprendeu-se inerte das árvores, e a despeito da morte iminente acariciou os caminhos do existir.

E tanto fez que tanto faz agora a intensidade do outrora em sua vida, afinal há um vazio bastardo de um amor ausente em seu íntimo.

Indiferente, a chuva une a terra e o céu, pranto de nuvens ao olhar a lua.

Esta, enorme e envergonhada, recusa-se a iluminar as sete praias onde um amor mais que perfeito foi mutuamente idealizado.

Cabelos ao vento, a mulher brada ao horizonte: a dor é algo profunda, é quase como um açoite que une o sofrer a própria pele!

Pior é o esquecimento que profana o sonho, e há da natureza um questionamento, quem morrerá primeiro? O ser que abriga o sonho ou o próprio sonho?

O sonho, enquanto isso, febril queda um olhar e o ser abriga-se numa tristeza a olhar a lua.

Depois de tudo é primavera, ela se apercebe das flores que quase sorriem deixando para trás o frio, quase como um xale, indiferente, a escorregar dos ombros, é o fado!