Mariana, o Anjo e o Amor

Havia noutros tempos, quando a Lua era a dona do sonho, um reino longínquo lá na outra face do mundo. Poderia ser um reino como qualquer outro... mas o tempo, a sua passagem obrigatória em qualquer mundo, era traiçoeiro para a princesa Mariana.

Quando a princesa nasceu, uma felicidade irreconhecível projectou-se no palácio real, chegando até aos confins daquele pequeno, mas grande reino. Grande, sendo imensa a alegria de ter nascido a primeira filha do bondoso rei Alexandre e da querida rainha Leonarda. Visto que já tinham perdido a esperança de ter filhos, devido à idade avançada, aquela menina era talvez um milagre para muitos, e ainda mais se espantavam, sendo o bebé, o mais lindo que jamais qualquer pessoa poderia imaginar existir sem ser em sonhos.

- Oh, que coisinha tão linda! – exclamavam - Tem mesmo cara de princesa... e aqueles olhinhos brilhantes...

Todos se maravilhavam daquela princesa, que subitamente, sem ninguém esperar, nasceu para o mundo... um mundo que ela jamais sonharia conquistar. Mas conquistou!

E os dias precedentes ao seu nascimento não foram mais do que dias de muita música, muita comida, muita alegria... em suma, a contemplação de uma grande festa que foi muito além do palácio real por todos aqueles que se orgulhavam de pertencer a este humilde reino.

Mas certa noite, apareceu um anjo ao rei Alexandre e à esposa dizendo:

- A Mariana é uma menina diferente... – e desapareceu subitamente, mais rápido que o vento numa daquelas noites agitadas.

Assustados com a presença do anjo, ainda pensaram ter sido um sonho, mas não. Os dois viram e ouviram. E pensava a rainha Leonarda:

- Diferente... a minha filha?

Mas não era uma menina diferente, com aquele “diferente” que muitos pais dizem de seus filhos, era diferente porque... e a rainha muito reflectia... porquê?

E só o tempo, esse tal inimigo da vida, (que leva-nos a cada segundo passado, por um caminho onde encontramos sem outra escolha... a morte!) é que realmente trouxe a cruel verdade.

A princesa Mariana quanto mais crescia, mais feia ficava. A realidade era puramente essa. Quanto mais o tempo passava, toda a sua beleza, que tantos gabaram, desaparecia. No caso de Mariana o tempo era ainda mais inimigo...

A tamanha alegria afastou-se numa correria louca de tão boas pessoas, e ninguém compreendia. Porquê?

Ela tinha feito 10 anos... e já tinha chegado a notícia a todos os reinos do mundo que, ali, naquele pequeno reino, tinha nascido a princesa mais bela, que se tornava com o tempo na princesa mais feia de todos os reinos existentes.

Ao verem a situação que sua filha estava a passar, os pais (sofrendo como qualquer pai que ama verdadeiramente o seu filho), talvez com receio de ela não conseguir encontrar um príncipe que gostasse dela, pois queriam não só que ela fosse feliz mas também que houvesse um sucessor no trono; pensaram recorrer ao grande Sábio que vivia lá nos cumes das montanhas rochosas de Esmalter. Ele era feiticeiro, era mago, era druida, ele conseguia ser tudo, ali nos altos, pertinho do céu, sempre acompanhado pela solidão que o tinha conquistado.

Uma viagem difícil se adivinhava, mas que enchia de confiança a comitiva real de 30 pessoas que se preparava para subir as montanhas.

E naqueles dias que por azar foram dias de frio e de neve, a confiança em todos eles vivia do certo e do incerto. Por vezes pensavam que o grande Sábio iria tornar a princesa naquela menina bonita que a tantos alegrou aquando da sua nascença, e outras vezes pensavam que ele nada conseguiria fazer. Mas todos tinham a mesma mentalidade, até o bobo da corte que teimou em acompanhá-los... Mais valia ter uma confiança cega.

Na chegada ao monótono castelo assustador do Sábio, o rei falou-lhe da razão da sua vinda às montanhas de Esmalter. Entraram numa grande sala escura e perturbadora como se houvesse ali olhos adormecidos espreitando pelas paredes.

E sem antes o Sábio poder fazer alguma coisa, surge pelo tecto daquela sala o som de flautas ocultas, surgindo também o anjo que tinha aparecido ao rei e à rainha. Sua voz era meditada e fria:

- Por vezes mais vale ficar imóvel, do que agir erradamente...

E antes de desaparecer, olhou para o rei Alexandre, e de um modo terno e sentimental, finalizou:

- O que tiver que acontecer... acontecerá!

Parecia ser tão humano aquele ser divino, que por minutos silenciou a sala. Até o grande Sábio sentiu um arrepio por não ter controlado a situação. Mas que situação poderia ele controlar? Um anjo que subitamente surge dos altos, que poderia ele fazer? Nada. Apercebeu-se ali que era tão humano como todos os outros.

Todos olhavam para o rei, que meditava, olhando para aquele ponto no tecto por onde o anjo tinha desaparecido. E uma lágrima nos seus olhos despontou na neblina de silêncio que preencheu a sala.

Foi o bobo da corte que cortou aquela vaga de silêncio perguntando ao Sábio:

- Por acaso não há nada que se coma por aqui?

Afinal, já se fazia noitinha. Aquela dura viagem, que agora se temia de um início sem fim, trazia à barriga de todos uma sensação de vazio... a simples fome.

O Sábio levou-os à sala seguinte onde se encontrava uma grande mesa recheada de toda aquela comida habitual em grandes festas e banquetes. Todos se admiraram de haver tanta comida, ainda por cima quente. E o sábio não tinha empregados, vivia sempre só. Até que ele clarificou as dúvidas daquelas mentes:

- O que vêem não é a realidade... porém, se comerem e beberem... sentir-se-ão satisfeitos.

Houve quem receasse comer, mas bastou apenas que um deles sucumbisse à tentação, para que todos o seguissem, deleitando-se com aquela saborosa comida. Todos menos o rei Alexandre que, sentado, olhava para a sua querida filha. E dizia-lhe Mariana:

- Pai, eu não quero que te entristeças comigo. Lembra-te que o melhor que pode me acontecer é ter o vosso amor, apesar de poder vir a tornar-me num monstro capaz de assustar qualquer ser. Aprecio muito tudo o que fazem por mim, a minha gratidão é enorme, mas deixemos a voz daquele anjo nos comandar, o que tiver de acontecer, acontecerá, lembras-te?

O pai abraçou-a... foi um abraço de forte sentimento e compaixão no qual não conseguiu conter novamente as lágrimas. A rainha Leonarda aproximou-se e abraçou-os também. Um sentimento inteiro percorria os três corpos numa sinfonia plena e arrepiante de emoção.

Passaram ali a noite no castelo do Sábio de Esmalter, mas ao amanhecer o rei anunciou que partiriam de volta a casa. E aquela viagem tinha sido em vão...

Desceram as montanhas como se estivessem acorrentados... seus olhos brilhavam por constantemente relembrarem talvez aquilo que não passava de um sonho. Era uma felicidade, uma felicidade desencontrada.

Já de volta ao palácio, a vida de todos voltou a ser como era, apesar de alguma tristeza estar sempre evidente nalguns rostos. Mesmo já se tendo mentalizado que com o tempo a sua situação iria piorar, Mariana vivia muito angustiada e obviamente muito triste. Passava a maior parte do tempo no palácio e por vezes saía para brincar com alguns amigos que tinha feito no campo. O Eduardo, dois anos mais velho, filho de um humilde camponês, era o seu melhor amigo. Tinham uma amizade que durava desde aquele dia em que Mariana, perdida no bosque, lhe pediu ajuda. Mariana queria sempre estar muito ocupada, para não pensar muito no seu triste fado.

Já com 16 anos passeava pela floresta sozinha, pensando que só um milagre a faria ser uma princesa normal, ela só queria isso... ser uma princesa igual a todas as outras.

De repente, ouviu aproximar-se o som de violinos por entre os arbustos... e uma luz do horizonte da floresta aproximava-se lentamente. Ela parou, estupefacta, com um olhar de inquietação, como se um som vivesse no seu terno olhar.

- Olá Mariana... tu não mereces... eu sei. Acredita que há muitos milagres. Mas o único milagre verdadeiro chama-se Amor... Luta, conquista e vencerás!

- Quem és tu?

- Adeus...

E o anjo, o tal anjo, partiu novamente ao som dos violinos, deixando Mariana ali, imóvel, no meio da floresta. Ela queria fazer renascer os tons da sua vida, e chorava pela emoção de seu maior desejo poder se concretizar. Cada lágrima que levemente surgia era logo engolida com um sabor especial... eram lágrimas de esperança. E no retorno ao castelo, meditava naquela pequena palavra que a partir desse dia deu muita mais importância... o Amor.

Conforme os meses passavam, Mariana olhava-se no espelho na esperança de que um milagre pudesse realmente acontecer. Mas não... passaram-se mais alguns anos e Mariana tornava-se cada vez mais feia. Desejava encontrar novamente o anjo e, quando sozinha, chamava-o, mas ele nunca aparecia. Até que um dia à noitinha, já deitada na cama, depara –se, para sua surpresa, com aquele ser celestial que a enchia de inquietação e curiosidade.

- Pensei que já não te via. E tu... que dizias que o amor podia ser um milagre... Eu amo meus pais, amo as pessoas que se preocupam comigo... e repara... estou igual, igual não, estou pior. - e desata a chorar

- Mariana, eu falava de outro tipo de amor, aquele que se partilha numa completa intimidade, aquele que cria desejo... com abraços, beijos, carícias, a necessidade de sentir prazer. Que mais te posso dizer? É aquele tipo de amor que não se consegue descrever devido à sua plenitude. Compreendes-me?

- E onde posso encontrar esse amor?

- Com o tempo o descobrirás... mas lembra-te que o amor é uma flor, e a sua raiz está no teu coração. Nunca te esqueças, por favor.

- Mas...

E ele desapareceu pela porta da varanda, que estava fechada, sem que Mariana pudesse fazer uma imensidão de perguntas que vagueava na sua mente. Foi à varanda e, olhando para o horizonte, pensou se para lá daquela linha existiria algum príncipe que a quisesse amar. Imaginou que sim, porque sonhar sempre lhe fez bem, e enquanto o coração batia de satisfação as estrelas projectavam sobre ela uma transcendente sensação de prazer sublime. Por uns segundos sentiu-se novamente na princesa mais bela do planeta. Só por momentos, porque ao acordar do sonho a realidade permanecia cruel. A princesa Mariana agora vivia na esperança de encontrar aquele amor. Fora então que se lembrara daquelas palavras que outrora lera:

- “ A beleza suscita atenção mas não o amor. É o verdadeiro encontro de duas personalidades e não apenas um jogo de aparências.”

E sorrindo, pensava:

- Se não é preciso ter beleza para amar, eu posso amar...

Certo dia, ela soube que aconteceria ali no seu reino, um encontro de príncipes de todos os reinos circunvizinhos. Seria obra divina o irónico destino daquele encontro? Mariana assim pensava, era aquele anjo que tinha destinado. E acreditava então ser ali que iria encontrar aquele amor que a faria voltar a sorrir verdadeiramente, sim, porque os seus sorrisos até então, eram como uma máscara de alguns palhaços que tanto fazem rir as crianças, mas contrastando a tristeza que vai no coração.

O certo é que quanto mais se aproximava o dia da chegada dos príncipes, mais ansiosa ficava Mariana, cansando-se de rebolar em sonhos com elevada emoção. Já nem ligava aos amigos, até o Eduardo sentia-se abandonado pela sua querida amiga.

E chegou o dia, Mariana vestiu o seu melhor vestido, e arranjou-se detalhadamente para a apresentação dos convidados à corte real.

E lá estava Mariana, mergulhando numa profunda visão romântica, à espera que eles entrassem pela grande porta que dava para o salão.

Entraram, um a um, passando e cumprimentando a corte real, uns mais bonitos que outros, mas todos seguidos atentamente pelo olhar de Mariana. Mas nem um olhou mais que uma vez para ela. O encontro iria durar uma semana... conseguiria Mariana conhecer algum príncipe durante esse tempo?

De facto conheceu alguns deles, mas com todos eles o momento não passou de uma rotineira conversa. De longe estavam interessados naquela princesa feia. E a semana passou, eles partiram, e Mariana, como será que se sentia?

Queria estar sozinha, e era tanto o seu desalento. Dias e noites fechada no seu quarto só a fazia pensar mais, pensamentos que lhe causavam dor. Seus pais estavam preocupados e tristes, sem saber o que fazer para ver Mariana feliz.

E o anjo, novamente na calada da noite, apareceu...

- Mariana, todos merecem uma felicidade maior, e ela existe apesar de agora duvidares. Não desistas...

- Qual felicidade?!? Sonhos, são meros sonhos... a realidade é inexistente. Eu... eu morrerei nesta existência ingrata. E tu, qual o bem que me fizeste, tu, que nem sei quem és?

- Pensa que ás vezes a solução para os nossos problemas estão tão perto de nós, que nem nos apercebemos disso. Tão perto... E as coisas podem ser tão simples.

Mariana fingiu não ligar ás palavras do anjo, fazendo cara de quem não estava ali, mas, lá no fundo, aquelas palavras ficavam gravadas. Ele acrescentou ainda, antes de desaparecer:

- Continuares a isolar-te de tudo não trará solução a nada. Não desistas Mariana, eu desejo imenso que sejas feliz... como aquela menina nos teus sonhos... recordas-te?

Mariana sentiu uma inesgotável agonia por não conseguir centralizar seus pensamentos, e chorava perdidamente. Eram lágrimas que rolavam sem descanso. Passou toda a noite de olhos abertos, sem que o sono lhe incomodasse. E ao espreguiçar-se a manhã, Mariana saiu do palácio penetrando na floresta num caminhar calmo e profundo. Para onde ia?

Para lado nenhum, talvez á espera que acabasse o dia e começasse o sonho. Parou junto de um lago com algumas algas dispersas e dois cisnes brancos, ali, ao lado dum velho moinho. Ali os seus sonhos flutuavam. Sentou-se numa pedra solitária, num cenário estático. O vento estava mudo, as folhas secas das árvores ali ficavam penduradas... o silêncio apoderou-se daquele sítio que fez Mariana se imobilizar. Até conseguia ouvir o secreto bater do seu coração. Pum, Pum...

Mas ela não estava só. Do outro lado do lago encontrava-se o seu amigo Eduardo, que andava na caça de perdizes. Por minutos ficou ali, apreciando a sua amiga olhando como que hipnotizada para a água cristalina, mas decidiu então pegar numa pedra e jogá-la ao lago. Ela reagiu mirando rapidamente aquele vulto. Apercebeu-se que era Eduardo; ele acenou timidamente, talvez por achar que devia ter ido embora. Pouco soube dela nos últimos tempos. Mas ela sorriu... e dirigiu-se até ele contornando o lago. Aí ele a abordou:

- Pensei que já te tinhas esquecido dos amigos, nunca mais te vi, nem deste notícias. Fiquei com saudades tuas...

Mariana desculpou-se e começou novamente a chorar, abraçando-o, sentindo um ódio tão grande de todos os príncipes por serem tão insensíveis, ao contrário do seu amigo. E lamentava-se:

- Ninguém gosta de mim! Sou uma infeliz...

- Não digas isso. Há quem goste de ti... talvez não seja um príncipe... mas gosta de ti.

Mariana olhou para ele, pronta a perguntar quem era que gostava dela, quando encontrou a resposta nos seus olhos...

- Tu...?

- Eu... eu... eu sempre gostei de ti, mas nunca tive a coragem suficiente de dizê-lo, afinal sou um pobre camponês e tu és uma princesa.

Mariana demorou algum tempo a se enquadrar na lógica daquela conversa, depois suspirando perguntou-lhe:

- Mas gostas de mim como assim? Todos me acham feia, e com o tempo ficarei pior... já imaginaste? Porque dizes isso Eduardo?

Sentou-se, cabisbaixo, com uma expressão facial de quem sofria lá no fundo pela conversa e respondeu muito sentidamente, acariciando uma pequena flor:

- Mas a tua face não deixa de ser macia, os teus olhos não deixam de ter um certo brilho, tu és querida... e foi isso que levou-me a gostar de ti. Perdoa a minha sinceridade.

Aquela princesa ficou sem palavras... e todas as frases que o anjo lhe dissera vinham à superfície de todos os seus raciocínios. Mariana não falou, levantou-se, dirigindo-se à beira do lago, tocando levemente na água. Eduardo continuou:

- E lá dentro no interior, o teu coração é lindo! Aí é que reside a verdadeira beleza... e é essa beleza que é importante, que dá a inconfundível felicidade. Desculpa se estou a ser parvo, mas nunca fui tão sincero nas minhas palavras. Mas talvez seja melhor ir embora...

- Não, não vás! Fica...

Mariana apercebeu-se ali de algo estranho no seu coração, como se a ausência do Eduardo coincidisse com uma dor interior. Seria a raiz do amor no seu coração a nascer? Foi isso que ela pensou... mas era tudo tão estranho.

Eduardo parou pelo pedido de Mariana, mas nenhuma outra palavra conseguia sair da boca de cada um. Mariana apenas deu-lhe um sorriso emocionado, e Eduardo, já com algumas leves lágrimas, retribuiu e foi embora. Ela seguiu-o fixamente com o olhar até ele desaparecer no meio dos arbustos.

Nos largos momentos que ali ficou, com os seus intensos e remexidos pensamentos, ouviu uma voz vinda de algum sítio que Mariana não conseguia descobrir onde, que lhe dizia:

- Deixa transparecer os teus sentimentos...

Era a voz do anjo, sorriu Mariana ao pensar. Ela só queria rasgar o céu azul, voando tão alto quanto os seus intensos desejos, até encontrar esse desconhecido anjo para poder abraça-lo. Mas como abraçar um anjo? Talvez encontrá-lo num sonho, e eram tantos os seus sonhos...

Relembrava agora todos os momentos que tinha passado com Eduardo e cada vez mais tinha a certeza que aquele sentimento tão desejado estava a nascer por ele. Pensava na sua inteligência, na sua sensibilidade, na sua sensualidade, no seu carácter, suas emoções, seus gostos, suas aversões, enfim, tudo o que estava a tornar Eduardo naquele ser tão especial. Folheava assim as páginas do seu pensamento, quando começou a cair um orvalho na tarde a entardecer... apercebendo-se que estava ali numa imensidão de horas.

Seus pais deviam estar preocupados. Havia saído do castelo ao fim da manhã e no fim da tarde ainda não tinha regressado. Agora ao som do tilintar da chuva regressava ao palácio sempre a pensar no Eduardo. A sua simplicidade e humildade tornava-o no ser mais belo que Mariana conhecera.

Já de volta ao palácio sua mãe estranhou um sorriso diferente em sua face. Ela nada disse, e dirigiu-se logo para o seu quarto sem sequer pensar em jantar.

Eduardo também fizera o mesmo. Deitado na sua cama, esperava intensamente o raiar de um novo dia. E aquela noite, para ambos, mais parecia ser uma noite eterna. Mariana já não tinha mais dúvidas... era “aquele” amor a nascer. (Porque por vezes aquela parte de nós, profunda, secreta e indisciplinada dá gritos de sufoco desejando amar... e o instinto da vida concorda...) Ela sentia-se diferente, como se o seu respirar fosse um perfume leve do coração. E mais do que nunca acreditava que deixaria de ser aquela princesa que com o tempo ficava mais feia.

E a noite continuava longa... naqueles quartos onde nascia uma paixão sublime.

E quando, ao amanhecer, o sol se pôs lindo lá no alto, num pedaço do céu, Mariana e Eduardo já não se encontravam nos quartos. Onde estavam?

Ali junto ao lago, na sombra do velho moinho, abraçados num infinito momento. Suas vozes diziam palavras puras, era a revelação da verdade dos seus corações. Entre abraços, carícias íntimas e beijos quentes e perfeitos, o vento descobria os seus segredos. Mariana sentia-se dentro dos seus sonhos, mas feliz apercebia-se que era o sonho a realizar-se. Com um olhar de cumplicidade dizia-lhe:

- Este é um lugar onde muito sonhei...

- E eu, minha querida, quero ajudar-te a concretizar todos esses sonhos iluminando o teu lindo coração.

Desencadeava-se ali uma mansidão de loucos sentimentos naquele clamor que vinha bem lá do fundo dos seus corações, quando do lago soou uma música calma e tão bem apropriada para aquele momento. Ficaram tão maravilhados, que suas vozes se calaram e seus corpos se emocionaram. Acabada a música surge de dentro do lago o Anjo.

- Olá Mariana... Olá Eduardo...

Eduardo cumprimenta-o como se já o conhecesse, para espanto de Mariana. E o anjo apenas disse-lhes:

- Vivam cada dia sabendo que no dia do amanhã renascerá algo mais lindo...

E voltou a desaparecer pelos céus, voltando a sair do lago a mesma música, fazendo Mariana dizer baixinho junto do ouvido de Eduardo:

- Esta será a nossa música...

E ali ficaram colados, ouvindo aquela música até o sol adormecer atrás das montanhas. Chegava o momento de partirem, cada um para o seu cantinho, mas era tão difícil aquela despedida. Parecia ser uma enorme perda face ao vazio que, repentinamente, ao se afastarem, se fazia sentir nos seus corações. Mas depois de muitos beijos e ternos afectos Eduardo foi embora.

Mariana sentiu o seu coração a rebentar como um vulcão a desfazer-se em lava e gritou por Eduardo, correndo até ele pulando e abraçando-o como uma desesperada. Mas não era desespero, era simplesmente um acto de Amor.

Quando a família real soube deste relacionamento, de início não gostaram da ideia, sendo Eduardo filho de um camponês. Mas face à imensa felicidade da sua filha, seus corações foram mais fortes, e aceitaram aquela relação.

E todos os dias Mariana e Eduardo encontravam-se cada vez mais unidos por laços íntimos, passando os dias a conhecerem-se verdadeiramente, profundamente, porque o amor é construído a cada dia que passa, sempre, até a morte um dia o quebrar.

E naqueles momentos em que estavam longe a ausência era sentida loucamente enchendo de loucura os impulsos e os sentimentos.

Um dia voltaram a ver o anjo, desta vez aparecendo num jardim do palácio, dando-lhes apenas um sorriso, desaparecendo logo de seguida. E sorriu Mariana...

- Se não fosse ele...

Eduardo então revelou algo que surpreendeu Mariana:

- Foi ele quem me ajudou a encontrar a felicidade...

- Mas... tu conhece-o???

- Ele por vezes aparecia-me e dizia-me certas coisas.

- E o que ele te dizia?

- Que te posso dizer? Ele ajudou-me a acreditar que um dia poderia ser feliz. E falava muito no amor, nunca me esqueço que certa vez disse-me que o verdadeiro amor nasce de uma sólida amizade, e essa amizade eu tinha-a contigo...

- Meu querido, devemos a ele a nossa felicidade. A vida muda tanto...

Tudo o que acontecia à volta deles só fazia o amor fortalecer-se, com sentimentos que atravessavam o coração numa velocidade vertiginosa. E os dias passavam...

Tanto que um dia no palácio a rainha Leonarda, ao olhar para a filha, disse-lhe:

- Um milagre está a acontecer, tu estás a tornar-te mais bonita!

Mariana nem se tinha apercebido da feliz realidade, tanto era a alegria da sua relação com Eduardo, mas depois de ver ao espelho que estava ficando realmente mais bonita, respondeu à mãe:

- Não é nenhum milagre mãe, é o poder do amor!

- Poder do amor? A que amor é que te referes filha?

- Na verdade, para esse amor há palavras que não existem, é um amor impossível de descrever. Ele não se explica, sente-se mãe! E eu sinto...

A rainha não entendeu completamente a real intensidade das palavras da filha, mas não ligou, afinal o que interessava era ver Mariana feliz, se tornando novamente bela.

O tempo passava sempre acompanhado de felicidade, e um dia, Eduardo, ali, junto ao lago, pediu-lhe em casamento. Mariana radiante com um brilho nos olhos adoçou a sua voz:

- Sabes bem que eu gosto de ti...

- Mas eu não gosto de ti... eu amo-te! E quero viver contigo para o resto da minha vida. Casas comigo Mariana?

- Claro que sim...SIM! Meu verdadeiro príncipe...

- Tu fazes sentir-me feliz, como se eu fosse o homem mais especial à face da terra, mas isso não é verdade, sabes porquê?

- Porquê amor?

- Porque tu querida é que és especial.

Uniram suas mãos, seus lábios, seus corpos numa intensa afectividade e depois correram pelo jardim com tamanha felicidade e loucura. Pareciam duas criancinhas brincando, como tanto o faziam na infância.

E os dias continuavam a passar... sempre recheados de felicidade, até que chegou o grande dia, o dia do casamento.

Nesse dia, um ambiente diferente fazia relembrar a alegria que fora o nascimento de Mariana. Ela foi levada numa carruagem puxada por oito belos cavalos pretos com plumas na cabeça e rendas douradas. A carruagem seguiu até uma pequena capela numa vasta planície junto ao mar. Na chegada, soavam as trombetas... e notava-se claramente a felicidade nos rostos de todos os que esperavam aquele casamento. Eduardo esperava-a impacientemente, e quando a carruagem ali parou, ele, como um digno príncipe, a recebeu. Era tão lindo aquele momento. Casaram-se finalmente, e pelo resto da noite a festa inundou de alegria o palácio real.

Mariana, linda, pois já era imensa a beleza que tinha retornado ao seu corpo, já pela noite dentro caminhou até á praia sentando-se na húmida areia branca. Eduardo seguiu-a e sentou-se junto dela. E naquela claridade da noite, com um luar tão inspirador, das nuvens desceu lentamente o Anjo e, sorrindo, prostrou a sua voz:

- É tão lindo ver o amor flutuar pelo silencioso espaço da vossa intimidade. Agora acreditam que a felicidade existe?

A resposta foi dada com um sorriso de duas faces bem encostadas.

- Mas diz-me... porque razão ficava mais feia com o passar do tempo?

- Mariana, isso será importante? Tu agora és feliz, isso é que interessa. Esquece o passado e vive o futuro... o teu lindo futuro.

E Mariana sorriu apenas. Mas ainda tinha uma curiosidade...

- Mas afinal quem és tu?

- Eu sou a Poesia da vida...

E partiu, não pelos céus, mas pelo mar profundo... e nunca mais se ouviu falar daquele anjo que nos mares se eternizou.

Talvez seja por isso que o mar é uma inspiração para quem ama. É lá que mora o anjo de Mariana...

DPoet
Enviado por DPoet em 21/08/2006
Código do texto: T222076