REFLEXÃO

 

Parou diante de um espelho, embora não soubesse que objeto era aquele e ficou intrigado:

           

__ Quem é esse estranho que me olha assim, com tanta fixação? 

 

E como foi parar lá dentro?

          Embora estranho, já o tinha visto muitas vezes lá pelas águas do Araguaia, quando teve sede.

           

__ Devia ser alguma espécie de guardião das águas.- pensou ele, ajeitando seu cocar indígena.

           

Mas o quê estaria fazendo, um guardião, ali dentro daquele objeto do homem da cidade? 

           

Ficou curioso por saber que aquele suposto guardião, tinha um cocar parecido com o seu; que ele mesmo fizera de um modo especial para ninguém tomá-lo por engano.

           

A curiosidade aumentava ao ver que os gestos que fazia eram instantaneamente copiados pelo estranho.

           

__ Mas e agora, e quem guardará as águas do velho Araguaia? - indaga-se o índio.

           

Tomado de coragem, aproximou o rosto da superfície do vidro e procurou olhar lá dentro, bem de pertinho e não conseguiu ver nada, devido a uma.. uma neblina, um forte vapor que surgiu embaçando o vidro do objeto. Ao Afastar o objeto do rosto, percebeu que o vapor sumia. Compreendeu então, que era um vapor de proteção do vidro, para ninguém se aproximar.

           

_ Mas alguém precisa cuidar das águas do rio! Quem o fará, se o guardião está preso? Quem teria feito esta maldade a um ser tão belo? Tão forte, e ... tão Interessante?!- preocupou-se o índio.

           

Assustou-se ao colocar uma das mãos no vidro, e viu que o guardião fez o mesmo. Virou o rosto para um lado; O Guardião também virou. Balançou a cabeça; e o guardião repetiu o gesto.

           

Parou, olhou, e pensou:

           

_ Ah, ele gosta de brincar, né? Vou dar-lhe um susto também! Vou imitar um animal e ele sairá correndo, e aí me aproximarei para olhar lá dentro.- cogitou ele em seu íntimo.

           

Ao gritar, na verdade quem se assustou foi ele, que desesperado, largou o objeto e sumiu no meio da mata em direção ao rio Araguaia. Correu, correu, correu até não ter mais fôlego e cair por cansaço. Deitado, com os olhos fixos nas nuvens do céu, pensou ofegante:

           

_ Será que ele correu atrás de mim? Não, não acredito; ele estava bem preso, coitado! Mas, e se algum animal feroz encontrá-lo? - comoveu-se e decidiu:

           

_ Preciso voltar lá e ajudá-lo. Antes, vou dar uma molhadinha na garganta, pois esta corrida tirou-me as forças. 

        A

rrastou-se à margem do Araguaia e, quando levou as mãos nas águas, viu o rosto do tal guardião e recuou apreenssivo. 

           

_ Como você saiu de lá? - perguntou espantado - O quê você quer comigo? - Olhe, eu ia voltar lá para... ajudá-lo e... bom eu... 

 

fico feliz que tenha voltado para o rio, né? O que houve? Você não fala? Sua boca mexe, mas não sai som algum! Quem é você ou, o que é você?

           

Apesar do inquietante silêncio, ouviu dentro de si, seus pensamentos:

           

_ Antes de conhecer você, eu não era nada. Absolutamente nada! Somente depois que me viu, passei a ser você e, até hoje, 

 

a única função que tenho é de lhe acompanhar aonde for. Se você vai, eu vou. Se você fica, eu fico. Um dia, descobrirá que estamos muito ligados um ao outro e, só nos separamos temporariamente, diante das grandes águas do rio ou daquele objeto do homem da cidade. Sou a sua imagem; seu reflexo físico, e você é o meu lado natural. Tudo o quê você faz tem um reflexo. Portanto, é bom cuidar da sua imagem. Quando tentou me assustar, por exemplo, assustou a si mesmo, pois todas as atitudes do Homem são reflexivas. O que ele faz aos outros, sempre lhe trará reflexos e este objeto serve-lhe de memorial para que reflita em quem é e o que faz. Na verdade, seu mistério vai muito além dos nossos olhos. Chamam-no de espelho. _ refletiu profundamente, dentro do índio, o suposto guardião.

          A

o perceber que o guardião estava nele, sentiu-se muito mais forte e... belo, interessante. Imediatamente voltou ao local onde largara o espelho e levou-o para sua oca.

           

Dizem alguns índios, que um certo sociólogo, chamava-lhe de Narciso, porque onde ia levava o espelho para conversar: 

           

_ Reflexo, amigo meu, existe por aí, algum índio mais lindo do que eu?

           

E o reflexo, muito entusiasmado, respondeu:

           

_ Sim, sem dúvida que existe! Um que é belo, forte e impávido: um colosso! E o seu futuro espelha essa beleza: sou eu, é claro! Pensando bem, pra esse reflexo de índio, Narciso é pouco!

          Julho de 2000 - Bienal -



Luciano Mendes
Enviado por Luciano Mendes em 03/07/2010
Reeditado em 19/06/2011
Código do texto: T2356101
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