A Princesa e a Janela

Era uma vez...

uma bela e solitária princesa, que vivia num reino imaginário uma vida que não lhe pertencia, que não era sua.

E viveu por muitos e muitos séculos a princesa que jamais envelhecia, a princesa que era sempre menina. Embora fosse grande assim quase como um Titã, era apenas uma criança sob o efeito do fermento do “faz de conta”.

E assim foi até que um dia, ela descobriu uma janela para o mundo real, uma janelinha bem pequenina. Mas apesar de pequena, a janela permitia que observasse bem o que havia lá fora.

Com toda a sua curiosidade de menina, a princesa encostou-se bem a ela e olhou, espiou e então...
viu lá fora um mundo completamente diferente daquele no qual vivia. Ela deu uma olhada para trás. Deu uma espiada no seu mundo e percebeu que ele não mais lhe servia. Desejou o mundo que havia do lado de fora da janelinha.

Foi aí então que a princesa desejou estar lá fora também, junto com as pessoas que ela via, naquele mundo com mais cor, mais cheiro e mais barulho.

Num súbito desejo de ganhar aquele espaço, ela colocou um braço para fora, pois em sua atual condição, era só o que podia. Sentiu o ventinho na mão, espremeu-se mais contra a abertura, mas o resto de si não ia, pois não cabia. Não sei se vocês sabem, mas princesas de mundos imaginários têm tamanho diferente das pessoas reais. Princesas encantadas são muito grandes, tão grandes quanto a imaginação de quem as cria.

Parada e pensativa, a princesa olhou distraída para o lado, e neste momento, viu um compartimento pequeno, bem empoeirado, desses que quase nem se nota caso esteja distraída. Em cima estava escrito em letras bem pequenininhas, que quase não sei via: "No caso de querer ser gente, quebre o vidro e tome a pílula".

A princesa então, olhou-se num espelho que próximo dali havia. Mirou-se e sentiu-se triste, pois gostava de ser princesa, de ser bela e gigante. Mas apesar de gostar de ser assim como era, queria ir para o mundo real. Queria a vida de fato, mas queria continuar sendo princesa.

Ó triste e cruel indecisão. Ela deixa o pássaro voar, ou fica com o bichinho na mão? Ela não sabia, não conseguia escolher se continuava sendo princesa de faz de conta, ou se gente de verdade ela queria ser.

Depois de muito pensar, ela imaginou ter encontrado a solução. Ela se apoderaria da pílula, mas antes de virar de vez uma gentinha, que é uma gente não completamente feita, ela tentaria passar espremida pelo vão. Foi então, que a princesa malandrinha, quebrou o vidro e segurou a pílula na mão.

Em seu pensamento repetia:
- Eu tentarei passar assim como estou! Uma princesa é o que sou e neste buraco passar eu vou. Com minha vontade de princesa, farei força de certeza, e do outro lado estarei assim bela e faceira.

E o malabarismo começou. Com a pílula bem segura em uma das mãos, enfiou os dois braços pela janelinha, se moveu, se espremeu. Para um lado e para o outro balançou. Agora a cabeça, devagar. Ai que lhe falta um pouco o ar!

E assim se espremendo ela foi passando... passando e...

Entalou!!!

Céus! Uma princesa entalada a meio do caminho de uma passagem encantada. Ela estava se sentindo uma desastrada. Melhor então, seria desistir de entrar no mundo real afinal, viver de mentira não era assim tão mal.

Ela tentou voltar para o seu mundo, pensou que voltar atrás daria certo, mas não dava mais! Ela se desesperou. Mas o que era aquilo? A janelinha parecia a estar espremendo! Em movimentos rápidos de contorcionista, tentou ir de vez à frente, mas também não tinha como.

Olhou para a mão fechada e repentinamente se deu conta de sua irônica situação. Pois sua curiosidade muito humana, a colocara naquela posição. A janelinha estava encolhendo, ela não podia permanecer naquela indecisão.

Agora, até mesmo para conseguir voltar para o seu mundo de ilusão, teria que tomar a pílula que estava em sua mão. Assim, ela voltaria ao conforto de seu mundo, mas não seria mais a mesma. Tudo isto por ter visto o mundo real, por ter desejado, por ter feito a mínima menção de ir em sua direção.

Enfim, os seus dias de princesa estavam acabados. Pois não adiantava ser gente e continuar naquele seu mundo encantado. Não tinha outro remédio, ou melhor, tinha e estava na palma de sua mão.

Ela fechou os olhos e glupt...
engoliu a pílula.

Fez uma carinha de choro, pois ela era muito medrosa. Fez o seu biquinho costumeiro com direito a tremer de beicinho, mas veja que coisa! A sensação de "entaladez" foi passando... passando. Ao mesmo tempo, a passagem para o mundo imaginário foi fechando... fechando.

E ela, a ex-princesa agora menina quase feita, se viu no mundo real, uma menina real. Não uma menina da realeza, mas uma menina verdadeira, autêntica.

Ficou lá, no meio do mundo real, com as pernas meio que a tremer. O que ela sentia? Medo... medo da vida.

Até que uma outra menina, uma menina autêntica, humana, chegou perto de si e disse:
- Quer maçã do amor?

Ela olhou aquela maçã tão vermelhinha e mal podia acreditar! Aceitou e deu uma lambidinha. Era maçã autêntica! Ai que gostoso que era! Grudava também nos dedos e sujava de vermelho. Mas que maravilha!

A outra menina convidou para correr até ali mais adiante, e ela foi. Por não ter muita prática com estas atividades comuns de gente, caiu de joelhos logo em seguida. Ai que coisa engraçada! Aquilo doía. A outra menina voltou correndo e perguntou se tinha machucado. Machucado? Pensou consigo o que seria. A outra então sugeriu:
- Passa cuspe que alivia - dando em seguida uma risadinha, e fazendo o gesto para mostrar à nova amiga como fazia.

Tudo aquilo era mesmo muito estranho e bom ao mesmo tempo. Ali, no mundo real, tudo que se fazia tinha uma conseqüência em seguida. E interessante que, mesmo havendo uma conseqüência para casa atitude, era bom demais tudo o que se sentia. Porquê era vida!

Depois de passado o sustinho da queda, a outra perguntou se não queria brincar de pular corda com algumas outras amigas. E é claro que ela foi. Não conhecia ainda, mas certamente era muito bom pular corda na vida real.

Pensando um pouco, ela concluiu que a vida real dava um pouco de medo sim, mas também proporcionava muitas coisas muito boas e interessantes. Viver era mesmo muito bom, era tão bom que nunca mais a menina ex-princesa, pensou em se arrepender de ter virado gente.

E enquanto a vida ia começando a ser o que ela realmente era, se podia ouvir a cantiga das meninas enquanto pulavam corda:

Uma princesa no seu castelo
Olhando da janela
Os campos amarelos
O que ela vê?
Um príncipe encantado
Olha melhor
E não passa de um sapo
Uma princesa no seu castelo
Olhando da janela
Os pinheiros enfeitados
O que ela quer?
Um lindo e leve laço
O que ela tem?
Um vestido engraçado
Uma princesa no seu castelo
Olhando da janela
O céu muito aberto
O que ela quer?
A sua liberdade
O que ela tem?
Vontade e Coragem...