NOTÍCIAS DE OUTRO MUNDO

Deu no jornal de hoje:

"Homem encontrado caído à beira da estrada de ferro, moreno, alto,

de olhos abertos, voltados para o céu, um meio riso maroto no canto

esquerdo da boca, ar de feliz.

No meio do peito um estranho buraco, cheio de luz, como se atingido por um raio luminoso que não fosse embora depois do disparo.

Pequenos filetes de cor dourada, cheios de ramificações, se espalhavam por todos os lados, vivos, pois continuavam a se multiplicar em todas as direções.

Bem de perto via-se que aqueles rios vivos eram compostos de palavras, letras, e todas as germinações gramaticais, num rebuliço festivo, com um som de quase risos, risinhos.

No bolso esquerdo da camisa um bilhete amarfanhado dava de se mostrar, como se pedisse para ser lido.

O bilhete dizia:

"Até que enfim, fui. De encontro às estrelas, passear no cosmos, visitar Zeus e seu Olimpo monumental.

Deixo, como legado, o sangue dos fonemas, as vísceras dos verbos e esse fluxo contínuo, ad eternum, moto perpétuo, indissipável.

Beijos, abraços, carinhos e até mais."

De repente, como que acordado de um sonho, o mundo ao redor se recobria de um musgo palavrório, poemas heras, insetos verdes, axiomas, paroles, discursos, manifestos à nova antropofagia, ou seja, comei-vos uns aos outros antes que se deteriore a carne.

Palavras desconexas invadiam escritórios, rejuvenescedoras, pessoas abandonavam seus ternos quase modernos, moças de escritórios abriam o botão de cima de suas blusas e sentiam que podiam respirar, como larvas versos se deitavam sobre mesas diretoras, se enroscavam em pernas vestidas por meias finas, adjetivos às vezes meio suspeitos

brotavam em bocas de garis, entravam pelos sete buracos de cada pessoa e o mundo, outro que já se tornara, recitava Shakespeare, Drummond, cantigas infantis ecoavam pelos vales, o tom fumacento sobre a cidade já sumia e, ao pé da montanha, o sol, declarado inimigo do escuro, ria seus dentes de ouro e cantarolava com as crianças deitadas no parque, a rirem das nuvens, em formas estranhas e definitivamente belas.