Porrada Pura!

Esse é um conto para quem joga RPG. É baseado em uma aventura de RPG de comédia, mais precisamente do RPG Munchikin d20.

Porrada Pura! - Capítulo Um

No ano do Senhor do Escudo de 145, começa a nossa história. Ela começa mesmo no poderoso reino de Bungula, local famigerado, onde viviam tantas raças quanto fosse interessante para o Senhor do Escudo e onde nunca houve um senso para se definir quantos habitantes haviam. Só se sabia que era um reino muito visado, tão grande quanto uma cidade e tão pequeno quanto uma cidade. Em suma, era uma cidade, do tamanho que interessava ao Senhor Deus do Escudo, aquele que comanda as vidas de todos por detrás do Escudo Celestial.

Bungula era um reino e portanto tinha um rei. O rei nesse caso era um gnomo que reinava em um reino de população não definida onde praticamente todos os gnomos eram figuras cômicas que apareciam para irritar nossos heróis. Ah, os heróis, falaremos deles em breve. Continuando, sobre o rei, ele era mais que um rei. Era um ditador que restringia e taxava tudo que lhe surgia nas idéias. Pelo fato de ser um gnomo, dá para se perceber que tinha muitas idéias. Então era caro viver em Bungula. Caro e quase insuportável, pois cada decreto com uma lei ou taxação era acompanhado com uma punição específica, como chute no saco, soco na barriga e similares. Mas por um motivo que só o senhor Deus do Escudo entende, muita gente vivia lá.

Começamos a falar dos nossos heróis quando eles já estavam entrando na Taverna do Ogro. Era uma taverna comum, como qualquer outra, com aventureiros, homens armados até os dentes esperando um velho misterioso chegar para convidá-los para matar orcs e salvar alguma pessoa ou coisa em uma torre misteriosa perdida no meio do nada. O primeiro herói a entrar na taverna foi Bob Matapracaralho, naquela ocasião alguém que poderia ser definido como um guerreiro que lutava quatro vezes melhor do que um guerreiro bucha de canhão de qualquer vilão. O nome dele era Bob porque pareceu um bom nome pro pai dele. E o sobrenome dele era Matapracaralho porque misteriosamente tinha a ver com sua melhor habilidade e era só isso que ele sabia fazer na vida.

Bob era só um sujeito humano, mas não humano no sentido de sentimento, só no sentido biológico da palavra. Nem no sentido espiritual dá pra contar direito. Tinha um cabelo espetado e cortado no estilo militar, a não ser na nuca, em que ele crescia até bem abaixo dos ombros. Essa cabeleira era de uma cor muita estranha, que lhe dava um aspecto meio oriental. Deixando isso a parte, era outro sujeito de armadura, músculos proeminentes, desenho da caveira no braço e cicatrizes como se encontra em qualquer taverna de qualquer reino.

Bob carregava uma espada. Ela tinha um nome. Na verdade, os sábios dizem que Bob deu-lhe vários nomes em sua carreira, porque ele geralmente ficava confuso quando um nome não valia mais. Por exemplo. O primeiro nome dela foi Fazedora de Viúvas, pois ele a conseguiu quando a roubou do filho do conde de Pondicantim que havia acabado de se casar. O pobre coitado foi morto pelo seu guarda-costas, Bob no caso, porque deu vontade. Deu vontade em Bob de matar. O filho do conde não teve vontade de morrer. Estava com vontade era de outra coisa que sua esposa e viúva teve que consumar com Bob.

Dois anos depois, Bob teve que acrescentar um adendo no nome. Quando matou uma amazona, duas magas, três arqueiras, uma ladra e uma ratazana falante, a arma passou a se chamar Fazedora de Viúvas e Viúvos. Pouco depois, Fazedora de Viúvas, Viúvos e Órfãos. Quando começou a matar muitas coisas que não se casavam ou tinham filhos como golens e geléias, Bob desistiu desse nome e só chamou a espada de Espadão.

Dizem que Bob começou a matar muito cedo em sua vida. Muito cedo mesmo. O primeiro relato de sua morte foi descrito por Bonks fantasma de um clérigo de Zanter que tentou ensinar o garoto a dançar. Anos depois, Bonks foi desmentido pelo bruxo Kur de Banticantim, que ficou sabendo por magia espiritual que Bob teve um irmão gêmeo que nascera morto, enforcado com o próprio cordão umbilical. A maioria dos sábios concorda que esse foi o primeiro assassinato cometido pelo nosso herói. Herói? Bom... Ao invés de discutirmos isso, vamos para outro assunto.

Quase não dava para ver o segundo herói da história. No caso, um gnomo chamado Maguinho. Era Maguinho porque ele era tão pequeno, mas tão pequeno que até os gnomos o chamavam de pequeno e ele cumprimentava formalmente as formigas. Maguinho usava óculos que o deixaram com cara de inteligente, barba que o deixava com cara de gente madura. Tinha a pele negra, o que era incomum para um gnomo. Mas também era incomum um gnomo ser tão pequeno. Ah, mas o nome dele não era Maguinho só porque era pequeno, mas também porque ele era mago. Mais precisamente quatro vezes melhor do que um mago que Bob matara durante a invasão à torre do bruxo Kur de Bnticantim para se vingar por ele ter invocado a mãe falecida do guerreiro para perguntar coisas obscenas. Bob odiava que se metessem com seus parentes.

Maguinho aprendera magia com seu pai, um gnomo mais alto que ele, mas bem menor do que um humano, só que com um coração de pedra e uma vara de três metros que ele usava para bater nos dedos do minúsculo herói quando ele errava uma magia. Pobre Maguinho. Sofreu muito na infância. Graças a um decreto que proibia o preconceito racial e preconceito quanto a cor de pele (havia uma definição clara disso em Bungula, afinal havia elfos, elfos com pele azul, elfos com pele verde, humanos orientais com cabelos verdes e coisas assim), Maguinho não teve problemas com isso, mas as pessoas disfarçavam esse racismo com chacotas contra sua estatura. Infelizmente, nunca houve um decreto contra a discriminação dos verticalmente deficientes. Pobre Maguinho.

Naquele dia, na taverna, ele e Bob entraram para procurar uma mesa e logo perguntaram se era mesa para um. Bob ameaçou dar uns tapas no halfling garçom intrometido que não havia visto seu amigo e quase pisara nele. É preciso dizer aqui que halflings são ainda menores do que anões? Acho que já está dito. Como que para procurar por mais briga, o garçom indicou uma mesa rosa no centro da taverna em que ninguém estava se sentando.

- Por que a mesa é rosa? – Bob perguntou. Ele sempre teve um senso aguçado para pessoas que estavam fazendo troça dele. Diziam que isso era algo meio que demoníaco, porque ele sempre sentia quando alguém estava dando-lhe um bom motivo para ser morto imediatamente pelo Espadão.

O garçom olhou de um lado pro outro, verificando o número de clientes e a possibilidade de uma briga naquele dia. Perito em se esquivar de confusões e deixar o pau moer até o fim, ele resolveu provocar.

- Decreto do rei. Para evitar discriminação contra os homens-sexuais, toda taverna do reino tem que ter uma mesa rosa agora.

Era para homens-sexuais mesmo. Era a definição local.

E era verdade, o caso do decreto... O caso da terminologia também.

E aquilo deixou Bob com raiva. Não do decreto ou da terminologia, mas da oferta da mesa.

E aquilo fez o pobre do garçom voar para o outro lado da taverna após levar um chute que envergou sua coluna.

Bob arrancou o Espadão. Maguinho se escondeu atrás dele.

- Agora cai de pé, seu desgraçado! – disse Bob, por ânsia de usar uma frase que ouvira de um bardo sobre um guerreiro que chutara licantropos gatos desfiladeiro abaixo. Bob matou o bardo e o guerreiro para garantir que dali por diante a frase seria só dele.

O halfling caiu torto como macarrão que escapa do prato de um orc que não sabe se comportar na mesa. Bob riu. Maguinho não riu.

Os clientes olharam para a dupla e começaram a falar:

- Você está perdido cara. O Aldur vai vir...

- Você está perdido! O Aldur bate demaaaaais!

- O Aldur bate demaaaaais!

- O Aldur bate demaaaaais!

A frase foi repetida em vários sotaques e tons enquanto passos pesados foram ouvidos dos fundos da taverna. Bob arrancou o Espadão.

- O Aldur bate demaaaaais!

- O Aldur bate demaaaaais!

Logo aparecerão algumas pessoas e cercaram a dupla.

- Vamos tomar um vinho. A gente te paga um vinho, cara. Só para não ter briga. O Aldur vai dar um prejuízo danado aqui porque o Aldur bate demaaaaais!

- Vamos lá, Bob! Vamos tomar um vinho – disse Maguinho.

Aquilo chamou a atenção dos clientes da taverna. Um sujeito até chegou perto de Bob.

- Ei, quanto você quer nesse boneco aí? Eu te pago umas 30 peças!

Maguinho olhou de um lado pro outro sem entender. Depois viu que era com ele e isso o deixou mais furioso do que dragoa dourada na menopausa.

- Boneco é seu (insira aqui algo que rime)! Boneco é seu (volte a inserir, dessa vez com muita ênfase e bem gritado!)!

Bob já ia retirar o Espadão para defender o amigo, quando um outro colega deles chegou. Esse era um elfo de cabelo prateado com jeito... hum... élfico. Segundo um decreto, todo elfo era defendido contra discriminação contra seus possíveis costumes sexuais. Inclusive, qualquer pessoa tinha o direito de ser elfo-sexual. Mas, voltando ao assunto, esse era Aldain Sabre-Prateado-em-Noite-de-Lua-Cheia-no Último-Mês-do-Ano-Exceto-em-Anos-Bissextos. Não se sabe o motivo da exceção nos anos bissextos, se você está se perguntando isso agora. Uns diziam que era segredo de família, outros que era porque o elfo era um bastardo esnobe que vivia de segredinhos.

Ele se sentou e pegou um pouco de vinho, enquanto todo mundo se afastava e Bob já tinha se esquecido de matar. Bom... na verdade, tinha esquecido da vontade imediata de matar para poder matar muito mais com a confusão que com certeza Aldain traria para eles. Aldain, no caso, era quatro vezes mais hábil que o ladrão pé de chinelo que o grupo matara quando estavam viajando e foram emboscados na estrada.

- Arranjei um mapa para entrarmos em uma caverna e ganharmos um tesouro muito bom!

Tesouro! Aquela palavra fez os pequenos olhos de Maguinho brilharem. Os de Bob também. O primeiro pela expectativa pelas riquezas e glória e o segundo porque a palavra tesouro incluía a expressão: um monte de monstros esperando para serem mortos.

Maguinho acumulava riquezas para se sentir maior nesse mundo onde ele parecia ser o elo perdido entre as bactérias e os homens.

Bob acumulava riquezas porque tinha que matar muito para consegui-las e matar ainda mais para mantê-la. Em suma, eram um motivo essencial para não deixar o Espadão enferrujar.

- Onde? – perguntou Maguinho.

- Eu tenho que ir lá pegar o mapa. Foi um velho de barba branca que me deu.

Maguinho coçou a barba, pois aquele era um bom precedentes. Velhos misteriosos de barba sempre são confiáveis.

- Aquele ali? – apontou Bob.

Aldain olhou para ver que um velho curvado, vestindo um manto cinza, com uma barba longa e branca e um chapéu pontudo acaba de entrar na taverna. Todos os aventureirs ficaram animados, mas fingiram não estar atentos aquela presença. Só ficaram na espreita, esperando. O velho se aproximou do trio. Puxou uma cadeira e já sentou bebendo o vinho sem que ninguém perguntasse sobre o milagre da multiplicação dos copos.

- Preciso de aventureiros.

Recebeu olhares ávidos.

- Os anões da montanha foram seqüestrados pelos orcs...

Bebeu um pouco do vinho e pegou um cachimbo. Aquilo acabou com o resto de desconfiança que Maguinho poderia ter. Um velho barbudo com cachimbo e de chapéu pontudo com certeza é uma pessoa confiável.

- ... de novo – acrescentou o velho.

- A gente vai – disse Bob.

- Mas eu nem falei ainda.

- A gente vai matar os orcs na caverna onde os anões estão lá na montanha e depois voltar para receber a recompensa do rei.

- Então tá – falou o velho e saiu.

Maguinho e Bob ficaram animados. Mais tesouros. Aldain ficou um pouco decepcionado, afinal a aventura sugerida por um velho barbudo de chapéu pontudo e que fumava cachimbo e aparecia na taverna tinha um apelo maior do que a dele.