O Espartano II - Primeiros Traços de Sangue

A marcha dos gregos começou. Tinham um passo cadenciado, cujo ritmo seguia as batidas de corações controlados, no caso, o dos espartanos. Coríntios e beócios viam os guerreiros hoplitas de capa vermelha no centro de sua formação e tentavam imitá-los, pois ali estavam os protetores da Grécia. Parseides seguia junto com seus homens. Era impensável que um líder não caminhasse juntamente com seus homens. Ele erguia a espada com eles, matava junto deles, sujava-se do mesmo sangue deles e caía a seu lado se isso fosse necessário.

Parseides não era rei, não era nada além de um nobre de uma família menor em Esparta. Se obtivera renome fora por causa de sua integridade e submissão aos valores de sua cidade. Ele os seguia como uma lei que regia cada batida de seu coração. Assim ele marchava, com as leis espartanas ecoando em todo seu corpo cada vez que um pouco de seu sangue era bombeado e se movimentava.

- Esparta, onde você está? – perguntou a seus homens, rompendo o silêncio.

- Diante do inimigo! – responderam todos, concentrando suas energias em um pensamento que uniria todo o grupo.

- Esparta, onde você está? – gritou.

- Abrindo as portas de Hades! – bradaram os espartanos.

- Esparta, onde você está?

- Adubando a terra com o sangue de bárbaros!

Era assim que Parseides comandava seus homens desde que foram separados do restante do contingente espartano e forçados a se unir aquele grupo de coríntios e beócios. Eram homens acostumados com seu líder que marchavam para enfrentar os persas e viam aquele exército de bárbaros levantar poeira logo à frente. A cavalaria inimiga começava a entrar em formação e o ritmo dos passos do inimigo diminuía, enquanto seus grupos tentavam se organizar. Parseides teve vontade de olhar para Deméclio para saber quando ele daria o sinal para a cavalaria atuar, porém manteve os olhos fixos no inimigo e na marcha. Não mudaria a direção de seu olhar, pois aquilo quebraria sua concentração e a dos guerreiros menos treinados.

Ouviu o trotar dos cavalos. Um outro guerreiro respiraria aliviado por saber que seu general fizera o movimento correto. Parseides não. Ele nem elogiou o coríntio por fazer sua obrigação. Apenas desligou da mente um insulto polido que estava preparado para proferir antes que morresse em combate por causa daquela falha.

A cavalaria inimiga precisou se destacar do contingente do exército persa para fazer frente aos gregos. Aquilo apenas deixou mais confuso o estreitamento das fileiras, fazendo soldados menos treinados forçarem seus colegas para o lado enquanto os cavalos tentavam abrir passagem. Estavam próximos demais da área pedregosa e a confusão começou a se instaurar, justamente o que os gregos esperavam. Os espartanos aceleraram o passo forçando seus companheiros de outras cidades-estado fazerem o mesmo.

Parseides não viu como as duas cavalarias estavam se enfrentando, mas logo ouviu o som de cavalos relinchando e tinha certeza de que já havia animais no chão ou correndo sem seus cavalarianos. No entanto, aquilo não importava. A cavalaria era um mero detalhe. Um adendo para a importância dos hoplitas que Parseides liderava.

As lanças gregas entraram em posição de ataque, estendidas enquanto o exército se aproximava cada vez mais. Já era quase possível ver os rostos dos persas. Eles gritavam em várias línguas, com seus generais tentando reorganizar as fileiras. Havia nações entre eles, línguas, sangue e roupas tão variadas quanto as aves que povoavam o céu e as lanças gregas prometiam acabar com aquela variedade. Foi de repente que um grupo se destacou da confusão, reorganizando-se. Avançaram em carga organizada, movimentos tão cadenciados quanto aqueles que os espartanos produziam.

Parseides viu aqueles inimigos se aproximando e percebeu que havia um erro com o qual não contava. Os tebanos... Aqueles traidores malditos do sangue grego fariam frente a eles enquanto os persas se reorganizavam. Eles travariam todo o avanço. Era preciso pensar depressa, pois a poeira estava levantada, as armas apontadas e os corações gregos ferviam em fúria diante da muralha de escudo de Tebas. Eram escudos de traição. Que os deuses os amaldiçoassem!

Parseides fez os espartanos diminuírem o ritmo. Se se chocassem com os tebanos em formação, ficariam travados, enquanto os flancos se desorganizariam e os persas poderiam avançar e atacar. Uma ordem começou a ser passada pelas filas até chegar ao comandante espartano. Caberia a Esparta avançar e encontrar os tebanos. Sem questionar, pois não era o trabalho de um soldado, Parseides fez seus homens continuarem com o passo, mas não investiria contra os tebanos. Logo viu que estava se destacando das fileiras gregas, enquanto os outros grupos começavam a se deslocar. Apenas um bando de beócios que ele detinha sobre seu comando desde o recuo, havia seis dias, o acompanhavam.

A cavalaria começou a se movimentar e entrou no campo de visão de Parseides. Deméclio estava os deslocando para cobrir o flanco esquerdo com o caos da luta entre cavalos inimigos e gregos, enquanto concentraria toda a tropa no flanco direito. No meio, havia um vão em que os espartanos enfrentariam os tebanos. Maldição. Havia um erro grave naquela estratégia. A força espartana era muito pequena e ficaria obliterada. Olhou para o lado e viu Kalas marchando em silêncio; lembrou-se das palavras dele:

- Ainda acho que isso não é mais do que a história dos Trezentos se repetindo.

Que os deuses os abençoassem, mas a história não iria se repetir. Continuou a marcha, os rostos dos tebanos já estavam definidos. Pôde ver o comandante deles bem à frente. Conhecia aquela face, aquele escudo, aquele grito feroz. Lefteris o Maldito, era assim que o chamavam, um dos primeiros a propor a aliança de Tebas com a Pérsia.

- Espartanos, eu vejo traidores! O que faremos com eles?

- Cortaremos sua carne e os mandaremos para casa sobre seus escudos!

- Espartanos, por que faremos isso?

- Para que seus filhos não cometam o erro de trair os gregos!

Os gritos de guerra dos tebanos podiam ser ouvidos em toda sua intensidade. Não eram mais as línguas dos bárbaros, mas palavras que irmãos de sangue pronunciavam e usavam para se cumprimentar.

O suor brilhante podia ser visto escorrendo pelos pescoços e braços do inimigo. Não era mais aqueles corpos cobertos de tecido ou de pele escura, mas a pele de seus irmãos que seria rasgada por lança e espada.

Os olhos dos tebanos se fixaram em alvos gregos. Não eram mais olhos de muitas cores, variados formatos e brilhos dos bárbaros, mas o castanho e o negro que espelhava a imagem de guerreiros irmãos.

Armas foram seguradas com mais firmeza. Corações se endureceram para não tremer na batalha. Pedidos foram feitos aos deuses.

Então todos os espartanos pararam. Os beócios quase tropeçaram, mas Parseides já contava com isso. Que eles se atrapalhassem atrás das fileiras. Os tebanos estavam tão próximos que se assustaram com aquela parada repentina. Parseides viu Lefteris gritar para que continuassem o movimento e teve um sucesso parcial, mas a leve mudança de ritmo garantiu uma vantagem quando o som derradeiro foi feito. Foi o som do trovão. O trovão dos escudos se chocando acompanhado pelo relâmpago das lanças matando.

Os tebanos se arremessaram sobre fileiras cerradas dos espartanos. Naquele choque, os homens e Parseides pregaram seus pés na terra e impulsionaram suas lanças. Uma a uma elas se fincaram em carne viva, amassaram-se em escudos, inundaram-se de sangue e bronze, pedaços de carne e lascas de metal. Gritos de guerra, gritos de dor, ameaças aos inimigos e pedidos aos deuses disputavam os ouvidos dos homens e das divindades.

Parseides viu um homem falecer diante de si, quando passou a lança por uma fresta na defesa entre ele e seu amigo. Enfiou no abdome do tebano e forçou até que o inimigo cuspiu sangue por detrás do escudo e perdeu a força das pernas. Um outro se preparou para ocupar seu lugar, mas Parseides forçou um passo. Ao seu lado, Cleomedes o acompanhou. O novato quase tremia de excitação. Se por um lado tinha a certeza de ser protegido pelo escudo de Clion, tinha a responsabilidade pela vida de Parseides. Seguiu junto com ele, para tentar romper as fileiras. Foi um pouco lento demais.

Um tebano se adiantou com força e esse era Lefteris. Bastou um segundo de hesitação espartana para que o Maldito avançasse. Não tinha mais lança. Deixara-a enfiada no terceiro grego que matara. Jogou o escudo sobre Parseides e estocou com a espada curta de baixo para cima, quase passando pelo escudo. O espartano recuou para se defender e em um mero instante, a fileira tebana já estava cerrada mais uma vez. Sem xingar ou reclamar, Parseides começou a forçar o inimigo, olhos nos olhos com uma fera que seria difícil vencer.

Clion deteve um ataque que poderia ter atingido o pescoço de Cleomedes. A hesitação do novato fora quase mortal. Uma lança tebana não o atingiu por causa do escudo amigo que a interceptou.

- Força, espartano! – gritou uma palavra de incentivo para fazê-lo se concentrar e se esquecer da falha. Não era o momento de se culpar por falhas. Uma flecha solitária voou sobre as fileiras, vinda do nada, e atingiu um homem atrás de Cleomedes. Ele sentiu o sangue quente bater-lhe no pescoço. Respirou profundamente e orou para que seu coração não tremesse. Não, não seria um daqueles que tremem.

- Força, Esparta! – gritou Cleomedes, golpeando com a lança e forçando o escudo para frente, tentando pressionar o tebano. A seu lado, Parseides tinha olhos apenas para Lefteris. O Maldito ocupava toda a atenção do comandante.

Cleomedes sentiu quando finalmente conseguiu fazer sua lança mergulhar nas tripas do inimigo. O soldado cedeu e caiu. O jovem espartano tentou forçar-se para frente, mas o escudo de Clion barrou seu caminho, um movimento proposital. A espada de Lefteris cruzou o ar e bateu no escudo do novato. Mais um pouco a acertaria seu corpo. Um tebano ocupou a posição do guerreiro tombado. Cleomedes sentiu o sangue quente escorrendo pela lança e molhando sua mão. Voltou a usar sua força para empurrar o inimigo.

O novato imaginava que não suportaria mais quando então aconteceu. Kalas gritou e o grito de Kalas era o grito de Ares, era a agonia de Atena, era o suplício de Prometeu.