FELIZ NATAL, BENJAMIN.

‘Acreditamos no futuro porque acreditamos no homem e em seus ideais.’

Mensagem de Natal.

Para as crianças que já tiveram ou estão passando por um triste natal.

Silêncio, silêncio e silêncio. Se tivéssemos que resumir aquela véspera de natal de Benjamin em uma palavra, com certeza essa palavra seria o silêncio.

Todos na rua de Benjamin, todos no bairro de Benjamin, toda a cidade, todo o estado, todo o país e todo o planeta comemoravam aquela data tão especial e alegre, menos Benjamin.

Benjamin tinha vinte e nove anos, era gordo com cabelos ralos e com uma aparência não muito desejável. Morava em um apartamento de dois cômodos sozinho e, apesar de ser véspera de natal, o apartamento não contava com nenhuma decoração: nada de guirlandas, miniaturas de renas e papai Noel, nenhuma meia ou sapatinho, nem presépio e muito menos uma árvore, enquanto os outros apartamentos poderiam ser reconhecidos como os mais enfeitados daquela região.

O plano de Benjamin era o seguinte: abrir a geladeira por volta de oito horas da noite, pegar umas cervejas, assaltar uns salgadinhos na dispensa e esparramar tudo pelo sofá e ir dormir às dez horas, claro, sem esperar nenhum presente. O leitor pode estar se perguntando se Benjamin não tinha parentes, a resposta é sim, claro que ele tinha, mas Benjamin era daquelas pessoas que guardam mágoas facilmente, e isso já explica muita coisa. E ele não se importava. Não se importava em ouvir os vizinhos de prédio festejando. Não se importava com os sorrisos, nem com o beijo dos amantes e muito menos com aquele clima mágico que o natal trazia. Não se importava. Pelo menos era isso que Benjamin dizia para si mesmo. Apenas tenho que dizer ao leitor que o natal era a época do ano que Benjamin menos gostava. O natal o fazia lembrar que perdera todas as pessoas que já amara na vida. Sua mãe falecera quando tinha doze anos, e seu pai era um viciado em bebidas como vodca e cachaça. Benjamin não notava, mas sempre que esses pensamentos surgiam em sua mente, deixava lágrimas caírem.

Um apartamento escuro e iluminado pelas luzes dos outros prédios. Um apartamento triste iluminado pela alegria das outras pessoas. Em caso de paixões, Benjamin não se achava atraente o bastante para fazer uma mulher se apaixonar por ele. As mulheres queriam homens belos e altos, magros, simpáticos, atléticos e saudáveis, que lavavam, cozinhavam e levavam café da manhã na cama. As últimas três qualidades, Benjamin poderia fazer sem esforço, já estava acostumado a fazer isso, menos levar café da manhã para uma bela moça. Benjamin já se apaixonara uma vez e não gostava nem de lembrar do que acontecera. Uma batida na porta o fez voltar ao presente. Olhou no relógio e viu que já eram dez horas. Atenderia a porta e iria direto para a cama.

Na rua, um coral formado por crianças começou a cantar "Bate o Sino" com o som das palmas dos moradores do bairro. Ao abrir a porta, Benjamin se deparou com um homem alto, de olhos azuis, com os cabelos cacheados e loiros até a altura dos ombros, com um suéter azul com o desenho de uma rena bordado com linha vermelha.

- Feliz natal Benjamin!

- Como você sabe o meu nome?

- É natal, homem! Todos nós sentimos uma magia no ar que nos faz saber os nomes de todos.- Ao dizer isso, o homem já adentrara o apartamento, Benjamin até ameaçou dizer algo, mas parou no meio da frase devido à energia do rapaz.- Você não sente essa...essa...essa magia?

- Honestamente...

- Sei que você sente! Todos sentem! Diga uma pessoa que não sente...- O homem foi até o sofá e sentou colocando as pernas sobre uma mesinha de centro.-...e eu digo que ela está morta por dentro. Uau! Quantos salgadinhos! Posso pegar um? - Benjamin nem deu permissão e o homem já abrira um pacote e se deliciava. - Nossa, que gosto bom! Você tem bom gosto, Benjamin!

- Sinto muito em dizer isso. Mas eu não o conheço e já estava indo dormir e...

- Indo dormir nesse horário na véspera de natal!? Mas que absurdo! Isso é uma afronta à toda a humanidade que celebra essa noite tão especial! – Essas últimas frases o homem disse de boca cheia, pois já deliciava-se com os salgadinhos.

- É que eu nunca gostei do natal, e...

- Como assim:"Nunca gostei do natal"?! - Nessa parte o homem fez uma imitação estilizada de Benjamin. - Você só pode estar brincando! - O homem, de repente, fez uma careta estranha e colocou o dedo indicador no queixo, como se estivesse fazendo uma teoria com os seus botões. E definiti... - Já sei! Isso é uma pegadinha! Onde estão as câmeras? - O homem começou a procurar por câmeras inimaginárias pelo apartamento.

- Não tem nenhuma câmera aqui!

- Onde estão os enfeites? A árvore? As luzes?

- Eu não tenho nada disso! - Benjamin já estava começando a perder a paciência. O homem parou um momento e ficou encarando Benjamin.

- Você não gosta do natal para valer, não é?

- É isso o que estou tentando falar para você! Eu odeio essa época do ano!

- Por quê?

- Eu não tenho motivos para odiar o natal! Eu simplesmente não gosto dele.

- Ora, Benjamin, ninguém não gosta de alguma coisa sem um motivo. O que aconteceu com você?

- Não interessa!

- Você está ficando nervoso, Benjamin? - Benjamin abriu a porta e fez com que o homem entendesse que o queria fora dali. - Eu sei que você me quer fora daqui. Que você quer ir para a cama e tal, mas eu tenho uma proposta.

- E qual é?

- Me deixe dar o seu primeiro alegre natal.

- E como você vai fazer isso? - O homem olhou tão profundamente para os olhos de Benjamin, que ele sentiu que o rapaz poderia ver sua alma pelos seus olhos, depois foi até o meio do apartamento estalou os dedos, uma luz muita forte surgiu de suas mãos e envolveu todo o local com uma força quase divina. A televisão foi envolvida pela luz e se transformou em uma lareira linda com chamas belas, os salgadinhos voaram para a lareira e se transformaram em meias grandes e belas. As janelas ganharam cortinas brancas novas com bordados de sinos dourados. As latas de cerveja se transformaram em bolas natalinas e, do meio da luz surgiu uma belíssima árvore de natal com luzes brilhantes e coloridas e as latin...quer dizer, as bolinhas levitaram até a árvore e instalaram-se com leveza e com uma bela distribuição. Em menos de um minuto, todo o apartamento estava transformado. Ninguém poderia dizer que aquilo não era um local que idolatrava o natal.

- Meu Deus...o que você é? - Benjamin tremia enquanto o homem sorria com gosto.

- O meu nome é Gabriel, Benjamin. - Benjamin não sabia se ria ou chorava, na verdade, ele estava completamente paralisado. Aquele cenário era surreal e como ele surgiu mostrava que acontecimentos estranhos ocorriam pelo mundo inteiro e que algumas situações (Benjamin chegou a essa conclusão após procurar razões óbvias para tudo aquilo.) não precisavam e nem deveriam ter uma explicação humana. - Você com certeza está querendo respostas e eu vou dá-las a medida que o tempo passar. - Gabriel foi até a porta e parou ali com uma forma elegante e teatral. - Mas, agora...temos que sair.

- Sair para onde?

- Como assim para onde?! Temos que comprar os presentes.

- Presentes?! E onde você pretende comprar presentes?! São dez e meia da noite, é véspera de natal e ao que me consta, está tudo fechado! E tem mais, eu não preciso comprar presentes...não tenho ninguém para presentear.

- Acredite, Benjamin: as coisas vão mudar um pouco por aqui. Siga-me.

Benjamin exitou no primeiro momento, mas Gabriel desceu as escadas com tanto entusiasmo...e ainda,gritou:

- E ainda tem mais, Benjamin: tem uma surpresa aqui para você! - Benjamin o seguiu, nem os adultos conseguem resistir a uma surpresa.

Gabriel abriu o portão principal do prédio com o som de suas duas palmas e logo após, a mente de Benjamin entrou em um turbilhão de sentimentos. Sua garganta secou e ele sentiu uma leve tontura; o que via era inacreditável. O chão estava completamente branco e do céu caíam flocos cristalinos de gelo...Estava nevando em São Paulo.

- Bonito, não? Posso ver neve o tempo todo que mesmo assim jamais fico enjoado de sentir esses pedacinhos de gelo pelo corpo. - E dizendo isso, Gabriel abaixou e pegou um pouco de neve com as mãos.

- Meu Deus...é inacreditável... - Benjamin virou o rosto para o alto e um floco de neve entrou em sua boca, queimando a sua língua. - Ai! E então...para onde vamos?

- Para o táxi. Miguel, você já chegou!

Parado com o corpo encostado no carro estava um homem não muito diferente de Gabriel: tinha os cabelos louros até a altura dos ombros e era um pouco mais alto que Benjamin. Miguel esticou o braço e deu um aperto tão forte na mão de Benjamin que seus dedos ficaram vermelhos.

- Prazer em conhecê-lo, Benjamin. Ouvi falar bastante de você. Por favor - Miguel tinha aberto a porta traseira do táxi. - entre e sinta-se em casa.

- Obrigado. - Benjamin entrou e imediatamente seu coração saltou pela boca. No banco traseiro, especialmente enfeitado, estavam os brinquedos que Benjamin mais gostou de ganhar quando era pequeno: um carrinho que batia e amassava, depois desamassava; uma caixa com miniaturas de um aeroporto com avião e tudo e um campo de futebol.

- Meu Deus... – Benjamin não agüentou e chorou. De saudade. De felicidade ao lembrar de quando abriu aqueles presentes quando ainda era uma criança esperançosa e não um adulto cético. E ainda reconheceu que o pano que cobria o banco do carro era igual a toalha de cozinha que sua mãe mais gostava de usar naquela mesa da cozinha redonda. Meu Deus...Quem são vocês?

Mas Miguel e Gabriel não responderam, apenas conversaram.

- E aí, Miguel, muito trabalho hoje?

- Só o de sempre.

Com todos no carro, partiram em baixo da tempestade de neve que caía sem parar.

A avenida estranhamente vazia. Era como se os moradores daquele bairro tão movimentado estivessem dormindo para esperar a chegada do Papai Noel.

- Para onde estamos indo? - Insistiu Benjamin com o olhar fixo em Gabriel, esperando pela resposta.

- Estamos indo para um local que você já conhece.

- Para comprar os presentes?

- Exatamente.

Após alguns minutos escutando músicas natalinas no rádio do táxi como "White Christmas" de Elvis Presley (e Miguel cantava junto com o rei entusiasmadíssimo.), estacionaram na frente de uma loja perdida no meio das grandes lojas de departamentos daquela rua. O letreiro da loja dizia apenas:

"Guirlandas"

Benjamin identificou o local como uma loja prestes a falir.

- Chegamos. Vá até lá, Benjamin.

- O quê? A loja está fechada. - E aparentava mesmo. As luzes estavam apagadas e um cartaz na porta informava que o local estava fechado. - E além do mais, eu estou sem dinheiro.

- Nessa parte da cidade, dinheiro não conta muita coisa, rapaz. - Miguel disse isso enquanto comia um cachorro quente suculento.

- Mas a loja está fechada...E como você conseguiu um cachorro quente?

- Não liga para o Miguel, Benjamin. Apenas entre na loja. Ela não está fechada para você.

- Ai, hum...Que cachorro quente gostoso!

Benjamin olhou para Miguel e ficou com fome. Gabriel o fitou com um olhar tão decidido que a única reação de Benjamin foi pular para fora do carro. Ao bater a porta do táxi, Benjamin sentiu o frio da neve paulistana. Olhou para trás e viu Gabriel apontar para a loja. Hesitou um pouco, apenas um pouco porque o frio estava muito forte agora e Benjamin usava apenas camiseta regatas e shorts. Estava acostumado com o verão na época de natal e não com neve.

Foi até a loja e ao levantar o punho fechado para bater na porta, esta se abriu. Agora hesitando para valer, mesmo com o frio, Benjamin colocou pé ante pé na loja e entrou vagarosamente.

- Alô? Tem alguém aqui?

Se Benjamin não conhecesse o seu bairro como conhecia, pois nunca ia mais longe do que ir ao centro, poderia jurar que acontecera uma guerra por ali e a loja parecia ter sido um alvo.

As gôndolas cheias de poeira e o balcão com alguns vidros trincados guardando globos de neve com papais ‘Noéis’ ao meio com renas puxando seu trenó. Bem ao fundo da loja, uma estátua de papai Noel muito empoeirada sorria simpaticamente. Benjamin caminhou até ela com descontração e deu um tapa no ombro do bom velhinho para tirar um pouco da poeira.

- Você está mesmo ultrapassado, hem? Mofando dentro de uma loja esquecida...Eu vou para casa.

- Tão cedo?

- Filho da p...! - Benjamin quase caiu no chão com o susto. A estátua acabara de falar com ele. - Você fala?

- Ho-ho-ho! Claro que falo, meu filho.

- Mas você é uma estátua, não?

- Às vezes, sim. Tudo depende do ponto de vista das pessoas. - O Papai Noel desceu do pedestal com a ajuda de Benjamin e andou em direção ao balcão. - Algumas pessoas me vêem apenas como uma alegoria, como um enfeite de natal. E para essas pessoas, eu sou uma estátua.

- Você não está querendo dizer que você é o verdadeiro Papai Noel, não é?

- E por que eu não seria?

- Porque é loucura! Papai Noel não existe!

- Assim como Miguel e Gabriel?

- Mas... - Benjamin procurava uma argumentação, mas não a encontrou. O melhor que conseguiu falar foi: - Impossível.

O Papai Noel bateu as palmas das mãos, assim como Gabriel havia feito no apartamento e um pó cor dourado envolveu toda a loja. As gôndolas cheias de poeira e tortas se endireitaram e ficaram brilhando como novas. A parede gasta e desbotada ganhou novas cores em tons vermelhos e verdes. (Inclusive apagando uma pichação dizendo: "Morra, Papai Noel!" com um desenho satirizado do bom velhinho com os olhos em X e com uma poça de sangue ao lado do seu corpo caído.) Enfeites natalinos surgiram no balcão que ganhou novos vidros belos e resistentes e os globos de neve com papais ‘noéis’ ficaram dispostos em fila indiana com toalhas douradas por baixo e o antigo lugar sem luz e feio, brilhava como nunca com suas luzes douradas e uma bela árvore de natal, talvez a mais bela árvore de natal que Benjamin já vira depois da árvore que Gabriel fez aparecer em sua casa. Benjamin pôde reparar que vários doces estavam espalhados pelas gôndolas: doces-de-leite, barras de chocolate, trufas de vários sabores (sendo uma intitulada "Sabor de Natal” que fez com que Benjamin ficasse com água na boca.) e vários panetones. Benjamin estava tão impressionado que nem reparou que uma parte do pó caiu em seu nariz e este, ficou como o nariz do Rudolf, uma das renas do Papai Noel. Benjamin só viu quando a sua imagem parou na bolinha de natal na árvore e assustou novamente.

- Ho-ho-ho! Calma, Benjamin. Para isso dá-se um jeito. - E o bom velhinho jogou mais um pouco de pó sobre o seu nariz que brilhou como nunca e depois voltou a ficar normal. - Prontinho.

- Isso só pode ser um sonho. - Benjamin estava vislumbrado com aquela visão. - Esse é um daqueles sonhos esquisitos em que tudo parece incrivelmente real, mas não é. - Benjamin fechou os olhos e murmurou "Isso é um sonho”, enquanto formava uma careta estranha. - Ai! Não precisava me beliscar!

- Ho-ho-ho! Mas isso prova que você não está sonhando, Benjamin.

- Como você sabe o meu nome? O que está acontecendo?

- Você veio até aqui comprar o seu presente, certo? - Benjamin apenas conseguiu balançar a cabeça positivamente. Na verdade, ele queria gritar, abrir a porta e sair correndo rua afora o mais rápido possível. Voltar para o seu apartamento, onde voltaria a deitar em sua cama em paz. - Então, o que estamos esperando? - O Papai Noel foi para trás do balcão que tinha exposto gorrinhos de papai Noel por cima dos globos de neve e abaixou murmurando "vejamos" e logo,levantou de trás dos vidros resistentes com uma caixa nas mãos que lembrava muito um porta-retrato. - Isso deve servir.

- E o que é isso?

- Isto, é o meu presente para você. - Papai Noel colocou a caixa em cima do balcão e empurrou-a na direção de Benjamin. - Feliz natal.

Benjamin exitou no primeiro momento, pensou que, caso aceitasse aquele presente, estaria entrando na onda daquelas pessoas. Aí, se lembrou que já tinha seguido Gabriel pelas escadas, passeado no táxi de Miguel e entrado na loja do Papai Noel. Querendo ou não, já fazia parte do que quer que fosse.

Ao pegar a caixa, Benjamin sentiu uma força atravessar suas mãos e chegar ao seu corpo, sentiu uma momentânea felicidade, mas ao abrir a caixa, a felicidade foi embora da mesma forma que chegou: inesperada e rapidamente. Dentro havia uma caneta cor-pérola e uma folha marrom.

- Mas o que é isso?

- O seu presente, filho.

- Uma caneta e um papel velho?

- Exatamente.

- É. Provavelmente deve ser o que eu mereço. E onde eu posso colocar outros presentes? Nessa cesta aqui?...Muito bem...O que vou levar?...Essa trufa aqui parece ser gostosa.

- Não, não. O seu presente é esse, Benjamin.

- Mas o Gabriel me disse que eu precisava comprar outros presentes.

- Mas o Gabriel...não contava com o coração do bom velhinho. - O Papai Noel chegou bem perto de Benjamin para falar bem perto de seu ouvido. - Diferente do que as pessoas acreditam, eu não cobro pelos meus serviços.

- Não, mas eu preci...

- O seu presente está aí, filho.Com a caneta você vai transformar uma vida hoje e com o papel irá salvar a vida de muitas pessoas. - E essa última frase, Papai Noel animou-a com movimentos teatrais.

- O que você está querendo dizer?

- Você irá entender na hora certa, Benjamin. Agora se apresse que os meninos estão esperando.

Quando Benjamin entrou no carro, uma luz azulada tomou conta da loja como uma inundação.

A neve continuava a deixar a cidade de São Paulo incrivelmente surreal na visão de Benjamin. Ele notou também que as ruas, mesmo tão movimentadas nos dias normais, continuavam sem um único ser vivo. (A não ser um cachorro que patinava pelo lago congelado do Ibirapuera). Gabriel e Miguel conversavam sobre situações que Benjamin não podia compreender e talvez nem devesse.

Quando chegaram na entrada de uma ponte conhecida como "Viaduto do Chá", Gabriel e Miguel trocaram olhares e em outro instante desapareceram. Sem mais, nem menos. Simplesmente desapareceram deixando o carro sem motorista e em movimento. Antes que Benjamin pudesse exclamar, deu um pulo para o banco do motorista e se viu ao volante. Sem entender nada e com o susto, o único pensamento de Benjamin foi pisar no freio, o que fez o carro girar uma vez sobre a neve e parar em sentido contrário. A sorte é que o táxi de Miguel parecia ser o único carro em toda a cidade, se não, com certeza, o acidente teria sido feio.

Benjamin ainda suspirava profundamente e murmurava palavrões quando viu a primeira pessoa naquela noite que não parecia ter saído de um conto de fadas. No parapeito do viaduto, uma mulher preparava-se para o suicídio. Cabelos longos e loiros, olhos azuis e um belo corpo. Benjamin se perguntou o que uma mulher tão bela e atraente como ela estaria fazendo ali, sozinha na véspera de natal. Se Benjamin fosse assim, e isso eu digo à você leitor porque o conheço, jamais pensaria em cometer tal barbárie.

Benjamin abriu a porta do táxi e colocou os pés sobre a neve que continuava a cair linda e levemente.

- Moça, está tudo bem?

-...Eu estou em cima de um viaduto na véspera de natal com lágrimas nos olhos e sozinha...Pareço estar bem para você?

- Bem, considerando alguns natais que tive, até poderia estar.

- Volte para casa...Quero ficar sozinha...

Benjamin pôde notar que a mulher olhava para o céu noturno e vislumbrava-o com ternura. Logo, o céu tão débil e poluído de São Paulo.

- Qual o seu nome?

- Já disse que quero ficar sozinha.

- Apenas...Apenas vou fazer duas perguntas e queria muito que você respondesse, depois disso eu vou embora, prometo. - A mulher não respondeu. Um longo silêncio se fez. Um silêncio apenas cortado pelos soluços sofridos da moça e pelos flocos de neve caindo. - Como você se chama?

- Virgínia.

- Bonito nome...Sempre gostei desse nome...Virgínia...

- Faça logo a sua próxima pergunta e me deixe em paz. - Apesar do leitor concordar comigo que essa frase é arrogante, o leitor precisa saber que Benjamin deixou uma lágrima cair ao ouvi-la. A voz não tinha um tom arrogante. Tinha um tom de sofrimento.

- Virgínia, eu estou aqui pensando...O que uma mulher como você está fazendo aqui?

- Como assim, uma mulher como eu?

- Quero dizer, hoje é véspera de natal e estão todos comemorando...e você é uma moça tão bela. Você deveria ser feliz.

- Deixa-me ver se entendi isso direito: Você acha que eu deveria ser feliz porque sou bela?

-...Sim.

- E você acha que beleza é sinônimo de felicidade?

- Na maioria dos casos... - Virgínia começou a gargalhar e Benjamin se assustou.

- Você dever ser muito tolo! E eu não sou a maioria! Do que adianta ser bela, se não se tem amor. - E essa reflexão surgiu na mente de Benjamin: Não era a beleza que faltava...Era o amor. Esse era o segredo para a felicidade. - Trocaria a minha beleza pelo mais sincero amor.

- O que aconteceu?

- Você disse que faria apenas duas perguntas.

- Posso pedir essa de presente de natal? - O sorriso de Virgínia dessa vez não assustou Benjamin. - Por favor?

- Às vezes, a diferença entre a felicidade e a depressão está em um beijo. - E foi tudo o que ela disse. O leitor pode imaginar o que aconteceu assim como Benjamin o fez. Mais um longo silêncio se fez, até que... - Se cuida...Adeus.

- Não! Ainda, não! Por favor. - Virgínia acabara de se preparar para atirar-se de cima do viaduto e ao ouvir Benjamin, recuou. - Espere um pouco...Você me deu um presente de natal ao contar o que aconteceu...Agora é a minha vez. Faça o seu pedido. - Mais um longo silêncio. O sorriso no rosto de Benjamin foi desaparecendo gradualmente até se transformar em aflição. Virgínia suspirou profundamente.

- Sabe...o que eu queria nesse exato momento, você não pode me dar...Ninguém pode.

- Não custa nada tentar...Faça.

- O que...o que eu realmente queria nesse momento era ver o céu com o máximo de estrelas possíveis e ver alguns planetas também. Principalmente Júpiter com suas luas. - Benjamin deixou transparecer no rosto o que estava sentindo naquele momento: desapontamento. - Vê, ninguém pode me dar isso.

Benjamin sentia o coração pulando pela garganta quando teve uma idéia.

- Na verdade, eu acho que posso dar isso a você.

-...Como?

- Eu... - Benjamin se sentiu nervoso ao ver a expressão cética no rosto de Virgínia. -...Vamos dizer que eu tive um encontro com o Papai Noel.

- Com o Papai Noel?

- É...e alguns anjos também. Na verdade, dois anjos: Miguel e Gabriel. - Benjamin nunca ficou tão sem graça e empolgado ao mesmo tempo em toda a sua vida quando levou a mão ao bolso e tirou a caixa que parecia um porta-retrato. E se o plano desse errado? Como ficaria?

- Você é um louco! Ou está bêbado. Foi por isso que quase bateu?

- Acredite, eu disse a mim mesmo que estava louco ou bêbado. E a história do carro é um pouco longa demais para o momento. - Benjamin abriu a caixa e tirou a caneta lá e deixou o papel apoiado no fundo da caixa. Seus nervos disparados e seu coração pulsando como nunca. - Você pode fechar os olhos?

- Bela tentativa, mas esse truque é velho. Você pede para eu fechar os olhos e aí eu fecho e você me tira daqui. Depois chama a polícia.

- Não, eu não vou fazer nada disso.

- Acredito...

- É sério. Eu peço que confie em mim...Por favor.

Virgínia exitou e os dois trocaram olhares por alguns segundos. Depois, a bela moça fechou os olhos suavemente e Benjamin começou a desenhar no papel marrom. Após minutos esperados impacientemente por Virgínia...

- Pode abrir os olhos e...procure o céu.

Virgínia virou a cabeça para cima e abriu os seus olhos como os fechou anteriormente: bem devagar. E quase não acreditou no que viu.

O céu de um negro maravilhoso com uma lua prateada e cheia, a lua mais cheia que qualquer um já viu.(Dava para contar as crateras). As estrelas não se sentiam mais solitárias e sim, agora, formavam constelações inteiras e visíveis com seu brilho quase absurdo. Os planetas podiam ser vistos sem dificuldade: Vênus, Marte, Netuno, Saturno com os seus anéis e principalmente Júpiter e suas luas galileanas: Io, Europa, Callisto e Ganimedes e as menores podiam ser vistas como pontinhos brancos de algodão.

- Eu não acredito... - Virgínia desceu do parapeito como que guiada por forças estrelares e andou até onde Benjamin estava. - Impossível...

- Espero que você tenha gostado... - E foi nesse momento que aconteceu, Virgínia beijou Benjamin.

- Às vezes a diferença entre a felicidade e a depressão está em um beijo. - E após carinhos e beijos, os dois entraram no táxi onde a neve continuava a cair. O que eles não viram, é que um visgo estava preso no alto da ponte, bem em cima de onde os dois estavam.

Virgínia dormia na cama de Benjamin. O lençol envolvia o seu corpo e Benjamin olhava para ela com carinho e pela primeira vez na sua vida sentia-se completamente feliz.

- Oi, Benjamin.

- Mas o q...! Que susto, Gabriel! Você quase me mata do coração!

- Não, o seu coração está muito bem no momento. Quando chegar aos quarenta que você deve se preocupar.

- Que coisa legal de se dizer na véspera de natal.

- Ora, Benjamin, ninguém que se empanturra de frango frito todas as noites sobrevive muito tempo. - Gabriel e Benjamin sorriam. - E então, como você está se sentindo?

-...Completo.

- Que bom.

- Eu não sei como agradecer. Ah, o táxi do Miguel está na porta.

- Tudo bem, ele já cuidou disso. E você não tem que agradecer.

- E pensar que eu achava que a felicidade estava ligada com a beleza.

- Muita gente acha.

- Gabriel, o velhinho da loja era mesmo o Papai Noel, não?

- O que você acha?

-...Incrível.

- Deixa-me ver o desenho original. - Gabriel pegou o papel marrom e viu o mesmo desenho que Virgínia vira no céu. - Lindo...Realmente magnífico.

- Obrigado. Eu só não entendi uma coisa: na loja, o Papai Noel disse que eu iria transformar a vida de muitas pessoas. Eu apenas ajudei à Virgínia e a mim mesmo.

- Você que pensa, meu amigo. O céu da noite de natal guarda muitos segredos. Nunca ouviu falar da Estrela de Belém?

- Já, claro. Quem nunca ouviu falar na Estre...Espera um momento: você não está querendo dizer que a Estrela de Belém foi feita nesse papel, não é?

- Sim.

- Meu Deus...Isso quer dizer que...

- Não. Nenhum salvador nasceu hoje. A não ser que queiramos. O céu apenas ajuda as pessoas que estão perdidas. E você, Benjamin, salvou muitas vidas hoje. Cada estrela cadente que alguém perdido vê no céu já coloca a pessoa de volta ao caminho. Esse é o milagre da véspera de natal.

Uma buzina tocou e na janela do apartamento, flutuando como uma nuvem, o táxi de Miguel apareceu.

- Vamos, Gabriel.

- Estou indo.

Gabriel abriu a janela e voou até o carro, revelando pela primeira vez suas asas brancas como algodão. Mas ao entrar no carro, bateu a cabeça no teto do automóvel.

- Ho-ho-ho!

- Papai Noel! - Exclamou Benjamin com admiração.

- Ele ri porque não foi com ele. – Comentou Gabriel com a mão sobre a cabeça.

- Pessoal... - Benjamin pôde ver Miguel ao volante, Gabriel que acabara de sentar no banco do carona e Papai Noel no banco traseiro. - Obrigado por tudo.

- Oh, quase ia me esquecendo. - Papai Noel tirou dois embrulhos do porta-malas do táxi.

- Um para você e outro para a sua amada. Feliz natal!

- Obrigado.

- Até mais, Benjamin. Agora temos que começar a entregar os presentes.

- Boa sorte com tudo.

Um telefone tocou e Benjamin olhou para casa, mas não era o dele. Quando voltou os olhos para o táxi o Papai Noel estava falando no celular enquanto o táxi partia:

- Oh, Mamãe Noel. Também te amo. Tchau, Benjamin. Feliz Natal!

- Feliz natal, Benjamin.

- Se cuida!

- Tchau, feliz natal!

O táxi já estava sendo banhado pela lua quando Virgínia apareceu à janela.

- Meu Deus. Você não vai me dizer que estava conversando com o...

- Papai Noel. E ele deixou um presente para você. Feliz natal.

F I M.

Sérgio Siverly
Enviado por Sérgio Siverly em 18/12/2010
Reeditado em 26/10/2012
Código do texto: T2678919
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