Fragmentos I

Alguns te procurarão. Outros não. Não importa se são felizes. Agarram-se ao pouco que têm diante dos olhos e das mãos. Cada um segura o que lhe surge adiante, como um esquilo agarrando uma noz entre as patas. Quantas vezes tu te aceitaste satisfeito dentro da própria insatisfação e seguraste com as mãos, como um esquilo, qualquer pedaço de pão, apenas para não te sentires vazio demais? No desconhecimento das dez mil possibilidades, contentaste-te com uma pouca, vaga tristeza, desde que isto te trouxesse breve proveito, um benefício, uma vantagem qualquer. Noutras vezes pressentiste os variados caminhos e ainda assim mantiveste-te afastado da dor. Aceitas uma dor menor apenas por que supões não suportar a dor real. E nasceste tão dolorosamente. Mas com que pressa esqueceste. E nem conheceste ainda a dor do fim. E eu, que te amo tanto e que tanto necessito de ti, me vejo na triste missão de ter que te apresentar o mal, te dar a conhecer a dor.

- Olha, amiga, isto é o mal!

- Prazer!...

- Prazer é meu...

Pouco resta das maravilhas antigas. E talvez a única maravilha real sejas tu. Tu e a rosa vermelha que eu trago agora diante dos meus olhos. Lembro-me de meu pai, da época em que morreu. Nenhuma lágrima, total silêncio. Devoção. Hoje, às vezes elas brotam atoa, seguidamente. Não há porque detê-las nem porque me envergonhar delas. Simplesmente vêm aos olhos e escorrem, naturais como gotículas de chuva batendo num vidro de janela. Eu apenas sinto quando elas chegam e partem. Não procuro retê-las nem incentivá-las. Percebo que elas vão e vem como um trem chegando e saindo de uma estação.

Muitos partiram. Muitos partirão e deixarão em nós as suas marcas. Não choro a dor da morte. Talvez queira apenas cantar uma aleluia. São lágrimas de amor implantado, de presença

...(fumaça de cigarro antigo ardendo olhos infantis, às vezes renasce em mim. E eu sentado sobre pernas, balançando e ouvindo: “Bão, balalão, Senhor Capitão, tirai este peso do ...”

De noite, deitado com a cabeça no teu braço, povoado de nuvens de suaves estórias...)

São poderosas as lembranças, puro mistério. Não sei se sou feliz ou se saberia sê-lo. Apenas sigo. Vou. Sou, seguindo. Algumas vezes olho para trás. Noutras, concentro minha atenção no momento límpido, puro e presente. Amanhã ninguém sabe. Sinto que poderia te amar ainda mais, por muitos anos, deitar-me com você, dividir, te dizer algo: conheci uma mulher que vivia em altos e baixos. Durante o tempo de nossa convivência, na maior parte das vezes, apresentava-se triste, depressiva. Sentia-se partida entre momentos de euforia intensa e semanas inteiras de melancolia e desespero. Internavam-na em hospitais. Pensamentos de morte eram o seu natural. Nada do que dissesses adiantaria muito. Muitas vezes ela até se disfarçava em alegria durante algum tempo. Depois nascia outra verdade, como o sol radiante de uma manhã qualquer. Tristeza, depressão, idéias de morte.

Sentes a fúria das águas ? Porque não percebes a força das águas, das nossas lágrimas reunidas se fazendo rios e mares e oceanos ? Tantas vezes elas são turvas, as lágrimas.

Faltava nesta mulher, talvez, o elemento masculino do desejo, que tantas vezes faz com que o desejo seja maior que o medo e a dor e o sentido das coisas.