A Lenda de Valomá - 1. Gênese - 1.1 A união do Sol e da Lua

No principio não havia nada além do dia e da noite e o único som produzido no mundo de Valomá era o do vento levantando as vastas imensidões de areia. Então o Sol, cansado da sua eterna solidão, num dos seus infinitos finais de tarde, resolveu prestar atenção pela primeira vez a Lua e se apaixonou por ela. No dia seguinte, assim que o manto da noite deixou Valomá, como sempre acontecia desde tempos idos, com o surgimento da aurora, o Sol novamente tornou a ver a lua e lhe recitou o seguinte poema:

Por que foges de mim? Pálida senhora...

E por que sempre a minha chegada é tua partida?

Não tenhas medo, eu não sou um bruto

O meu calor não destrói e sim dá vida.

Por que tens essa fronte assim serena?

Que não me sai da mente um só segundo

Esse olhar Lívido e tão distante

Olhos deslumbrantes, tristes e profundos.

E assim que terminou de recitar esses primeiros versos, o Sol voltou-se para a terra de Valomá e ali criou as primeiras formas de vida. Criou milhares de tipos diferentes de flores, criou as grandes florestas, os rios, e os animais. Portanto, a vida em Valomá começou da inspiração poética e do amor, pois toda beleza que o Sol criava era somente para ser apreciada pela Lua, para que tornasse alegre a sua fronte melancólica. Mas antes que o Sol pudesse dirigir-se mais uma vez para a sua amada, ela foi embora sem ao menos lhe direcionar um olhar. Durante todo aquele dia o Sol permaneceu em profunda tristeza. Então, de repente, o dia que sempre foi claro, escureceu e se encheu de nuvens. Foi então que surgiu uma nova entidade, Storm, o Senhor das grandes tormentas, nascido da amargura e do desespero do Sol que naquele dia pela primeira vez chorou o seu pranto de amor ferido.

Com a aproximação do final da tarde Storm dispersou as suas nuvens nervosas e os poderosos estrondos dos trovões silenciaram-se, então novamente o Sol teve diante de si a sua amada que ficou deslumbrada com o imenso jardim que o seu admirador havia lhe ofertado. Após contemplar toda aquela beleza, a Lua pela primeira vez olhou para o Sol, porém, enigmática como era, imediatamente mudou a direção do olhar e o Sol teve que partir mais uma vez para a sua morada, sem saber se de fato tinha despertado o interesse da musa por ele.

No encontro seguinte, acreditando no seu progresso, o Sol trouxe o seguinte poema para a Lua, o qual recitou com voz estridente, fazendo a terra de Valomá tremer a cada sílaba cantada:

Eu sou a Luz da verdade

Eu sou o dia

Sou o arauto da liberdade

Eu sou o Sol.

Sou a esperança que nasce

A alegria

A força da poesia

Eu sou o Sol.

Oh Lua! O que devo fazer

Para ter de você um sorriso?

Para que bem possa me querer

Aquela a quem ofereci o paraíso

Eu te dei as densas e frescas florestas

Dei os calmos rios e os bravos mares

Dei as flores finas e as orquestras

Dos pássaros que cantam pelos ares.

Dei-te o inconfundível uivar dos lobos

E a sábia companhia das corujas

Dei-te montanhas cheias de tesouros

Escondidos nas galerias profundas.

Mas do que adianta?

Um mundo sem quem o reconheça mundo?

Tal como a musa,

Que não conhece o poeta?

Do que adianta os tesouros e as corujas?

Os lobos, pássaros, mares e florestas?

Se a musa não conhece o poeta?

Se não há quem reconheça o mundo?

E terminando esse segundo canto, o Sol criou a primeira espécie inteligente a habitar o mundo de Valomá, chamou-os de Naturais. A Lua logo se encantou por eles e os quis como os seus preferidos. Os Naturais passaram a viver nas florestas e desde o seu surgimento mostraram-se um povo bastante apegado aos seus ancestrais e as histórias sobre os grandes feitos. Viveram sempre em tribos, fazendo suas casas em cima das arvores e deslocando-se com facilidade entre os galhos com a ajuda das suas longas caldas. Sempre foram amantes da natureza e adoradores do Sol e da Lua, principalmente da Lua, que, deslumbrada por eles, abençôo-os com a graça da longevidade.

Depois de tudo, a Lua finalmente sorriu para o Sol e também se enamorou dele. Foi assim que os dois se uniram em amor, e desde então os entardeceres e as auroras no mundo de Valomá ficaram ainda mais belos do que antes. Da união tiveram dois filhos de gêneros opostos, não se sabe os seus nomes verdadeiros, mas os Naturais chamaram a entidade feminina de Ventura, a senhora das bem aventuranças, e a masculina de Amargor, o senhor de todo o mau. Então, nos primeiros tempos, os Naturais eram os responsáveis por Valomá, e dela dignamente cuidaram como se deve cuidar da própria morada. Viram os filhos do Sol e da Lua crescerem entre eles e foram testemunha da índole diferente de ambos, da extrema bondade e justiça de uma e dos sentimentos vis do outro, eis de onde lhes tiraram os nomes. Assim foi o começo da primeira era de Valomá, os humanos e outras raças surgiram depois.

Continua...

Maurício Ravel
Enviado por Maurício Ravel em 09/01/2011
Reeditado em 17/01/2011
Código do texto: T2717992
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