O CANTO DO BEIJA FLOR

Baseado no conto popular "O Beija-Flor"

Há muitos e muitos anos, numa fazenda longe daqui, vivia um casal muito feliz, que tinham uma única filha: Helena Pereira.

Helena era uma criança bonita, alegre, inteligente e era tratada como uma verdadeira princesa, tanto por seus pais, como pelos escravos da fazenda, já que era sempre educada e carinhosa com todos.

Helena adorava brincar de pega-pega, esconde-esconde, passa anel, amarelinha, pular corda, tanto dentro do casarão, como fora dele. Brincava na varanda, no pomar, na senzala, no terreiro e na estradinha que dava no arraial, na fonte da praça. E cantava, como cantava... Cantava para tudo e para todos. Cantava para os pássaros, para as flores, para o sol, para a lua e até para a chuva...Ah! Como Helena amava tomar banho de chuva.

A medida que Helena Pereira foi crescendo, os pais da menina não a deixavam mais brincar fora de casa, pois tinham medo que um mal feitor a roubassem deles, ou que algo de ruim acontecesse a ela. Nem nas janelas do casarão, os pais permitiam que ela chegasse, e a menina com lágrimas nos olhos pedia:

- Ah, minha mãe! Mãezinha, deixa eu brincar na varanda?

- Não pode! - respondia a mãe.

- Ah, minha mãe! Deixa eu brincar no pomar?

- Não pode! - a mãe repetia.

- Mãezinha, deixa eu brincar no terreiro?

E para tudo o que a menina pedia, a resposta era sempre a mesma.

- Posso brincar no balanço?

- Não pode!

- Posso brincar na senzala?

- Não pode!

- Posso ir brincar no arraial?

- Não pode!

E assim, dia após dia a cena se repetia e o sorriso foi desaparecendo do rosto de Helena e aos poucos, ela foi perdendo o contato com o mundo, perdendo a vontade de brincar, de cantar e até de sonhar.

Certo dia, a mãe da menina estava a preparar o almoço, pois apesar de ter muitas escravas na fazenda, a mãe de Helena tinha verdadeira paixão por cozinhar, e seus pratos eram deliciosos. Fazia arroz, feijão, cuscuz, mandioca frita...E doces? Hum! As sobremesas mais gostosas que se pode imaginar: pudim de leite, baba de moça, bolo de aipim...Hum! A mãe de Helena cozinhava como ninguém. Neste dia, preparava uma carne deliciosa, quando percebeu que a água da panela estava secando, e percebeu também que no jarro de barro não havia mais uma gota d'água sequer.

A mãe da menina chamou então uma das escravas.

- Jesuííííínaaaa!

Jesuína era uma negrinha pra lá de esperta. Toda faceira e serelepe como ela só, foi logo dizendo:

- Pois não, sinhá! Sinhá chamou, foi?

- Chamei Jesuína. Quero que vá depressa até a fonte e traga um pouco de água que a comida está queimando no fogo.

- Ih, é? É, sinhá? Que coisa, né? - E parada continuava.

- Vá Jesuína! Vá correndo, menina!

- Oxe, sinhá! Já to indo! Sinhá sabe que sou esperta por demais. Vou num pé e volto n'outro. - E parada continuava.

- Então vá criatura, e vá depressa que a comida está a esturricar no fogo!

- Oxe, sinhá! To indo, to indo!

E lá se foi Jesuína toda matreira carregando o pote de barro em direção a fonte. E quando Jesuína chegou na fonte, parou e ficou boquiaberta com a cena que viu. Em volta da fonte estavam todos do arraial: o prefeito, o delegado, o doutor, as professoras do colégio e as crianças com seus pais e suas mães. E todos repetiam uma bela canção que um beija-flor cantava paradinho no galho mais alto, da árvore mais alta que havia ao redor daquela fonte, e seu canto era tão bonito, mas tão bonito, que Jseuína colocou o pote no chão, sentou e ali ficou a repetir a canção do pássaro, encantada.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou...

Voaremos como um beija-flor,

Tão alto e tão belo!

Por todo o universo,

Com asas de luz.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou.

A mãe de Helena percebendo que Jesuína não voltava e que a comida estava queimando no fogo, resolveu chamar outra escrava.

- Isoliiiinaaaa!

Isolina era uma negra forte e bonita, mãe de doze filhos. E além de amamentar os seus filhos, foi ama de leite de várias crianças que nasceram naquele arraial, inclusive Helena Pereira.

- Pois não, sinhá? - respondeu a negra.

- Isolina, pedi a Jesuína que fosse até a fonte buscar água, porque a comida está a queimar no fogo, e lá se vai pra mais de um quarto de hora e ela ainda não voltou.

- Podexá, sinhá! Conheço bem aquela negrinha. Deve de tá de prosa, com as outras mucama no arraiá. Podexá, que trago ela já.

- Mas vá depressa, Isolina! Que a comida está a esturricar no fogo.

- Pode fica assussegada, sinhá! Trago numa mão o pote d'água e na outra mão aquela pestinha, pela zoreia.

E lá se foi Isolina em direção a fonte. E quando lá chegou nem percebeu que havia parado bem ao lado de Jesuína, pois a única coisa que via, era aquela cena maravilhosa. Várias pessoas em volta da fonte, que repetiam a bela canção que o beija-flor cantava parado no galho mais alto, da árvore mais alta que havia em volta daquela fonte, e o seu canto era tão bonito, mas tão bonito, que Isolina ficou também a cantar, se esquecendo da água, da comida, de Jesuína, se esquecendo de tudo.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou...

Voaremos como um beija-flor,

Tão alto e tão belo!

Por todo o universo,

Com asas de luz.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou.

A mãe da menina percebendo a demora de Isolina e Jesuína, resolveu mandar para a fonte todas as escravas da fazenda. E lá se foram uma a uma, Amaralina, Joaquina, Carolina, Severina, Josefina...E como as negras não voltavam, foi a vez dos homens. E lá se foram Jesuíno, Isolino, Carolino, Severino, Josefino...Foram todos, e todos tiveram a mesma reação. Ao ouvirem o canto maravilhoso do beija-flor, paravam e ficavam repetindo encantados.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou...

Voaremos como um beija-flor,

Tão alto e tão belo!

Por todo o universo,

Com asas de luz.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou.

Percebendo que ninguém voltava com a água, e que a comida estava queimando no fogo, a mãe de Helena Pereira decidiu ir até a fonte, para ver o que é que estava acontecendo. Chamou a filha e disse:

- Helena, foram todos até a fonte buscar água, e não mais voltaram. Fique aqui e não desgrude os olhos da panela, pois vou até lá para ver o que é que está acontecendo.

- Sim, minha mãe! Mas vá depressa, que a comida está esturricando no fogo.

E lá se foi a mãe da menina até a fonte. E ao lá chegar, se deparou com uma multidão que repetia o que cantava o beija-flor, no galho mais alto da árvore mais alta que havia naquela fonte, e o seu canto era tão bonito, mas tão bonito, que a mãe de Helena também se pôs a cantar, esquecida de tudo.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou...

Voaremos como um beija-flor,

Tão alto e tão belo!

Por todo o universo,

Com asas de luz.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou.

Helena Pereira percebendo a demora de todos e vendo que a comida estava esturricando no fogo, resolveu ela mesma ver o que é que estava acontecendo. Botou um xale e partiu em direção a fonte. E quando Helena Pereira chegou na fonte e se deparou com o belo canto do beija-flor, a sua emoção foi tão grande, mas tão grande, que após um longo e doce suspiro, Helena também se transformou num pássaro de com asas de luz.

O beija-flor então voou até ela e os dois juntos, numa felicidade sem igual partiram voando, em direção ao horizonte.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou...

Voaremos como um beija-flor,

Tão alto e tão belo!

Por todo o universo,

Com asas de luz.

Hei ui ti tchaiou...

Hei aiou...

Hei ui ti tchaiou...

Hei ai ou.

Marcelo Monthesi
Enviado por Marcelo Monthesi em 26/01/2011
Reeditado em 21/06/2019
Código do texto: T2753377
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