O Espartano III - Feridas Profundas

O primeiro grito foi de um tebano. Foi um grito de guerra, vindo de suas entranhas para dar-lhe força e chamar a atenção dos deuses para aquele momento crucial. Então ele forçou o escudo contra o espartano a sua frente. Sem medo, sem receio de enfrentar a elite guerreira da Grécia. Ele forçou a lança e quase hesitou quando viu o inimigo manter o olhar fixo sem se preocupar. O tebano viu quando a ponta da arma bateu contra um escudo e soltou uma faísca.

O segundo grito também foi de um tebano, aquele que defendia o que vociferara sua vontade de matar anteriormente. Esse foi um grito de dor de quem abandona a vida, retirada antes que seus sonhos se realizassem e quando se imaginava diante da glória. Uma lança espartana atravessou sua pele no abdome e subiu até perfurar um pulmão e bater em uma costela, que evitou que a ponta aparecesse do outro lado. Cuspindo sangue, amaldiçoando a derrota e chorando inutilmente, o tebano caiu.

O terceiro grito foi de um grego. Veio de um coração que odiava. Veio de uma boca que não expressava as pragas que permeavam sua alma. Veio de uma voz que tinha tons de raiva diluídos em orgulho e preconceito. O nome daquele que gritava era Kalas e sua lança tinha sangue de gregos, sangue de persas e de qualquer outra nação que um dia resolvesse pisar na Grécia sem baixar a cabeça para os gregos.

O corpo do tebano caiu assim que a lança saiu dele, trazendo consigo muito sangue e um pedaço do baço e do pulmão. Era a segunda vez que Kalas abria um espaço na fileira tebana e agora ele aproveitaria. Sabia que havia um guerreiro tentando impedir sua atividade, mas não foi por um segundo que ele hesitou. Era espartano, fora treinado entre espartanos e quem estava a seu lado era espartano. Viu uma lança vir em sua direção, brandida pela segunda vez pelo tebano que já tentara matá-lo. Vanpalion a deteve de novo.

O grito de Kalas foi seguido por mais agonia. Ele empurrou um tebano na diagonal, um que disputava espaço com Clíon. O homem perdeu o equilíbrio enquanto outro de seus compatriotas perdia a vida para a lança de Kalas. O guerreiro avançou. Gritava, mas não como um bárbaro, como um animal. Ele gritava como um homem cuja razão se transformou em ódio, um ódio que expelia palavras de vingança por sua boca e morte por suas mãos.

Seu último alvo soltou escudo e lança e segurou a arma que estava enfiada em seu peito. Segurou-a com todas as forças. Kalas não perdeu tempo tentando se soltar. Um outro soldado teria recuado com o escudo levantado e sacado a espada. Ele apenas sacou a lâmina e esperou que Vanpalion matasse o tebano que tentava atingi-lo pela terceira vez.

Assim mais um homem cambaleou ferido. Era um homem de uma família de cinco que já vira o caçula tombar e agora desejava que o mais velho sobrevivesse para manter a família. Ao menos dois ficaram em casa para manter a linhagem. Vanpalion colaborou com a derrocada da família tebana. Kalas deu o golpe de misericórdia.

O grego traidor cambaleou o com o peso do escudo quando a lança de Vanpalion enfiou-se em seu braço. Curvou um pouco o corpo e, antes que fizesse uma oração, a espada de Kalas estava partindo seu pescoço. O metal bateu contra o osso, travou por um instante então foi puxado dilacerando nervos e pele. O tebano teve um espasmo e caiu imóvel.

Kalas deu um passo à frente. Seu coração bradou de ira.

Kalas deu um passo à frente. Uma memória tomou sua mente e seu sangue.

Kalas deu um passo à frente. Sua espada se levantou em nome do que perdera e do que ganhara.

Kalas deu um passo à frente. Sua espada baixou para roubar o que perdera e entregar o que ganhara.

Kalas deu um passo à frente. Deixou para trás uma vida perdida e levou consigo um ódio ainda insaciado.

Ele precisava demais. Vira muito nesses tempos e descontar sua frustração e raiva nos gregos traidores não lhe bastava. Precisava de alvos com rostos. Aqueles hoplitas não tinham rostos. E Kalas avançava retirando vidas com rostos. Ele marcava cada um.

Vanpalion seguia com seu escudo e preparava o caminho. Ele enfiava a lança nos homens feridos que Kalas deixava para trás. Então ouviu a voz de Clíon.

- Beócios, avancem e cubram o espaço!

Assim os beócios fizeram. Eram poucos e menos treinados do que os espartanos, ma os objetivo era apenas que eles cobrissem o espaço um deles tombou no primeiro passo e os outros quase travaram a marcha, mas Clíon gritou novamente e os forçou.

- Sejam gregos! Os deuses os observam! Sintam Heracles em seu sangue!

Um beócio bradou e forçou a fileira tebana pela fresta deixada por Kalas. Clíon estava a mantendo aberta, cobrindo as costas de Vanpalion e vendo Kalas se aprofundar cada vez mais. Os beócios viram aquele homem matando como se Hades ou Tânatos houvesse lhe dado o direito de escolher os mortos. Talvez sua espada fosse feita do mesmo metal da tesoura das parcas. Ele andou e cortou. Ele andou e matou! E os corações de beócios e espartanos se inflamaram ao ver aquela carnificina eficiente cuja precisão só mostrava o refinamento das máquinas de matar nascidas em Esparta.