A morte do sonhador

Odeio velórios, em que todas as pessoas parecem estranhamente satisfeitas e felizes. Odeio ainda mais quando é o meu próprio velório o motivo da satisfação geral. É um pouco estranho olhar para meu próprio corpo, ali deitado no caixão, mas, passear invisível entre as pessoas compensa qualquer coisa...

De súbito, percebo que atravesso pessoas, que ninguém me enxerga ou ouve; É chato, minha maior vontade agora era simplesmente poder gritar e assustar alguém, talvez enfartar minha esposa, sempre quis ser um fantasma para poder dar sustos nas pessoas, mas, agora que sou, percebi que assim como era em vida: ninguém me escuta, não adianta ficar gritando.

Não lembro ao certo como morri, mas, não deve ter sido um acidente como tenho escutado as pessoas sorridentes comentar. Aposto que alguém sabotou meu carro, ou colocou algum veneno em minha bebida para me matar e ficar com a minha herança. Ah que doce vingança terei, ao presenciar o momento em que meus advogados dirão a esses hipócritas a quantia que receberão de mim, por sorte tive o cuidado de doar toda minha fortuna para o funcionário de uma banca, nunca o vi antes, mas ele me atendeu bem. Foi uma boa escolha, não irei simplesmente retirar dessas bocas cínicas de meus parentes os sorrisos, irei fazer seus olhos encherem-se de lágrimas. Como fantasma irei vê-los chorar amargamente a pobreza em que os deixarei.

Posso ouvir o que minha esposa conversa com minha mãe do lado de fora da capela e, antes não pudesse. Ela está conversando sobre o prêmio do seguro de vida que elas fizeram para mim. Como foi que eu nunca fiquei sabendo disso? Ela parecia saber do meu testamento, pelos cochichos que escuto, ela fez um seguro valendo milhões, pagou com o meu dinheiro, e agora ficará mais rica do que já era!!!

Se eu conheço a megera de minha mulher, ela deixará minha filha passando fome, pelo menos isso. Aquela filha que deserdei pelo menos passará pela miséria que planejei a ela! Tudo por causa do rapaz da banca de revistas.

“Você envenenou mesmo a bebida dele?” – pergunta um rapaz no ouvido de minha esposa. “Sim” ela responde. Eu sabia que não havia morrido em nenhum acidente de carro! Mas isso não me deixa tão furioso... O que é que o rapaz da banca está fazendo em meu velório? Ele não deveria saber que eu existia até o momento em que meu advogado o procurasse, após meu funeral!

Ele está entrando na capela e, eu vou com ele. Ele cumprimenta meu advogado, aquele cínico, eles parecem ser velhos conhecidos, eu não posso acreditar. Agora ele está beijando a ingrata da minha filha! Eu entendo tudo agora. O advogado me traiu, informou minha esposa e filha, elas armaram todo esse plano. Minha filha seduziu o sujeito da banca, minha esposa ganhou o prêmio do seguro, e o calhorda do advogado receberá uma bela soma pela jogada de mestre. Isso explica os sorrisos. Isso explica meu corpo deitado no caixão. Isso explica tudo!

Como poderei descansar em paz se tudo o que planejei saiu errado? Como?

Espere, tem algo errado, meu corpo no caixão está se movendo, algumas pessoas correm desesperadas e outras ficam paralisadas, olhando sem fazer nada. Será que ninguém irá chamar uma ambulância?

O que essa desgraçada com que casei está fazendo? Ela está fechando o caixão! Não! Eu estou me mexendo... Mas como se estou aqui do lado de fora?

Tudo fica escuro... Começo a sentir meu corpo... Estou em um lugar confortável, creio que tudo não passou de um sonho. Abro os olhos, e estou preso dentro do meu caixão. Eu grito, minha esposa começa a cantar uma música funerária. Eu grito mais e, as pessoas cantam ainda mais alto. Eu pulo, eu debato-me e faço as pessoas derrubarem o caixão.

Silêncio... As pessoas devem estar olhando fixas para o caixão caído. Eu pulo mais... Machuco-me... Grito... Alguém abriu o caixão, é a cínica da minha mulher, ela diz: “Querido você está vivo?” Eu lhe respondo com um soco no rosto. As pessoas correm. Ninguém vem ajuda-la. Eu chuto seu corpo no chão até que ela desmaie.

Cemitério vazio... Eu coloco o corpo desmaiado dela no mesmo caixão em que fiquei preso. Fecho; Tranco; Faço uma pequena oração por sua alma e arrasto-a até a tumba aberta.

Não pretendo voltar para casa hoje. Mas ainda assim, precisarei de um advogado melhor para amanhã. E se ele me atender bem, deixarei minha fortuna para ele, e assim, evitarei ter mais dias tão estranhos quanto este que tive hoje.

=NuNuNO==

( Que adora o dia de finados )

02/11/2006

NuNuNO Griesbach
Enviado por NuNuNO Griesbach em 10/11/2006
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