Hernández

Era uma noite de lua cheia quando a vi, o vento soprava forte e as estrelas salpicavam o céu tão luminoso e distante, ela estava em cima daquela velha colina, onde sempre avistei uma chegada nas corridas infantis a cavalo, de longe parecia uma estátua de mármore, mas era impossível levantar uma obra tão rica sem um longo trabalho de muitos homens, parei meu cavalo para admirar, já não sentia mais dor, pois a noite gélida era entorpecente e ela seminua com seu vestido esvoaçante em seu corpo esguio, tão logo me fiz estacionado, em um movimento onírico ela graciosamente se moveu, e assim a lua se apagou e a escuridão reinou, um momento inesquecível por mais que parecesse uma quimera.

Pablo Hernández Gutiérrez, sempre foi um nome temido por esses acres, mas não pelos meus atos, mas sim pelos de meu pai, Capitão exonerado do Vice-Reinado México, proprietário de todas as terras até onde os olhos alcançam, era um tirano para os crioulos mais para mim um mártir, um guerreiro que lutou bravamente a mando do Excelentíssimo Majestade Rei Carlos IV com os franceses nas pelejas da “Guerra dos sete anos” e depois quando eu já havia sido encaminhado no ventre de minha mãe na invasão a “Colônia do Sacramento” um território ao sul do Brasil, na época colônia de Portugal, Grande homem, recebeu honrarias após seu retorno, mas foi logo enviado ao Vice-Reinado para colocar em ordem as terras do novo mundo. Capitão Gutiérrez escrevera sua própria lenda e ai daquele que rasurar seus feitos, pois as balas iriam ser mais fortes que tudo já visto por essas bandas. Para um homem tão sagaz assim só poderia haver uma derrota, atravez do mais forte ponto fraco, o único capaz de derrubar uma fera, o coração. Por outro lado era um devasso, vivia em torno nas “Chicas” e como eu poderia ser diferente com todo esse exemplo familiar, diz à lenda que minha mãe foi a única mulher a domar o coração de Capitão Gutiérrez, até Ela aparecer.

Eu, um espanhol vindo para o novo mundo ainda bem jovem, era uma criança esperta, criado entre escravos e crioulos, aprendi a me virar desde cedo, já dizia meu velho pai – Mais parece um crioulo, esse garoto, do que um legítimo espanhol assim metido entre eles. Logo me fiz homem acostumado a ter um nome para resolver qualquer conflito e homens para amedrontar os que ali chegavam, aos meus 18 anos era um bom encrenqueiro capaz de fazer barbaridades em troca de aventuras. Eram tempos estremecidos no Vice-Reinado, com algumas inssurgencias isoladas, essa era minha vida no final do século XVIII.

Em certo dia como um jovem rico tradicional, estava metido no saloom atrás de alguma dançarina tomando altas doses de rum, apostando as posses de meu pai, quando um mau perdedor sacou a arma, pois estranhou meu jogo ter 5 ases, para que? Foi armada a confusão, entornando a mesa de carteado diante do ludibriado açoitei seu corpo contra o chão, sapateando na mesa o esmagando no chão cantarolei:

Maldito abutre sujo

Como ousa me impedir

De ver minha querida e

De muitos ouros lhe cobrir

Pensas que és forte

Para vir me agoniar

Deixando a mulher dama

Ali triste a chorar

Só que o abutre tinha amigos indolentes, porém providos de coragem e eu havia dispensado os capangas de meu pai, assim com uma cadeira nas minhas costas me arrebataram, causando um tumulto tão grande e desesperador, saquei minha arma com rapidez extrema, fruto de longos treinamentos inspirados nos contos de pistoleiros, só que o rum não me deixou acertar, no tiroteio meu braço foi atingido, bem leve de raspão mais ainda sim eu estava ferido, eu tinha que fugir. Então pulei pela janela quebrando as vidraças, após rolar no chão só deu tempo de pular no meu cavalo e partir de vez dali.

Vaguei horas pelo deserto sem rumo, com os braços cansados e um cavalo exausto, até a bela escultura avistar, mas como escultura no monte que hoje cedo passei? Então cheguei mais perto para ver o que seria talvez o rum naquela noite só tenha me atrapalhado, pois não consegui ver direito a bela forma que estava ali parada, só o que mencionei em meus relatos iniciais, em um piscar de olhos, um movimento e... Acordei com um sol a pino e os abutres no céu a me vigiar. Não sei bem se sonhei ou se havia mesmo aquela dama, só tempos depois que descobri quem era ela.

Naquela noite anterior algo estranho acontecera, alguma coisa havia mudado, meu pai, um pai protetor nem havia notado minha falta, não havia hordas de homens vasculhando o deserto a minha procura, tudo estava calmo demais. Ele estava sentado em frente ao piano, com uma expressão cansada, embora tivesse sessenta anos não se notava em um simples olhar. Quando sujo e esfarrapado cheguei para lhe contar o infortúnio que me acontecera, com um olhar vago ele consentia aos meus relatos sem escutá-los e sem esperar que eu terminasse pela primeira vez em vida me esbofeteou e mandou que eu me recolhesse. Enfurecido fui para meu quarto. Nesse momento percebi que meu pai não era mais o mesmo.

Dias se passaram e sucessivas reuniões fechadas aconteceram não sabia com quem, mas os lacaios diziam ser com uma mulher, nada demais meu pai receber uma amiga, mas porque às escondidas e tarde da noite. Ao final de um mês contado a partir da noite em que fui ferido e largado no deserto a notícia arrasadora, meu pai marcara casamento com uma estrangeira da Europa, sem ser por ele comunicado, afinal não mais nos falamos nesses um mês que se sucedeu. Na noite seguinte, um grande banquete com os mais prósperos donos de terras do México e representantes da coroa e do Vice-Reinado para anunciar o noivado do meu pai com a desconhecida.

A meia noite ela chegou, com um vestido longo atraindo todas as atenções, parecia uma aparição divina sua pele branca brilhava a luz dos castiçais seu cabelo castanho parecia planar escorregando pelos seus ombros, deixando a todos enfeitiçados com seu brilho, seus lábios calados diziam tudo que queríamos ouvir, esguia como poucas, andava subliminarmente, parecia sobrevoar o chão arrastando a calda do vestido, cada segundo a olhando parecia mil anos, mas algo nela me parecia familiar, era ela, minha escultura, que dias depois do acontecido voltei à colina para procurá-la, minha diva que por tempos depois sonhei vendo claramente nos sonhos o que parecia ter sido um grande sonho e que naquele banquete se tornara realidade, uma cruel realidade, pois a musa dos meus sonhos seria minha madrasta.

Após a entrada mágica meu pai hipnotizado foi a seu encontro beijou sua mão sem desviar os olhos dos dela como que se o fizesse o encanto acabasse, os dois seguiram desfilando no salão como se fossem a realeza se exibindo a seus súditos se encaminhando a mesa de jantar. Recebendo os comprimentos dos grandes nomes do jantar meu pai pouco falava demonstrando uma postura de lorde que nunca tivera, como poderia essa mulher mudar tanto meu pai? Nesse momento fui tocado pelas setas do cupido, setas que me rasgaram em um misto de dor, deleite e culpa, afinal era a mulher de meu pai minha futura madrasta, a divindade que me enfeitiçara.

No decorrer da noite me mantive afastado observando suas formas, seus trejeitos, mas algo me dizia que eu era notado, por mais que me escondesse em meio aos convidados, mesmo sabendo que minha ação sorrateira seria por pouco tempo, afinal era eu o filho noivo e logo deveria sentar ao seu lado à mesa para o brinde e o pedido. Antes disso um rompante de culpa me desvencilhou daquela magia e fui à sacada respirar o ar da noite para aliviar meus sentimentos impuros, e quando recebi a calmaria da noite em meu peito senti um toque frio em meu pescoço.

- Eis então o herdeiro dessas terras – acariciando meu pescoço – a muito ansiava lhe conhecer, porque foges de minha presença.

Sem palavras a vi de perto senti seu cheiro se misturando com o odor da noite invadindo meu inconsciente, me fazendo balançar como nunca por nenhuma mulher havia balançado, com um leve rubor retruquei.

- Não fujo de ti, só não vi momento oportuno para essa apresentação, já que meu pai não fez as devidas honras em me apresentar-te, pois bem , eis me aqui , mais um encantado com sua beleza, rara de se ver por esses cantos. Afinal o que veio fazer no fim do mundo?

( CONTINUA... )

Renan Wangler
Enviado por Renan Wangler em 05/04/2011
Código do texto: T2891796
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