ALFACE – O ‘AGRO-BOY ’

* Da série ALFACE

O grupo de moleques que integrava a esquina dos contos era formado por rapazes das camadas sociais intermediárias – filhos de pais de classe média – trabalhadores , enfim, pessoas comuns que encontravam a alegria de viver nas pequenas coisas . Ninguém ostentava e, muito antes pelo contrário , a marca registrada daquela turma era a irreverência comum da idade, o gosto pelo esporte – pelo rock – as baladas , os namoros e os programas de fim de semana.

Havia uma outra turma que era conhecida como a confraria do “bico empinado” e que literalmente “se achavam” superiores, pois eram filhos de grandes fazendeiros e comerciantes tradicionais da cidade . Sentiam-se superiores e não buscavam a convivência com a turma da esquina . Um dos componentes dessa “elite” era filho de um dos homens mais inúteis da cidade e corria entre os jovens o comentário de que havia herdado duas glebas de terra , mas que só sobrara um outro campo que também teria sido obtido por herança, mas por parte da família da esposa.

Justamente esse sujeito , cujo pai perdulário havia jogado no ralo do desperdício duas frações de terras nobres obtidas por herança , era o mais indolente e arrogante membro da “outra” turma . Passava pela esquina e raramente dava um bom dia ou qualquer outra saudação jovial. Nos finais de semana apresentava-se na praça central da cidade trajando botas gaudérias com esporas, cinto de couro de gaúcho com uma faca atravessada , lenço de seda e boina preta . Era um legítimo filhote de fazendeiro !

Alface, irreverente ouvia os deboches e numa tarde ensolarada de domingo interrompeu as conversas lançando uma frase que plasmou uma definição que nem ele mesmo imaginava que ficaria para sempre . Disse ele : - “Deixem em paz o ‘agro-boy’ , com o tempo ele perderá espaço para suas vacas”.

A expressão “agro-boy” acabou se espalhando pela cultura juvenil da fronteira e sempre que se apresentava um dos bobalhões da turma dos fazendeiros, se dizia lá vem outro agroboy. Era interessante que os sujeitos se vestiam na contramão da própria tendência de uma época. À noite nas boates compareciam com calças jeans e camisetas da moda, mas no outro dia iam para as ruas e praças vestidos de modo a ostentar ícones de identificação do meio rural.

Alface sustentava que muitos deles certamente depois do amadurecimento iriam abandonar essas tolices, mas dizia que outros iriam manter os mesmos costumes bizarros e , para estes , criou outra denominação, dizendo que eles se transformariam, naturalmente, em “agro-bobos”.

Como era natural à sua personalidade, Alface filosofava no entorno da arrogância precoce e desnecessária à idade . Dizia que a tradição gaúcha não merecia aquilo e que a cultura regional deveria ser cultuada em outros espaços próprios . Aquele exibicionismo não visava difundir a tradição Riograndense, mas tão só expor uma ostentação incompatível com a realidade da juventude .

Chato, o “agro-boy” estacionava uma velha caminhoneta Chevrolet e colocava o som bem alto, com músicas gaudérias , milongas e canções de bailanta , abafando o som das bandas de rock e da música popular brasileira . Nem mesmo as meninas filhas de fazendeiros aturavam aquela prática esdrúxula e se afastavam do agro-boy, preferindo a convivência amena com os meninos da turma da esquina dos contos.

Setembro era o mês mais aguardado, sobretudo porque o dia vinte desse mês está plasmado como data de celebração da Revolução Farroupilha – a Epopéia dos Farrapos – e os gaúchos desfilavam com toda a indumentária pelas ruas da cidade. Muitos , a bem da verdade, eram chamados “setembrinos”, porque só vestiam os trajes típicos uma vez por ano , para se exibir no dia vinte.

O “agro-boy” se mantinha triunfante , cercado por gurias pobres que se achegavam à turma do “bico empinado” na esperança de um casamento que as transformasse em prósperas produtoras rurais . A mocidade do agro-boy foi se consumindo nessa ciranda de ostentações e arrogâncias, enquanto Alface destilava toda sua ironia e influenciava o grupo da esquina dos contos a viver a intensidade de uma época cuja filosofia , necessariamente, desprezava o materialismo em prol do gozo maior e sublime de sensações inefáveis que só poderiam ser desfrutadas antes das exigências comuns à vida adulta.

O ápice das bobagens patrocinadas pelo agro-boy se deu na véspera do desfilo do Vinte de Setembro, quando os gaúchos estavam de fileira armada para comemorar o aniversário da Revolução Farroupilha . Estavam todos reunidos na Esquina dos Contos, quando chegou a figura antipática do agro-boy, montado no lombo de um cavalo pardo, parecia estar em êxtase e olhava para os lados, cuidando para ver a reação das gurias.

Numa de tantas, depois de cravar as esporas no cavalo, o animal rodopiou por entre a calçada e a rua, e depois de um relincho soltou uma generosa porção de “bosta” , defecando plastas verdes e mal cheirosas no passeio público . Alface não perdeu a vez e provocando risadas entre todos os presentes , disparou: - “Tche , Agro-boy , vê se limpa a merda do cavalo !